quinta-feira, 5 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 15


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 15

Participam deste capítulo

Cyro Valdez  -  Tarcísio Meira
Prof. Valdez  -  Enio Santos
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Inês  -  Betty Faria
Mestre Jonas  -  Gilberto Martilho
Rosa  -  Ana Ariel
Daniel  -  Paulo Araújo

CENA 1  -  HOTEL  CENTRAL  -  EXTERIOR  -  NOITE.

RAROS CASAIS ENFRENTAVAM O FRIO, ABRAÇADOS, SOB AS ÁRVORES FRONDOSAS DA PRACINHA DEFRONTE AO HOTEL. O TAXI REDUZIU A MARCHA E PAROU A POUCOS METROS DA ENTRADA CENTRAL. CYRO SALTOU, PAGOU AO MOTORISTA E O CARRO PARTIU, CONTORNANDO A PRACINHA E DESAPARECENDO.

DE REPENTE, O SEDAN NEGRO SURGIU EM DISPARADA. CYRO SENTIU A SENSAÇÃO DO PERIGO, SEGUNDOS ANTES. E, IMPELIDO PELO REFLEXO, ATIROU-SE CONTRA A PAREDE DO HOTEL; TEMPO SUFICIENTE PARA QUE O CARRO PASSASSE COMO UM BÓLIDE, DESLOCANDO O AR E PROVOCANDO OLHARES ESPANTADOS DOS CASAIS.

O OBJETO EMBRULHADO CAIU A POUCOS PASSOS DO MÉDICO, AINDA PÁLIDO E OFEGANTE. CYRO LEVANTOU-SE E RECOLHEU-O. DENTRO, ENVOLVIDA NUM PANO NEGRO, UMA CRUZ, COM UM DÍSTICO: “VADE RETRO, SATANÁS”. O MÉDICO PROCUROU DESTINGUIR O CARRO QUE JÁ DESAPARECERA NAS RUAS ESCURAS.

CORTA PARA:

CENA 2  -  HOTEL CENTRAL  -  APARTAMENTO DE CYRO  -  INTERIOR  -  NOITE

O PROF. VALDEZ EXAMINOU O ESTRANHO OBJETO.

PROF. VALDEZ  -  Vade retro, Satanás. É alguém que vê em você um demônio...

CYRO  -  E quis me matar.

PROF. VALDEZ  -  Você acha?

CYRO  -  O carro passou rente, se eu não pulo...

PROF. VALDEZ  -  É, isso começa a me preocupar. Talvez a sua mãe tenha razão: o melhor é a gente arrumar as malas...

CYRO  -  (encolheu os ombros, despreocupado) Não. Nunca fui mandado embora de lugar nenhum. E não vai ser na minha terra, na terra onde nasci, que isso vai acontecer. Eu vou embora, sim, quando me der na cabeça. E, agora, eu tenho alguns motivos para não me apressar.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  INTERIOR  -  DIA

MESTRE JONAS ACABAVA DE CHEGAR DO MAR. O ROSTO CANSADO, AS VESTES MOLHADAS. VIU O FILHO NA SOLEIRA DA CHOUPANA.

MESTRE JONAS  -  Danié!

DANIEL  -  Olá, pai!

JONAS  -  (sorriu, feliz, abraçando o rapaz. Notou seu aspecto melhorado) Lhe deram alta de vez, filho?

DANIEL  -  Já tou bem melhó!

MESTRE JONAS  -  Virge Santíssima! Foi mesmo um milagre. Pra quem te viu morto, como eu vi..
.
ROSA  -  (com as mãos postas) Vamo tê muito que agradecê a Deus.

MESTRE JONAS  -  A ele e ao doutô Cyro. Ele é nosso benfeitô...

REMEXEU NO CESTO E ESCOLHEU UM BADEJO E ALGUNS CAMARÕES GRAÚDOS.

ROSA  -  Peixe fresquinho, hem, velho?

MESTRE JONAS  -  É, Rosa, faz uma peixada bem gostosa pra gente comemorá. Cadê Inês?

ROSA  -  (mentiu, fitando o mar) Foi na cidade, fazê compra...

EM ALGUMA PARTE, A FILHA PASSEAVA COM O FILHO DO COMENDADOR LIBERATO. EM ALGUMA PARTE UMA LANCHA MODERNA CORTAVA AS ÁGUAS. ROSA CERROU OS LÁBIOS NUM JEITO ESQUISITO. TEMIA PELA SORTE DA FILHA.

CORTA PARA:
Baby (Claudio Cavalcanti) e Inês (Betty Faria)

CENA 4  -  ALTO-MAR  -  IATE DE BABY LIBERATO  -  INTERIOR  -  DIA

A CABINE ERA DIMINUTA, MAL DAVA PARA DOIS, MAS DISPUNHA DE UM BARZINHO CONFORTÁVEL, ACONCHEGANTE, ALGUNS BANCOS E DUAS VIGIAS POR ONDE SE AVISTAVA O MAR ENCRESPADO. BABY PEGOU DA GARRAFA E ENTORNOU UMA DOSE DE UÍSQUE NUM COPO. ATIROU DENTRO ALGUMAS PEDRAS DE GELO. O MESMO RITUAL, EM DOBRO, PARA SI MESMO.

COM UM GESTO MECÂNICO, BEBEU UM GOLE DO ESCOCÊS, NOTANDO QUE A MOÇA NÃO TOCAVA NA BEBIDA.

BABY  -  Por que você não bebe?

INÊS  -  (mostrando nervosismo) Porque não gosto.

BABY -  Não gosta de uísque ou não gosta de beber? Tem vodca, conhaque, vermute...

INÊS  -  Não gosto de beber. E você, por que não pára?

BABY  -  Pra que parar, meu bem? Pra ficar bonitinho, bem comportado... bom moço?

INÊS  -  (com meiguice na voz) Não gosto de ver você assim. E se você não parar de beber, acho melhor a gente voltar.

BABY APROVEITOU UM BALANÇO MUITO FORTE E AMPAROU-SE NO CORPO MORENO, BEM FEITO, APETITOSO DA FILHA DO MESTRE PESCADOR. TENTOU BEIJÁ-LA NA BOCA. INÊS ESQUIVOU-SE COM UM MOVIMENTO RÁPIDO. E SE PÔS EM GUARDA A UM CANTO DA CABINA. BABY ENDIREITOU-SE, MEIO SEM JEITO.

BABY  -  Sabe, você é uma chata!

INÊS  -  Você me convidou pra passear de iate, não pra isso.

BABY  -  (começando a dar sinais de embriaguez, a cambalear) Passear de iate... e você acha que eu vou passar o tempo todo olhando pra sua cara?

INÊS  -  (com voz firme) Não precisa olhar pra minha cara, olhe pro mar.

BABY  -  (fingindo-se pior do que estava) Não posso, me embrulha o estômago. Tudo me embrulha o estômago. Minha cara no espelho, a cara do meu pai, os amigos do meu pai, a Companhia de Mineração, a vida...

INÊS  -  A gente só bebe quando está desgostoso da vida. Mas você não pode estar desgostoso. Você tem tudo...

BABY  -  (sorriu, enigmático) Você acha?

INÊS  -  (abriu os braços e rodopiou contente no interior do barco) Puxa! Com um iate bacana como este, quem é que pode ter queixa da vida?

BABY  -  Se eu quiser, posso ter dois, três iates iguais a este... mas isso não vai me dar emoção nenhuma. Não muda nada. (engoliu um gole demorado da bebida) São apenas números... dois, três... três iates, mais quatro carros, mais cinco mulheres, quantos bagulhos são? Doze bagulhos. (atirou o copo contra a parede do bar, espatifando-o) Eu acho que só conta mesmo aquilo que a gente tem dentro da gente... e eu não tenho nada dentro de mim... nada!

INÊS AMEDRONTOU-SE COM A ATITUDE ANORMAL DO RAPAZ E SE ENCOLHEU AINDA MAIS.

CORTA PARA:

CENA 5  -  PORTO AZUL  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  EXTERIOR  -  DIA

O CÉU SE FECHOU, O VENTO TOMOU CORPO E O MAR ENCAPELAVA-SE DE MINUTO A MINUTO, COM AS ONDAS JOGANDO VIOLENTAMENTE CONTRA AS ROCHAS E AS AREIAS BRANCAS DO LITORAL. NA LINHA DO HORIZONTE, UM TRAÇO NEGRO DIVIDIA CÉU E MAR. PRENÚNCIO DE TEMPORAL.

MESTRE JONAS  -  Vem aí uma tempestade daquelas... eu vim na frente dela... tava soprando um nordeste brabo. Se eu não meto a proa na direção da praia, ela tinha me pegado...

ROSA  -  (preocupada) E Inês?

MESTRE JONAS  -  Ela não foi na cidade?

ROSA  -  (engasgou-se) É... foi... é capaz de pegá essa chuvarada nas costa.

CORTA PARA:

CENA 6  - ALTO-MAR  -  IATE DE BABY  -  INTERIOR  -  DIA

O IATE SUBIA E DESCIA AO SABOR DAS ONDAS, IMPELIDO PELA FORÇA DA NATUREZA. BALANÇAVA COMO UMA CASCA DE NOZ, PERDIDO NA IMENSIDÃO DO OCEANO. TOTALMENTE DESCONTROLADO, BABY OLHAVA, CHEIO DE DESEJO, O CORPO APETITOSO, DE PERNAS ROLIÇAS E JOELHOS BEM TORNEADOS DA MOÇA.

BABY  -  Por que tá me olhando assim? Tá com medo de mim?

INÊS  -  Não... tou com medo do temporal que vem aí... vamos voltar?

BABY  -  (decidiu ofendê-la) Você sabe que eu podia encher esse iate de garotas mais bonitas que você?

INÊS  -  Então... por que não fez?

BABY  -  Sei lá... eu já lhe disse... é tudo questão de números... uma garota, duas, três, meia dúzia... e a gente continua, né...

INÊS  -  E eu sou, pra você, apenas mais uma garota?

BABY  -  Você? E o que você esperava que fosse? O amor da minha vida? (o álcool descerrava a língua do playboy, que investia agressivamente contra a moça pobre que desdenhava de seus carinhos de rico-e-todo-poderoso) Bem se vê que você não passa de uma fulaninha  idiota. Eu trouxe você aqui pra me divertir. Mas você nem divertida é. Não passa de uma chata.(levantou-se de supetão e, dando um salto até a escada, gritou para o navegador) Ei, rapaz! Vamos voltar!

INÊS COMEÇOU A CHORAR, NÃO SE CONTENDO DIANTE DAS OFENSAS DE QUE ESTAVA SENDO ALVO.

BABY  -  (ordenou, feroz) Pare de chorar! Não gosto de ver ninguém chorando na minha frente! Pare de chorar senão eu lhe bato!

UM BALANÇO MAIS FORTE JOGOU-O AO CHÃO, PERTO DOS ESTILHAÇOS DO COPO. BABY NÃO TENTOU LEVANTAR-SE. A CABEÇA RODAVA-LHE. E O CORPO PARECIA PESAR-LHE UMA TONELADA. NENHUM MÚSCULO OBEDECIA AO SEU COMANDO.

CORTA  PARA:

CENA 7  -  PORTO AZUL  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  INTERIOR  -  DIA

O VENTO SACUDIU A REDE ONDE MESTRE JONAS ESTAVA ESTIRADO, PITANDO O CACHIMBO DE MADEIRA. INÊS ABRIU A PORTA E ENTROU APRESSADA, FUGINDO DA CHUVA QUE CAÍA TORRENCIALMENTE.

ROSA  -  (correu a abraçá-la) Graças a Deus!

MESTRE JONAS  -  Onde é que tu tava? Por que não voltou pra casa quando começou a armá trovoada?

INÊS NÃO RESPONDEU. OS OLHOS VERMELHOS. O VESTIDO LEVE COLADO AO CORPO DE FORMAS PERFEITAS. AS LÁGRIMAS SE CONFUNDINDO COM AS GOTAS D’ÁGUA QUE ESCORRIAM DOS CABELOS ENSOPADOS. TREMENDO DE FRIO, ENTROU NO QUARTO, FUGINDO AOS OLHARES ADMIRADOS DA FAMÍLIA.

FIM DO CAPÍTULO 15


 Na próxima terça, capítulo inédito!

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