quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 86



Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 86

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Comendador Liberato  -  Macedo Netto
Tula  -  Lúcia Alves
Otto  -  Jardel Filho
Vanda Vidal  -  Dina Sfat
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Rosa  -  Ana Ariel 
Daniel  -  Paulo Araújo
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Pedrão  - Waldir Onofre
Von Muller  -  Jorge Cherques
Paulus -  Emiliano Queiroz
Lia  -  Arlete Salles

CENA 1  -  PORTO AZUL  -  PRAIA DOS PESCADORES  -  CABANA DE BABY  -  INTERIOR  -  DIA

DEPOIS DOS ACONTECIMENTOS E DAS LUTAS COM O PAI E O PRIMO OTTO, BABY OPTOU PELA VIDA EM COMUM COM A GENTE HUMILDE DAS PRAIAS E DAS MINAS. BABY SABIA QUE SEUS VERDADEIROS AMIGOS, AQUELES EM QUEM PODIA CONFIAR, ERAM AQUELA GENTE SIMPLES QUE MOTIVARA CYRO A ABANDONAR TUDO PARA VIVER EM SUA CABANA DISTANTE.

UM QUARTO SEM CONFORTO, ALGUNS MÓVEIS, O SUFICIENTE PARA UMA VIDA DESPROVIDA DE LUXO, EIS TUDO O QUE NECESSITAVA E FOI COM SURPRESA QUE RECEBEU O PAI, ALI, NO SEU NOVO MUNDO.

O VELHO LIBERATO HORRORIZOU-SE COM A CABANA DO FILHO.

COMENDADOR  -  Você está vivendo aqui?

BABY  -  E me sinto muito bem. Estou no meio de gente boa e honesta. Gente humilde, de caráter. Gente que me salvou da cadeia. Que confiou em mim.

COMENDADOR  -  Sua vida está muito mudada...

BABY  -  (ajeitando a calça desbotada) Pra melhor, diga-se de passagem. Veio investigar minha vida ou me dar alguma notícia?

COMENDADOR  -  A notícia é que... você ganhou a causa na justiça, no caso da herança. Você é o dono absoluto de toda a fortuna Liberato.

BABY  -  (estremeceu) Ganhei? Então... está terminada esta questão?

COMENDADOR  -  Praticamente.

BABY  -  Entendo... basta provar que não sou seu filho. Dirá que descobriu isso tarde demais... enfim... pensando bem... foi um plano muito bem engendrado.

COMENDADOR  -  (esfregou as mãos envelhecidas) Eu poderia fazer isso... a minha intenção era justamente esta. Depois de ganhar a causa... mexer de novo no caso. Para isso eu tenho as cartas de Elisa.

BABY  -  (franziu a testa) Não é o que vai fazer?

COMENDADOR  -  Vou deixar as coisas como estão... você é o dono absoluto de toda a minha fortuna.

BABY  -  Mas eu não quero as coisas assim!

COMENDADOR  -  O que me restou dará para viver até o fim dos meus dias.

BABY PERCEBEU QUE O VELHO ESTAVA TENSO E COM AS PERNAS BAMBAS. SENTOU-O NA BEIRA DA VELHA CAMA.

BABY  -  Tá sentindo alguma coisa?

COMENDADOR  -  Não estou bem... mas passa.

PASSADOS ALGUNS INSTANTES O COMENDADOR DEIXOU A CABANA, PARTINDO PARA FLORIANÓPOLIS EM SEU CARRO.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  PREFEITURA  -  SALA DO PREFEITO  -  INTERIOR  -  DIA

OTTO MANUSEOU O GROSSO MAÇO DE PAPÉIS.

OTTO  -  Veja isto. Toda a cidade de Porto Azul pede o fechamento do cabaré de Naná. O que acha que podemos fazer?

VANDA VIDAL  -  (ergueu os ombros, indiferente) Eu não acho nada. Se o senhor não quiser, ninguém pode fazer nada contra a gente.

OTTO  -  Sou obrigado... mas serei tolerante. Dou o prazo de um mês para Naná se mudar. Dê-lhe o meu recado. A partir de hoje... dentro de um mês.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  PRAIA DOS PESCADORES  -  CONSULTÓRIO DE CYRO  -  INTERIOR  -  NOITE.

SETE DIAS DEPOIS, BABY JÁ SE MOSTRAVA OUTRO. O SOL, O SAL, A ALIMENTAÇÃO FORTE E A TRANQUILA VIDA À BEIRA DO MAR TINHAM RESTITUÍDO A VITALIDADE E A SAÚDE QUE AS PREOCUPAÇÕES E A PRISÃO LHE TINHAM ROUBADO. ERA OUTRO HOMEM. BEM DISPOSTO, FORTE, SAUDÁVEL. NAQUELA NOITE ELE ESGUEIROU-SE POR ENTRE AS CASAS DE MADEIRA E AS ÁRVORES FRONDOSAS DA ORLA MARÍTIMA, ALCANÇANDO O CONSULTÓRIO DE CYRO VALDEZ NO MOMENTO EM QUE TULA ACABAVA DE GUARDAR O MATERIAL DE CURATIVOS E PRINCIPIAVA A RETIRAR O UNIFORME. ESPEROU QUE A MOÇA APAGASSE A LUZ.

BABY -  (pegou-a pela cintura) Tula!

TULA  -  (virou-se, assustada) Puxa! Por onde você andou? (tentou acender a luz; Baby puxou-lhe a mão) Te procurei por todo canto.

BABY  -  Deixe apagada, mesmo. Sente-se aqui... perto de mim.

PUXOU UM BANQUINHO DE FERRO FUNDIDO.

TULA  -  No escuro? Que gosto! Papai está lá atrás, com Cyro, numa conversa comprida...

BABY  -  Outro dia você me falou de Inês... e me sugestionou com suas palavras. Só com as suas, não. Com as palavras de todos. Todo mundo acha Inês uma santa, incapaz de fazer alguma coisa errada. Aí eu pensei no garotinho. Bacana, ele! Uma carinha linda... não é por me gabar, não, mas é a minha cara. Aí senti um troço aqui dentro, pelo menino. Afinal, pensei, o garotinho não tem culpa de nada. E é a minha cara, puxa! Fui até lá... disposto a... a não sei o que... Não pensei em você, em ninguém. Pensei só no menino... e também em Inês. Enfim... comprei uma casa para ela viver confortavelmente com o menino.

TULA  -  (com a voz embargada) Acho que você fez muito bem.

BABY  -  Mas chegando lá... na casa de Inês... tive a maior decepção de minha vida. Você não imagina. Inês deu pra ter amizade com qualquer espécie de gente. Aquela dona do cabaré, a tal de Naná... foi lá pra falar com ela! Na casa onde vive meu filho!

TULA  -  O que a mulher queria?

BABY  -  Sei lá! Sabe como são essas donas... com certeza viu que Inês está sozinha... tem a cara bonita... sei lá! Foi convidar Inês pra ser dançarina, com toda a certeza!

TULA AFAGOU-LHE A TESTA E ENFIOU-LHE OS DEDOS POR ENTRE OS CABELOS QUE JÁ LHE CHEGAVAM AO PESCOÇO.

BABY APERTOU-LHE A CINTURA FINA, PASSEANDO AS MÃOS PELAS FORMAS DAS ANCAS E DAS NÁDEGAS.

CORTA PARA:

CENA  4  -  PORTO AZUL  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  COZINHA  -  INTERIOR  -  DIA

MESTRE JONAS ALISOU A SUPERFÍCIE LISA DA LARANJA E ESMAGOU-A ENTRE OS DEDOS PODEROSOS. O PESCADOR NÃO CONTINHA A RAIVA QUE O DOMINAVA.

MESTRE JONAS  -  Então... aquele sem-vergonha do careca teve a coragem de proibi a gente de passá  com nosso trabalho, pela praça!

PÉ-NA-COVA  -  (fez que sim com a cabeça) É, mas ele vai vê com quantos pau se faz uma canoa! Amanhã a gente vai botá pra quebrá!

DANIEL  -  Só não entendi uma coisa... Cyro vai deixá a gente reagi pela briga?

MESTRE JONAS  -  (limpando as mãos com um pano de prato) Não sei. Não sei de que modo ele vai reagi. Só sei que a gente vai sem arma.

PEDRÃO  -  (pulou, nervoso) Sem arma? De novo? Essa não!

PÉ-NA-COVA  -  Vamos servi de alvo pros home do careca!

MESTRE JONAS  -  Talvez não.

ROSA -  (torceu o coador de café e entrou na conversa) Ah, nessa eu não embarco! Essa não, Jona! Vocês vão enfrentá os home do careca e todo mundo sem levá arma? Nem uma carabininha, sequé? Pois olhe... eu vô dizê uma coisa. Vou nessa viagem. Vou sim, mas levo a minha carabina, armada, escondida debaixo da saia.

OS HOMENS RIRAM GOSTOSAMENTE, ENQUANTO A MULHER CORAVA DA CABEÇA AOS PÉS.

CORTA PARA:

CENA 5  -  PORTO AZUL  -  PREFEITURA  -  GABINETE DO PREFEITO  -  INTERIOR  -  DIA

A REPERCUSSÃO DO CHOQUE ENTRE OS PESCADORES E A GANG DO PREFEITO CHEGOU ATÉ A CAPITAL DO ESTADO. OS JORNAIS ESTAMPARAM MANCHETES EXPLORANDO O ASSUNTO, QUE POLARIZAVA AS ATENÇÕES DE SANTA CATARINA. POR DETERMINAÇÃO DO SECRETÁRIO DE SEGURANÇA, O DELEGADO DE PORTO AZUL ADVERTIU SEVERAMENTE O PREFEITO, VERBERANDO O PROCEDIMENTO DOS SEUS HOMENS. TINHAM ATIRADO NUM GRUPO DE TRABALHADORES DESARMADOS, EM PLENA PRAÇA CENTRAL DA CIDADE. O INCIDENTE ASSUMIU PROPORÇÕES IMPREVISÍVEIS E OTTO TREMIA DE RECEIO E INTRANQUILIDADE.

VON MULLER TENTAVA REORGANIZAR OS PEDAÇOS DE PRESTÍGIO DO FILHO. PERCEBIA QUE OS ADVERSÁRIOS TINHAM GANHO TERRENO COM O INCIDENTE PROVOCADO POR OTTO MULLER. MAS O VELHO CORONEL NAZISTA NÃO PERDERA O FARO E O SENTIDO DE ESTRATÉGIA ADQUIRIDOS NOS SUBTERRÂNEOS DA POLÍTICA DO TERCEIRO REICH.

VON MULLER  -  Não serr caso de desespêrro, filho! Você não devia fazer coisas de maneiro tom trrágica, digo... drrástica.

OTTO  -  Mas eles se uniram contra mim: Baby e Cyro! Para me desmoralizar.

VON MULLER  -  Antes de qualquer coisa, filho... ter de achar motivações justas para perseguir esses homens!

PAULUS  -  (intrometeu-se no assunto) Eu preveni, Von Muller. Eu disse que não devia se arriscar a proibir Mestre Jonas de trabalhar.

VON MULLER  -  (com voz pausada) Não é Mestre Jonas, filho... Temos de atingir dirretamente o guia deles, o chefe deles...

PAULUS  -  Exatamente. Cyro é o responsável pela ligação de Baby com eles e o Baby agora é dono de uma fortuna imensa! Dono das minas! Dono da maioria das propriedades de Porto Azul! Eles dois, sozinhos, podem derrubá-lo, Otto!

OTTO  -  (encolerizado) Mas não vão conseguir!

VON MULLER  -  Não, se você atingir os dois dirretamente!

OTTO  -  Mandando matá-lo?

VON MULLER  -  (com frieza) Não é o momento. Não se pode negarr que o povo está do lado deles. É preciso agir com muita cautela, Otto!

OTTO  -  Como?

PAULUS  -  A polícia... a própria Câmara, o povo... todos estão do lado deles...

VON MULLER  -  Pois vamos colocarr essa gente contra eles. Até a polícia! Cyro Valdez e Baby devem serr atingidos (golpeou o espaço com a mão, em cutelo) num golpe só... parra que o povo de Porto Azul se volte contra eles!

LIA FOI CHAMADA AO GABINETE. OTTO, VON MULLER E PAULUS NÃO DESEJAVAM PERDER TEMPO E O PRIMEIRO PASSO SERIA DADO. HAVIA O CASO DE DESVIO DE MATERIAL DO HOSPITAL. A MULHER NÃO ENTENDEU DE IMEDIATO A RAZÃO DO ESTRANHO PEDIDO FORMULADO PELO ESPOSO.

LIA  -  O que é isto?

OTTO  -  Uma queixa para a polícia. Você deu falta de material do ambulatório e tem certeza de que foi desviado para o consultório do Dr. Cyro.

LIA  -  (revoltada) Mas... isto não é verdade!

OTTO  -  Você pode provar que Cyro Valdez roubou material para montar seu consultório.

LIA  -  Não é verdade, repito! Eu não posso provar coisíssima nenhuma!

OTTO  -  (começava a perder a paciência) Eu sei. Você não pode provar porque o ajudou... no roubo. Portanto, se não quer ser presa... como cúmplice... assine esta queixa à polícia... (entregou o papel à mulher; ordenou, autoritário) Ande, assine!

LIA  -  (recusou-se, categórica) Não assino, Otto! Não assino! Faça de mim o que quiser... dê queixa á polícia! Eu desviei, sim, material para o pequeno ambulatório de Cyro! Porque quis! Porque ele estava necessitando! Porque a obra dele é grandiosa! Eu vou à polícia, sim, e assumirei toda a responsabilidade! Direi a verdade! Direi que você quer implicar com Cyro, arranjando provas contra ele, para que o povo desacredite nele! Para que o prendam! E direi muito mais. Contarei, inclusive, que sei quem atirou na praça para atingir Dr. Cyro e matou Ivanzinho! Contarei que é a mesma pessoa que detonou a dinamite para matar Baby! Contarei tudo, sim! Porque eu sei de tudo! Vi tudo! Ouvi tudo!

OTTO ENFURECEU-SE E APLICOU VIOLENTO TAPA NO ROSTO DA ESPOSA. LIA SENTIU DOR E RAIVA, AO MESMO TEMPO, MAS EVITOU CHORAR, DESESPERAR-SE.

OTTO  -  (berrou) Chega! Então... eu tenho em você... uma inimiga! Minha mulher... é minha maior inimiga!

LIA  -  (falou, sombria) Eu quero salvar sua alma, Otto!

OTTO  -  Você me odeia!

LIA  -  Não, eu ainda te quero muito. Desgraçadamente, ainda te quero muito. Mas não me desafie, Otto. Nunca mais... tente me obrigar a fazer o que eu não quero. Agora, você já sabe... do que eu sou capaz...

LIA DEIXOU A SALA.

OTTO  -  (gemia, como uma criança mimada) Mamãe! Mamãe! Mamãe!


FIM DO CAPÍTULO 86



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