quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 80


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 80

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Cyro  -  Tarcísio Meira
Comendador  -  Macedo Netto
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Paulus -  Emiliano Queiroz
Otto  -  Jardel Filho
Lia  -  Arlete Sales
Dr. Max  -  Álvaro Aguiar
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Daniel  -  Paulo Araújo
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho 
André  -  Paulo José
Dr. Gustavo  -  Francisco Serrano

CENA 1  -  MINAS  -  GALERIA M-13  -  INTERIOR  -  DIA

NO INTERIOR DA CÂMARA, PÉ-NA-COVA CONTINUAVA TENTANDO COMUNICAR-SE COM O EXTERIOR. O MAU CHEIRO EMPESTAVA O AMBIENTE. DOS OITO APENAS ELE, DANIEL E MAIS TRÊS MINEIROS CONSEGUIAM RESISTIR. OUTROS TRÊS HAVIAM MORRIDO E OS ORGANISMOS EM DECOMPOSIÇÃO EXALAVAM UM ODOR QUE SE TORNAVA INSUPORTÁVEL. A ÁGUA, JÁ À ALTURA DOS QUADRIS, DAVA AOS CORPOS A APARÊNCIA DE AFOGADOS.

PÉ-NA-COVA LEVANTOU A CABEÇA PARA O TETO. ALGUÉM BATERA NA PARTE DE CIMA DA CÂMARA.

O MÉDICO BATEU NO CHÃO REPETIDAMENTE. E A RESPOSTA VEIO IMEDIATA.

PÉ-NA-COVA  -  São eles... são eles, sim!

DANIEL LEVANTOU-SE COM DIFICULDADE.

PÉ-NA-COVA GRITOU, DESESPERADO, ERGUENDO A CABEÇA EM DIREÇÃO AO TETO.

PÉ-NA-COVA  -  A gente taqui! Venha tirá a gente daqui! Tamo indo, um por um!

PAROU, ABALADO POR UM ACESSO DE CHORO.

DANIEL  -  Espera... Não é agora que vai se desesperá! (os dois inimigos olharam-se, unidos pela mesma infelicidade. Nada, a não ser um meio de libertá-los para a vida lhes interessava naquele instante. Luana. Não! Vida! Daniel voltou a falar, inspirado) Eu tenho quase certeza... é o Dr. Cyro!

PÉ-NA-COVA  -  (animou-se com a intuição do companheiro) Dr. Cyro?

DANIEL  -  Eu sei... eu sinto... só pode ser ele. Ele não ia abandoná a gente numa hora dessa. É ele que tá aí!

CORTA PARA:

CENA 2  -  MINA ABANDONADA  -  INTERIOR  -  DIA

CYRO  -  (ordenou) André! Corra! Vá avisar Ricardo. Diga que encontramos uma comunicação mais fácil com as minas novas. Se abrirmos este solo, daremos no teto da câmara 20, onde os homens estão soterrados. Corra! Preste atenção! (com movimentos nervosos, Cyro traçou uns riscos no chão negro) Aqui é a câmara 20... aqui embaixo passa o rio subterrâneo que já deve estar inundando a galeria toda. Mas nós estamos aqui em cima. Está compreendendo? Esta mina velha, abandonada, passa sobre a nova! Peça ao Dr. Ricardo para encontrar esse mapa, mas que tudo seja feito o mais rápido possível. Vá! Vá correndo, André!

CORTA PARA:

CENA 3  -  ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA

EM ALGUNS MINUTOS O ARTISTA CIRCENSE ALCANÇOU A PRAÇA E ENTROU NO ESCRITÓRIO. EM POUCAS PALAVRAS COLOCOU O ENGENHEIRO A PAR DOS ACONTECIMENTOS.

OTTO  -  Mas... como?! Como é possível? Há alguma ligação com as minas novas? Eu nunca ouvi dizer isso! Você sabia, Paulus?

O ADVOGADO NÃO IGNORAVA O FATO. POR OCASIÃO DA ABERTURA DO VALONGO, ANOS ATRÁS, MANUSEARA OS MAPAS E SABIA DAS INTERLIGAÇÕES. MAS PREFERIRA CALAR.

PAULUS  -  Bem... eu... eu nunca ouvi dizer, mas tudo é possível, não é?

RICARDO ANUNCIOU QUE IA PROCURAR OS VELHOS MAPAS, ENCAMINHANDO-SE PARA OS FUNDOS DO ESCRITÓRIO.

OTTO  -  (voltando a si da surpresa) Você... disse que o Dr. Cyro está metido na mina?

ANDRÉ  -  Foi ele quem descobriu a ligação das minas!

OTTO  -  Com um passe de mágica, com certeza!

ANDRÉ  -  Não... foi coincidência!

RICARDO REGRESSOU À SALA.

RICARDO  -  Eu vou buscar a turma de salvamento e sigo diretamente para lá. Você que conhece a mina, André, venha com a gente.

CORTA PARA:

CENA 4  -  ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA

COM O MAPA NAS MÃOS, O ENGENHEIRO APONTAVA O LOCAL EXATO DA ESCAVAÇÃO.

RICARDO  -  Sim. Não há dúvida! Vamos dar no teto da câmara 20.

DO LADO DE FORA A MULTIDÃO SE AGLOMERAVA, IMPACIENTE.

LIBERATO CONVERSAVA COM PAULUS.

COMENDADOR  -  E então... temos novidade?

PAULUS  -  Os homens poderão ser salvos dentro de algumas horas. Isto é... se o Dr. Cyro não se enganou desta vez na sua mágica.

CORTA PARA:

CENA 5  -  MINA ABANDONADA  -  INTERIOR  -  DIA

OS HOMENS CAVAVAM HÁ HORAS, REVEZANDO AS TURMAS SOB A ORIENTAÇÃO DIRETA DO DR. RICARDO.

RICARDO  -  (ordenou, com voz firme) Parem! Já conseguimos!

OS HOMENS, CALADOS, OBSERVAVAM O BURACO PROFUNDO, SUFICIENTE PARA A PASSAGEM DE UM CORPO ROBUSTO. ANDRÉ DEITOU-SE AO SOLO E ENFIOU A CABEÇA PELO TÚNEL.

ANDRÉ  -  (emocionado) Ali estão eles! Ali estão eles!

A UM SÓ TEMPO, OS HOMENS RESPIRARAM FUNDO. O TRABALHO CHEGARA AO FIM. AGORA, ERA QUESTÃO DE ARREMATE. MAIS ALGUNS MINUTOS.

MESTRE JONAS  -  (visivelmente temeroso) Tão vivo... ou tão morto?

CORTA PARA:
Das Dores (Ruth de Souza)

CENA 6  -  MINA ABANDONADA  -  EXTERIOR  -  DIA

AS AMBULÂNCIAS APROXIMARAM-SE DA ENTRADA DA MINA ABANDONADA. PADRE MIGUEL LEVARA O LIVRO DE ORAÇÕES E AGUARDAVA A RETIRADA DOS CORPOS.

BABY  -  (preocupado) Estão vivos ou mortos?

RICARDO  -  Calma! A gente já vão saber!

CORTA PARA:

CENA 7  -  MINA ABANDONADA  -  INTERIOR  -  DIA

A ÁGUA SUBIA CADA VEZ MAIS E PÉ-NA-COVA E DANIEL TENTAVAM RESGATAR O NEGRO TIÃO, INCONSCIENTE E GRAVEMENTE FERIDO. MAIS ALGUMAS HORAS E O RIO ELEVARIA O NÍVEL DAS ÁGUAS ATÉ ACIMA DAS CABEÇAS DOS SOBREVIVENTES. CADÁVERES DOS MINEIROS MORTOS FLUTUAVAM NAS ÁGUAS POLUÍDAS.

PÉ-NA-COVA  -  (extremamente cansado) Esse... em primeiro lugar, gente!

CYRO E VÁLTER ESTICARAM OS BRAÇOS E SUSPENDERAM O CORPO INANIMADO DE TIÃO. A PERNA SE ENVERGARA NUM ÂNGULO INADMISSÍVEL. DEPOIS FOI A VEZ DE LAURINDO. E EM SEGUIDA, DANIEL E INÁCIO. PÉ-NA-COVA DEIXOU A CÂMARA QUANDO OS VIVOS E OS MORTOS HAVIAM SIDO RETIRADOS.

LUCAS ENUMERAVA OS FALECIDOS, DIANTE DE BABY LIBERATO.

PÉ-NA-COVA  -  Junqueira, Vieira e Mário Sales... não guentaram.

BABY TORCEU O ROSTO, ESCONDENDO-O DO SACERDOTE E DOS AMIGOS QUE HAVIAM COMPARECIDO AO INTERIOR DA VELHA MINA. AS AUTORIDADES POLICIAIS PROVIDENCIAVAM A REMOÇÃO DOS CADÁVERES PARA O INSTITUTO MÉDICO LEGAL, ENQUANTO A MULTIDÃO AGITAVA-SE, NO EXTERIOR.

CORTA PARA:

CENA 8  -  ADMINISTRAÇÃO DA MINAS  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA

OTTO NÃO PODIA DEIXAR PASSAR A OPORTUNIDADE.

OTTO  -  Tomem nota: três mortos. (os repórteres grudavam-se ao superintendente) Todos três tem filhos. Muitos parentes, Vieira era arrimo de mãe, mulher e filhos. Junqueira sustentava toda a família da mulher e... Mário Sales tinha dez filhos. Gente sofrida! Dez filhos na orfandade. Mas eu vou amparar os filhos dos mineiros acidentados. (os jornalistas anotavam as declarações do ricaço) Ninguém vai ficar na miséria. Ninguém!

CORTA PARA:

CENA 9  -  ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA

JÁ NÃO HAVIA NINGUÉM NO ESCRITÓRIO E OTTO SORRIA, BEBENDO UM CAFÉ FORTE QUE LIA TINHA PREPARADO.

OTTO  -  Isto veio mesmo a calhar. Será o início da minha campanha para futuro candidato à prefeitura de Porto Azul. (bateu no peito, sorridente) Otto Muller tenta corrigir erros cometidos pela incompetência de seu primo Baby Liberato. Otto Muller assume as minas e ampara famílias dos mineiros acidentados! (voltou-se para a mulher) Lia! Prepare-se. Vamos visitar as famílias dos mineiros acidentados, levar-lhes nossa solidariedade cristã...

CORTA PARA:

CENA 10  -  FLORIANÓPOLIS  -  HOSPITAL  -  AMBULATÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA

TODOS OS SOBREVIVENTES TINHAM SIDO REMOVIDOS PARA O HOSPITAL DO DR. MAX E OS MÉDICOS SE DESDOBRAVAM PARA RECUPERAR OS MINEIROS SERIAMENTE FERIDOS.

DR. GUSTAVO  -  Já examinei. É grave. Providenciei para a operação imediata. Temos que amputar essa perna.

CYRO  -  Não! Não vou deixar fazer isto!

DR. GUSTAVO  -  Ele vai morrer se não o fizermos, Cyro. O ferimento, depois de tantos dias, já entrou em processo de gangrena!

CYRO  -  Eu sei o que aconteceu... mas este homem não pode amputar a perna.

DR. GUSTAVO  -  (aborrecido) Não é você quem decide. Aliás, você não tem o direito nem mesmo de estar aqui. Não pertence ao quadro médico deste hospital.

CYRO  -  Estou dizendo que este homem não pode perder sua perna. Eu não vou deixar.

DR. GUSTAVO  -  Vou chamar o Dr. Max.

O DIRETOR ACEITOU AS PONDERAÇÕES DO ASSISTENTE.

DR. MAX  -  Vou mandar transportar este homem para a sala de operações. Já vem buscá-lo, Cyro. E eu quero lhe pedir o favor de retirar-se deste hospital. É contra o regulamento estar aqui cuidando de feridos. Eu permiti por uma deferência toda especial. Mas agora você está se tornando inconveniente. E, desde o momento em que você se recusa a deixar fazer o que é  necessário para salvar a vida deste homem , sou obrigado a pedir-lhe que se retire...

CYRO  -  Este homem precisa das pernas... para trabalhar.

DR. MAX  -  Precisa também da vida. Não está de acordo? Vamos, Cyro, saia, por favor.

COMO EM TRANSE, O MÉDICO AJOELHOU-SE JUNTO AO LEITO DO NEGRO. DANIEL E PÉ-NA-COVA ADMIRAVAM A ATITUDE TOMADA PELO AMIGO. CYRO DESCOBRIU A PERNA FERIDA, RETIROU A GAZE QUE A ENVOLVIA, ATIRANDO-A NO BALDE COM RESTOS DE CURATIVOS. COM O INDICADOR E O POLEGAR UNIU AS BORDAS DO FERIMENTO, COMPRIMINDO-AS, ANTE OS OLHOS ESBUGALHADOS DOS MÉDICOS.

DR. MAX  -  O que vai fazer?

DR. GUSTAVO  -  Enlouqueceu!

OUTRO MÉDICO  -  Chame a polícia, Max! Cyro está abusando da nossa tolerância!

DR. MAX  -  Eu lhe dou dois segundos para sair deste quarto!

CYRO NÃO DISTINGUIA NADA. CONCENTRAVA-SE NA COMPRESSÃO DO TALHO. LENTAMENTE RETIROU AS MÃOS. OS CIRURGIÕES BAIXARAM O CORPO PARA OLHAR O LOCAL. APENAS UMA CICATRIZ. TIÃO ABRIU OS OLHOS, SEM FEBRE, RESPIRANDO BEM.

CYRO  -  Não precisam chamar a polícia. Eu vou embora. Esse homem já está fora de perigo. A perna está salva, graças a Deus! Se precisarem de mim, podem me chamar.

DANIEL E PÉ-NA-COVA BENZERAM-SE, CONTRITOS.

MAX OLHOU MAIS DETIDAMENTE A CICATRIZ.

DR. MAX  -  É fantástico!

DR. GUSTAVO  -  Ele nos hipnotizou! Aquele ferimento... não pode ter se curado!

DR. MAX  -  (sentou-se á beira da cama, com as pernas bambas) Mas está curado! Cicatrizado! Vejam! Vejam!         

FIM DO CAPÍTULO 80




Nenhum comentário:

Postar um comentário