Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 88
Participam deste
capítulo
Baby -
Claudio Cavalcanti
Comendador
Liberato - Macedo Neto
Ricardo -
Edney Giovenazzi
Bárbara -
Zilka Salaberry
Prof. Valdez - Enio
Santos
Orjana -
Neusa Amaral
Naná - Mary
Daniel
Ester -
Glória Menezes
Cesário - Carlos Eduardo Dolabella
Válter / Coice de
Mula -
Dary Reis
CENA 1 -
PORTO AZUL - CASA DE D. BÁRBARA -
SALA - INTERIOR
- NOITE
BABY PAROU O CARRO EM FRENTE À RESIDENCIA DE BÁRBARA. ERA A
PESSOA QUE PODIA LHE ARRANCAR A DÚVIDA DA ALMA. CONHECERA SUA MÃE. TINHAM SIDO
MOÇAS NA MESMA ÉPOCA. DESCEU E CORREU ADENTRANDO O CASARÃO SEM SE ANUNCIAR.
VIU A MESA POSTA E A FAMÍLIA PRONTA PARA JANTAR. ORJANA,
VALDEZ E BÁRBARA VOLTARAM-SE PARA IDENTIFICAR O RECÉM-CHEGADO.
ORJANA - Entre! Chegou na hora exata.
BABY - Não. Obrigado! Desculpe se estou
atrapalhando... quero só fazer uma pergunta a Dona Bárbara.
A VELHA LEVANTOU-SE. PERCEBEU O ESTADO DE ANSIEDADE DO RAPAZ.
D. BÁRBARA - O que foi? Você está nervoso!
BABY LEVOU-A PARA A SALETA CONTÍGUA À SALA DE JANTAR.
BABY - Foi uma coisa... uma coisa horrível que me
disseram há pouco. Otto mandou me chamar e me contou uma história medonha a
respeito de minha mãe. Só a senhora pode me dizer a verdade... ou se é invenção
dele pra me humilhar.
D.BÁRBARA - (colocou uma das mãos sobre o braço do jovem
agitado) O que, meu filho? Diga que eu digo... se é verdade ou mentira de Otto.
BABY - A senhora conheceu bem minha mãe?
D.BÁRBARA - Claro. Fomos amigas.
BABY - Ela cometeu uma fraqueza... tudo isso eu
sei... e não queria nem pensar... porque não sou juiz do mundo. Ela lá devia
ter seus motivos. Mas o pior não é isso. Eu sempre pensei que ela estava morta.
Ela está morta, não está? (Bárbara virou o rosto, compadecida. Sabia até onde
ia o sofrimento do rapaz. Baby insistiu) Bem... ela pode estar viva. Mas pelo
amor de Deus... não confirme as palavras do Otto.
D. BÁRBARA - Que foi que ele disse?
BABY - Disse... disse... que aquela vigarista...
aquela doida... aquela... aquela sujeita do cabaré... a tal Naná... é minha
mãe. Eu não quero acreditar. Eu me nego a acreditar nisso! E a senhora tem de
me dizer que é uma deslavada mentira de Otto!
BÁRBARA FITOU DEMORADAMENTE O ROSTO DO JOVEM. PERCEBEU A
DILATAÇÃO DAS PUPILAS, A RESPIRAÇÃO OFEGANTE, O NERVOSISMO.
BÁRBARA - Infelizmente, Baby... eu não posso desmentir.
Eu não sei com que intenção ele lhe contou... mas é a mais pura verdade. Naná é
Elisa. Naná é sua mãe.
BABY DESCONTROLOU-SE E SALTOU NA POLTRONA, DESVENCILHANDO-SE
DAS MÃOS DA BOA SENHORA.
BABY - Mentira sua também! Está combinada com Otto!
Ele também lhe pagou para confirmar isso! Não acredito!
CORTA PARA:
CENA 2 -
PORTO AZUL - RUA
- EXTERIOR -
NOITE
COMO EM TODA CIDADE DO INTERIOR, A RUA ESTAVA VAZIA ÀQUELA
HORA. BABY TINHA VAGADO A ESMO, BEBENDO EM ALGUNS BARES DA ESTRADA E AGORA SE
POSTAVA DIANTE DA TABULETA DESENHADA,
COM LUZES COLORIDAS, EM PISCA-PISCA. LEU: ROLETA
RUSSA –CABARÉ DA NANÁ, A DIVINA. OLHOU O RELÓGIO: 22,20. UM BÊBADO
RETARDATÁRIO ESTIROU-SE POR INTEIRO NA CALÇADA FRIA.
BABY DECIDIU ENTRAR.
CORTA PARA:
CENA 3 -
PORTO AZUL - CABARÉ DA NANÁ -
INTERIOR - NOITE
NANÁ VISLUMBROU NA SEMI-ESCURIDÃO AMBIENTE, O VULTO QUE
ENTRAVA E O RECONHECEU.
NANÁ - Santo Deus!
GARÇONETE - (não entendeu a razão da surpresa) O que foi?
NANÁ - Nada, minha filha. (aproximou-se do filho,
que acabava de sentar-se numa mesa de canto. Pares dançavam na pista de
cimento) Quer beber alguma coisa?
BABY NÃO PODIA FALAR. QUALQUER COISA COMO UMA BOLA, IMPEDIA-O
DE ABRIR A BOCA E EXPULSAR OS MUITOS SONS QUE TINHA NA GARGANTA.
NANÁ - Não está se sentindo bem?
BABY - Quanto... quanto está levando de Otto Muller
pra confirmar este disparate?
NANÁ - Não sei do que está falando, rapaz.
BABY - Olha aqui... vou te dizer uma coisa. Minha
mãe... minha mãe era uma santa, viu? Não suja o nome dela não, viu? Eu não
admito... escute bem isso... não admito que você diga por aí que é Elisa
Liberato! Ela podia ser tudo... menos... menos como você! Eu não aceito isso!
Eu não admito que você espalhe essa infâmia por aí!
VENDO OS OLHOS DA CAFETINA ENCHEREM-SE DE LÁGRIMAS E UMA
TRISTEZA IMENSA SOMBREAR-LHE AS FEIÇÕES, BABY SENTIU UM COMEÇO DE PENA DA
MULHER À SUA FRENTE. HAVIA MARCAS DE SOFRIMENTO NOS OLHOS. AS LÁGRIMAS ROLAVAM
LENTAS, ROMPENDO COM DIFICULDADE O CREME ENDURECIDO DA MAQUILAGEM.
BABY - Pára com esse troço, viu? Pare mesmo...
porque senão te ponho na cadeia por crime de calúnia!
LEVANTOU-SE E DEIXOU O AMBIENTE PESTILENTO COM UM ARRANCO DE
NÁUSEA. VOMITOU DEMORADAMENTE NA CALÇADA EM FRENTE, ILUMINADA PELO LUSCO-FUSCO
DA TABULETA DO CABARÉ.
CORTA PARA:
Cesário (Carlos Eduardo Dolabella), Daniel |(Paulo Araújo) e Pé-na-Cova (Antonio Pitanga, de costas) |
CENA 4 - FLORIANÓPOLIS - CASA
DE ESTER - SALA - INTERIOR
- DIA
CESÁRIO, ACOMPANHADO POR VÁLTER, CHEGOU COMPLETAMENTE BÊBADO
À CASA DE ESTER. HÁ DOIS DIAS NÃO APARECIA EM CASA, NEM NO TRABALHO.
CESÁRIO - Gente... não... me olhe assim... eu não...
fiz na... da... eu não tive cul... pa! (arrastava-se de encontro á parede da
casa) Juro que não!
ESTER - Culpa de quê?
CESÁRIO - Júlia... a minha Júlia. Dona Ester... a minha
Júlia... morreu!
ESTER ALARMOU-SE. SEGUROU O HOMEM PELOS DOIS BRAÇOS
BALANÇANDO-O COM ENERGIA SURPREENDENTE.
ESTER - Júlia? Júlia? Mas... como é possível? Que foi
que aconteceu com ela? Vocês tinham ido ao sitio de um amigo... O que
aconteceu?
CESÁRIO - Um acidente!
ESTER - Um acidente?
CESÁRIO - Sim... no lago.
ESTER - Mas... como... me explique!
CESÁRIO - Foi... foi um passeio... (fez um gesto largo,
apontando para o sul. Apelou para Coice de Mula) Válter, conta pra ela... eu
não consigo... não posso.
COICE DE MULA - Bem... a gente tava tudo reunido. Foi...
anteontem... fomos tudo dá um passeio de barco pelo lago que é imenso.
CESÁRIO - Eu fui com Júlia... aí... eu quis
conhec...cer uma ilhazinha, muito afastada. Disse pra ela... olha... eu...
quero ficar aqui... pescando... sozinho. Me deixa... aqui e vem me buscar... mais tarde... antes do sol se pôr. Ela foi... Pois é... lá...
na ilha... ela não apareceu... mais. Válter e todo mundo teve com ela... antes
dela partir... para me buscar.
COICE DE MULA - Ainda perguntei a ela se sabia remar mesmo. A
esticada era longa. Eu disse boa sorte... e ela se mandou.
CESÁRIO - E não chegou.
COICE DE MULA - Cesário ficou lá... esperando até hoje de
manhãzinha... e nada.
CESÁRIO - Foi... passei a noite assustado.
COICE DE MULA - E a gente pensou... sabe como é... que ele
aproveitou a chance pra lua-de-mel lá deles...
CESÁRIO - Não gente... ela não apareceu na ilha!
ESTER - E o barco? E o barco?
CESÁRIO - O barco sim, foi encontrado... sozinho.... no
fundo... no meio do lago... mas neca do corpo! Neca do corpo da minha Júlia!
ESTER - É preciso achar o corpo! Não aceito a morte
dela se não acham o corpo!
CESÁRIO - A minha Júlia! A minha Júlia! (gemia,
fingidamente) Eu quero a minha Júlia!
CORTA PARA:
CENA 5 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO
- QUARTO DE ELISA -
INTERIOR - DIA
A MADRUGADA DEU LUGAR A UMA MANHÃ CLARA E ALEGRE, COM O CÉU
AZUL SEM MANCHA DE NUVEM. BABY CURTIRA SUA DOR ISOLADO DE TODOS. BUSCARA UM
RECANTO DESERTO DA PRAIA DE PORTO AZUL PARA FITAR O OCEANO E MEDITAR SOBRE OS
DERRADEIROS ACONTECIMENTOS.
O COMENDADOR SE ACHAVA NO ANTIGO QUARTO DE ELISA, COM AS
CORTINAS TOMANDO AS JANELAS DE PONTA A PONTA, QUANDO BABY ENTROU.
BABY - (foi logo falando) Olha, velho... eu
precisava lhe dizer umas coisas... não estou pra brincar. Só queria que você
confirmasse... se aquela maluca lá do cabaré... é a minha mãe!
LIBERATO RESPIRAVA FUNDO, LENTO, COM EXTREMA DIFICULDADE E
NÃO RESPONDEU.
BABY DEIXOU QUE A CABEÇA CAÍSSE CONTRA O PEITO, COMO UM PESO
INÚTIL. DEU ALGUNS PASSOS NO INTERIOR DO QUARTO.
BABY - Agora eu entendo... entendo mesmo, viu? E te
peço perdão pelo que ela fez. Foi duro, não foi, velho? (o tom era de absoluta
sinceridade) Eu imagino teu drama. Por que não foi franco comigo? Por que não
confiou em mim? Seria melhor. Pra que tanta desforra? Fica um não acabar mais
de bate aqui que eu bato ali. Mas... eu não sei se não teria feito o mesmo se
tivesse passado pelo que você passou. Tudo isso é conversa mole. Só vim pra te
dizer que eu compreendo e apesar... de tudo o que você fez... eu... eu não te
quero mal. Queria te dizer também... que não quero teu dinheiro! Nem a sua
fortuna! Eu coloco ela à sua disposição. Era só... só isso! Adeus!
BABY FEZ MENÇÃO DE DEIXAR O QUARTO.
COMENDADOR - (falou baixo, rouco) Estou... estou... mal...
me ajude!
COM UM MOVIMENTO LIGEIRO, BABY ACENDEU A LUZ E CORREU ATÉ O
PAI. AUGUSTO LIBERATO PARECIA UM CADÁVER. LÍVIDO, IMÓVEL.
BABY - O que é que você tem? O que tá sentindo?
(ouviu a voz de Ricardo nas proximidades do aposento e gritou para o amigo)
Ricardo! Ricardo! Você chegou em boa hora. O velho está mal!
RICARDO - O comendador?
BABY - Ele estava aqui, na escuridão... eu falei...
falei, ele não disse nada. Só percebi quando acendi a luz... Vai buscar o
Cyro... é o médico dele. Eu fico aqui.
RICARDO - Cyro está na colônia de pescadores... será
que temos tempo?
BABY - Vá, Ricardo! Vá logo!
RICARDO DESCEU A ESCADA, CORRENDO.
FIM DO CAPÍTULO 88
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