segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 88


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 88

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Bárbara  -  Zilka Salaberry
Prof. Valdez  -  Enio Santos
Orjana  -  Neusa Amaral
Naná  -  Mary Daniel
Ester  -  Glória Menezes
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabella
Válter / Coice de Mula  -  Dary Reis



CENA 1  -  PORTO AZUL  -  CASA DE D. BÁRBARA  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

BABY PAROU O CARRO EM FRENTE À RESIDENCIA DE BÁRBARA. ERA A PESSOA QUE PODIA LHE ARRANCAR A DÚVIDA DA ALMA. CONHECERA SUA MÃE. TINHAM SIDO MOÇAS NA MESMA ÉPOCA. DESCEU E CORREU ADENTRANDO O CASARÃO SEM SE ANUNCIAR.

VIU A MESA POSTA E A FAMÍLIA PRONTA PARA JANTAR. ORJANA, VALDEZ E BÁRBARA VOLTARAM-SE PARA IDENTIFICAR O RECÉM-CHEGADO.

ORJANA  -  Entre! Chegou na hora exata.

BABY  -  Não. Obrigado! Desculpe se estou atrapalhando... quero só fazer uma pergunta a Dona Bárbara.

A VELHA LEVANTOU-SE. PERCEBEU O ESTADO DE ANSIEDADE DO RAPAZ.

D. BÁRBARA  -  O que foi? Você está nervoso!

BABY LEVOU-A PARA A SALETA CONTÍGUA À SALA DE JANTAR.

BABY  -  Foi uma coisa... uma coisa horrível que me disseram há pouco. Otto mandou me chamar e me contou uma história medonha a respeito de minha mãe. Só a senhora pode me dizer a verdade... ou se é invenção dele pra me humilhar.

D.BÁRBARA  -  (colocou uma das mãos sobre o braço do jovem agitado) O que, meu filho? Diga que eu digo... se é verdade ou mentira de Otto.

BABY  -  A senhora conheceu bem minha mãe?

D.BÁRBARA  -  Claro. Fomos amigas.

BABY  -  Ela cometeu uma fraqueza... tudo isso eu sei... e não queria nem pensar... porque não sou juiz do mundo. Ela lá devia ter seus motivos. Mas o pior não é isso. Eu sempre pensei que ela estava morta. Ela está morta, não está? (Bárbara virou o rosto, compadecida. Sabia até onde ia o sofrimento do rapaz. Baby insistiu) Bem... ela pode estar viva. Mas pelo amor de Deus... não confirme as palavras do Otto.

D. BÁRBARA  -  Que foi que ele disse?

BABY  -  Disse... disse... que aquela vigarista... aquela doida... aquela... aquela sujeita do cabaré... a tal Naná... é minha mãe. Eu não quero acreditar. Eu me nego a acreditar nisso! E a senhora tem de me dizer que é uma deslavada mentira de Otto!

BÁRBARA FITOU DEMORADAMENTE O ROSTO DO JOVEM. PERCEBEU A DILATAÇÃO DAS PUPILAS, A RESPIRAÇÃO OFEGANTE, O NERVOSISMO.

BÁRBARA  -  Infelizmente, Baby... eu não posso desmentir. Eu não sei com que intenção ele lhe contou... mas é a mais pura verdade. Naná é Elisa. Naná é sua mãe.

BABY DESCONTROLOU-SE E SALTOU NA POLTRONA, DESVENCILHANDO-SE DAS MÃOS DA BOA SENHORA.

BABY  -  Mentira sua também! Está combinada com Otto! Ele também lhe pagou para confirmar isso! Não acredito!

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  RUA  -  EXTERIOR  -  NOITE

COMO EM TODA CIDADE DO INTERIOR, A RUA ESTAVA VAZIA ÀQUELA HORA. BABY TINHA VAGADO A ESMO, BEBENDO EM ALGUNS BARES DA ESTRADA E AGORA SE POSTAVA  DIANTE DA TABULETA DESENHADA, COM LUZES COLORIDAS, EM PISCA-PISCA. LEU: ROLETA RUSSA –CABARÉ DA NANÁ, A DIVINA. OLHOU O RELÓGIO: 22,20. UM BÊBADO RETARDATÁRIO ESTIROU-SE POR INTEIRO NA CALÇADA FRIA.
BABY DECIDIU ENTRAR.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  CABARÉ DA NANÁ  -  INTERIOR  -  NOITE

NANÁ VISLUMBROU NA SEMI-ESCURIDÃO AMBIENTE, O VULTO QUE ENTRAVA E O RECONHECEU.

NANÁ  -  Santo Deus!

GARÇONETE  -  (não entendeu a razão da surpresa) O que foi?

NANÁ  -  Nada, minha filha. (aproximou-se do filho, que acabava de sentar-se numa mesa de canto. Pares dançavam na pista de cimento) Quer beber alguma coisa?

BABY NÃO PODIA FALAR. QUALQUER COISA COMO UMA BOLA, IMPEDIA-O DE ABRIR A BOCA E EXPULSAR OS MUITOS SONS QUE TINHA NA GARGANTA.

NANÁ  -  Não está se sentindo bem?

BABY  -  Quanto... quanto está levando de Otto Muller pra confirmar este disparate?

NANÁ  -  Não sei do que está falando, rapaz.

BABY  -  Olha aqui... vou te dizer uma coisa. Minha mãe... minha mãe era uma santa, viu? Não suja o nome dela não, viu? Eu não admito... escute bem isso... não admito que você diga por aí que é Elisa Liberato! Ela podia ser tudo... menos... menos como você! Eu não aceito isso! Eu não admito que você espalhe essa infâmia por aí!

VENDO OS OLHOS DA CAFETINA ENCHEREM-SE DE LÁGRIMAS E UMA TRISTEZA IMENSA SOMBREAR-LHE AS FEIÇÕES, BABY SENTIU UM COMEÇO DE PENA DA MULHER À SUA FRENTE. HAVIA MARCAS DE SOFRIMENTO NOS OLHOS. AS LÁGRIMAS ROLAVAM LENTAS, ROMPENDO COM DIFICULDADE O CREME ENDURECIDO DA MAQUILAGEM.

BABY  -  Pára com esse troço, viu? Pare mesmo... porque senão te ponho na cadeia por crime de calúnia!

LEVANTOU-SE E DEIXOU O AMBIENTE PESTILENTO COM UM ARRANCO DE NÁUSEA. VOMITOU DEMORADAMENTE NA CALÇADA EM FRENTE, ILUMINADA PELO LUSCO-FUSCO DA TABULETA DO CABARÉ.

CORTA PARA:
Cesário (Carlos Eduardo Dolabella), Daniel |(Paulo Araújo) e Pé-na-Cova (Antonio Pitanga, de costas)

CENA 4  - FLORIANÓPOLIS  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

CESÁRIO, ACOMPANHADO POR VÁLTER, CHEGOU COMPLETAMENTE BÊBADO À CASA DE ESTER. HÁ DOIS DIAS NÃO APARECIA EM CASA, NEM NO TRABALHO.

CESÁRIO  -  Gente... não... me olhe assim... eu não... fiz na... da... eu não tive cul... pa! (arrastava-se de encontro á parede da casa)  Juro que não!

ESTER  -  Culpa de quê?

CESÁRIO  -  Júlia... a minha Júlia. Dona Ester... a minha Júlia... morreu!

ESTER ALARMOU-SE. SEGUROU O HOMEM PELOS DOIS BRAÇOS BALANÇANDO-O COM ENERGIA SURPREENDENTE.

ESTER  -  Júlia? Júlia? Mas... como é possível? Que foi que aconteceu com ela? Vocês tinham ido ao sitio de um amigo... O que aconteceu?

CESÁRIO  -  Um acidente!

ESTER  -  Um acidente?

CESÁRIO  -  Sim... no lago.

ESTER  -  Mas... como... me explique!

CESÁRIO  -  Foi... foi um passeio... (fez um gesto largo, apontando para o sul. Apelou para Coice de Mula) Válter, conta pra ela... eu não consigo... não posso.

COICE DE MULA  -  Bem... a gente tava tudo reunido. Foi... anteontem... fomos tudo dá um passeio de barco pelo lago que é imenso.

CESÁRIO  -  Eu fui com Júlia... aí... eu quis conhec...cer uma ilhazinha, muito afastada. Disse pra ela... olha... eu... quero ficar aqui... pescando... sozinho. Me deixa... aqui e vem me buscar... mais tarde... antes do sol se pôr. Ela foi... Pois é... lá... na ilha... ela não apareceu... mais. Válter e todo mundo teve com ela... antes dela partir... para me buscar.

COICE DE MULA  -  Ainda perguntei a ela se sabia remar mesmo. A esticada era longa. Eu disse boa sorte... e ela se mandou.

CESÁRIO  -  E não chegou.

COICE DE MULA  -  Cesário ficou lá... esperando até hoje de manhãzinha... e nada.

CESÁRIO  -  Foi... passei a noite assustado.

COICE DE MULA  -  E a gente pensou... sabe como é... que ele aproveitou a chance pra lua-de-mel lá deles...

CESÁRIO  -  Não gente... ela não apareceu na ilha!

ESTER  -  E o barco? E o barco?

CESÁRIO  -  O barco sim, foi encontrado... sozinho.... no fundo... no meio do lago... mas neca do corpo! Neca do corpo da minha Júlia!

ESTER  -  É preciso achar o corpo! Não aceito a morte dela se não acham o corpo!

CESÁRIO  -  A minha Júlia! A minha Júlia! (gemia, fingidamente) Eu quero a minha Júlia!

CORTA PARA:

CENA 5  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO DE ELISA  -  INTERIOR  -  DIA

A MADRUGADA DEU LUGAR A UMA MANHÃ CLARA E ALEGRE, COM O CÉU AZUL SEM MANCHA DE NUVEM. BABY CURTIRA SUA DOR ISOLADO DE TODOS. BUSCARA UM RECANTO DESERTO DA PRAIA DE PORTO AZUL PARA FITAR O OCEANO E MEDITAR SOBRE OS DERRADEIROS ACONTECIMENTOS.

O COMENDADOR SE ACHAVA NO ANTIGO QUARTO DE ELISA, COM AS CORTINAS TOMANDO AS JANELAS DE PONTA A PONTA, QUANDO BABY ENTROU.

BABY  -  (foi logo falando) Olha, velho... eu precisava lhe dizer umas coisas... não estou pra brincar. Só queria que você confirmasse... se aquela maluca lá do cabaré... é a minha mãe!

LIBERATO RESPIRAVA FUNDO, LENTO, COM EXTREMA DIFICULDADE E NÃO RESPONDEU.

BABY DEIXOU QUE A CABEÇA CAÍSSE CONTRA O PEITO, COMO UM PESO INÚTIL. DEU ALGUNS PASSOS NO INTERIOR DO QUARTO.

BABY  -  Agora eu entendo... entendo mesmo, viu? E te peço perdão pelo que ela fez. Foi duro, não foi, velho? (o tom era de absoluta sinceridade) Eu imagino teu drama. Por que não foi franco comigo? Por que não confiou em mim? Seria melhor. Pra que tanta desforra? Fica um não acabar mais de bate aqui que eu bato ali. Mas... eu não sei se não teria feito o mesmo se tivesse passado pelo que você passou. Tudo isso é conversa mole. Só vim pra te dizer que eu compreendo e apesar... de tudo o que você fez... eu... eu não te quero mal. Queria te dizer também... que não quero teu dinheiro! Nem a sua fortuna! Eu coloco ela à sua disposição. Era só... só isso! Adeus!

BABY FEZ MENÇÃO DE DEIXAR O QUARTO.

COMENDADOR  -  (falou baixo, rouco) Estou... estou... mal... me ajude!

COM UM MOVIMENTO LIGEIRO, BABY ACENDEU A LUZ E CORREU ATÉ O PAI. AUGUSTO LIBERATO PARECIA UM CADÁVER. LÍVIDO, IMÓVEL.

BABY  -  O que é que você tem? O que tá sentindo? (ouviu a voz de Ricardo nas proximidades do aposento e gritou para o amigo) Ricardo! Ricardo! Você chegou em boa hora. O velho está mal!

RICARDO  -  O comendador?

BABY  -  Ele estava aqui, na escuridão... eu falei... falei, ele não disse nada. Só percebi quando acendi a luz... Vai buscar o Cyro... é o médico dele. Eu fico aqui.

RICARDO  -  Cyro está na colônia de pescadores... será que temos tempo?

BABY  -  Vá, Ricardo! Vá logo!

RICARDO DESCEU A ESCADA, CORRENDO.

FIM DO CAPÍTULO 88


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