domingo, 1 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 13


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 13

Participam deste capítulo

Cyro Valdez  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Glória Menezes
Otto Muller  -  Jardel Filho
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Júlia  -  Ida Gomes

CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA

OTTO MULLER, MÃOS CRUZADAS NAS COSTAS, EM ATITUDE GERMÂNICA, ANDAVA DE UM LADO PARA OUTRO. BALANÇAVA ENTRE OS DEDOS UM CHICOTE DE COURO CRU COM BOLINHAS DE CHUMBO NAS EXTREMIDADES DOS FIOS COMPRIDOS.

OTTO  -  Por que não é possível? Temos que dobrar a produção de carvão!

RICARDO  -  Antes disso seria preciso melhorar as condições de trabalho, Dr. Otto... aumentar os salários...

OTTO  -  (cortou, aos berros) Nada de aumento de salários! A molecada já ganha o suficiente! E não precisam de mais!

RICARDO  -  Senhor... o ponto de vista não é só meu... Falo, inclusive, por delegação...

OTTO  -  De quem? De Liberato?

RICARDO  -  (assentiu) Sim. O comendador ainda está acamado, por isso me pediu para falar com o senhor...

OTTO  -  (deu um murro na parede) Esse velho cabeça dura e suas idéias sociais! Por que não morre de uma vez?

RICARDO SORRIU, CONSTRANGIDO.

OTTO  -  (percebeu que tinha ido muito além do desejável) Não que eu deseje que ele morra... mas acho que o senhor me entende... ele tem uma posição incoerente! Opõe-se ao crescimento da Companhia. E numa hora dessas, ainda vem falar em melhorar as condições de trabalho, aumentar salários... O comendador deve ter enlouquecido! (os olhos azuis emitiam chispas) Os mineiros ganham bem demais! Já disse. E se não produzem o que deviam, é porque são um bando de preguiçosos, indolentes, que só trabalham a chicote!

OTTO ALISOU SÀDICAMENTE O CABO DO RÊLHO, AGITANDO-O NO AR. A CHICOTEAR INVISÍVEIS EMPREGADOS. VIROU AS COSTAS E O ENGENHEIRO RICARDO ENTENDEU QUE A AUDIÊNCIA HAVIA CHEGADO AO FIM.

RICARDO  -  (levantou-se, ainda receoso) Vou levar ao Comendador Liberato os seus pontos de vista.

OTTO  -  (fez esforço para mostrar sinceridade) Diga que eu desejo seu pronto restabelecimento.

RICARDO  -  Direi, senhor. Com licença!

ASSIM QUE O ENGENHEIRO FECHOU A PORTA ATRÁS DE SI, O ALEMÃO VERGASTOU O COURO DA POLTRONA, ONDE ELE ESTIVERA SENTADO. COM VIOLÊNCIA, A BOCA A ESPUMAR.

OTTO  -  Que vá para o inferno! Que morra de uma vez!

CORTA PARA:
Otto Muller  (Jardel Filho)

CENA 2  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

JÚLIA  -  (com ar de apreensão) O Dr. Cyro Valdez acaba de chegar.

ESTER  -  (apertou as mãos, nervosa) Eu pedi a ele para não vir mais aqui!

JÚLIA  -  Devo dizer a ele que a senhora não quer recebê-lo?

ESTER  -  (hesitou) Não. Deixe ele entrar. Preciso pôr um ponto final nisto, de uma vez!

MOMENTOS DEPOIS O MÉDICO ENTROU NA SALA. NA MÃO DIREITA, A PEQUENA MALETA NEGRA, COM APARELHAGEM DE EXAME. DIRIGIU-SE À MULHER, ABRAÇANDO-A.

ESTER  -  (recuou, empurrando-o sem grosseria) Você prometeu não vir mais aqui!

CYRO  -  Não posso ficar no hotel esperando um telefonema que nunca vem.

ESTER  -  Se eu não telefonei, como prometi, é que não podia vê-lo, por alguma razão muito séria. Você deveria entender isso...

CYRO  -  Devo ficar esperando até que você possa? Não sabe que tenho que viajar?

ESTER  -  (surpresa com a revelação) Quando?

CYRO  -  Por esses dias. Já devia ter viajado...

POR ALGUNS SEGUNDOS  UM SILENCIO DESAGRADÁVEL DOMINOU A CENA. CYRO A OLHAR PARA A MULHER. E ELA A FIXAR O CHÃO, CABISBAIXA.

CYRO  -  Posso lhe fazer uma pergunta?

ESTER  -  Sim.

CYRO  -  Que há entre você e o Dr. Paulus?

ESTER  -  Nada. Por quê?

CYRO  -  A última vez que estive aqui, você ficou muito preocupada quando ele apareceu.

ESTER  -  Ele é muito amigo do meu ex-marido. Não queria que ele visse você. Não por mim, mas por você mesmo. Porque o Dr. Paulus é  homem de quem se pode esperar as maiores baixezas.

CYRO  -  Eu já percebi isso. Só estranho que você tenha amizade com gente desse tipo.

ESTER  -  Eu não tenho amizade ao Dr. Paulus. É uma das poucas pessoas a quem odeio.

CYRO  -  E o recebe em sua casa?

ESTER  -  Sou obrigada a isso.

CYRO  -  Não entendo por quê.

ESTER  -  E é melhor não procurar entender.

CYRO  -  Detesto os mistérios. E você parece que tem prazer nisso.

ESTER  -  Para quê desfazer o mistério... e provocar uma desilusão? Você vai embora... é melhor que leve consigo essa imagem que tem de mim. (os olhos marejaram) Talvez não seja verdadeira... mas é a que você pode recordar, sem sofrer.

CYRO  -  (agastado) Bem... eu não estou aqui para indagar da sua vida. Não tenho mesmo esse direito. Mas o que houve entre nós... não foi assim... tão sem importância. Pelo menos... para mim.

ESTER  -  E para mim também. Mas eu já lhe disse: é tarde demais. Eu não sou uma mulher livre!

CYRO  -  (a voz descontrolada) Você me disse que era desquitada!

ESTER  -  (gritou, nervosa) Mas não sou livre! Não sou livre!

CYRO  -  Eu compreendo (voltou-lhe as costas e deu algumas passadas, visìvelmente pálido) Você está arrependida e quer terminar... o que mal começou.

ESTER  -  (as lágrimas correram pelos cantos dos olhos) Foi um momento de loucura, Cyro. Nunca devíamos ter começado. Foi também um instante de fraqueza da minha parte. Eu... eu tenho toda a culpa.

CYRO  -  Não... fui eu que insisti.

ESTER  -  Eu não devia ter cedido (recriminava-se, apoiando a cabeça nos ombros do rapaz) Fui fraca, leviana...

SEM MAIS PALAVRAS, O CIRURGIÃO AFASTOU-A BRUSCAMENTE E SAIU, A PASSOS APRESSADOS, RUMO À PORTA DA RUA. ESTER AINDA TENTOU DETÊ-LO, CORRENDO ATÉ A PORTA. ESTACOU, MORDENDO OS LÁBIOS.

FIM DO CAPÍTULO 13
  

... e na próxima quinta, mais um capítulo inédito!

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