sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 87



Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 87

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Cyro  -  Tarcísio Meira
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Otto  -  Jardel Filho
Lia  -  Arlete Salles
Catarina  -  Lidia Mattos
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Rosa  -  Ana Ariel
Daniel  -  Paulo Araújo
Inês  -  Betty Faria
Naná  -  Mary Daniel


CENA 1  -  PORTO AZUL  -  CASA DE INÊS  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

NANÁ FITOU A CARA PÁLIDA DO COMENDADOR LIBERATO. VESTIA UMA ESPÉCIE DE BATA, ESPALHAFATOSA, QUE SE CASAVA ÀS MARAVILHAS COM A EXCESSIVA MAQUILAGEM DO ROSTO E COM O ESMALTE QUASE NEGRO, QUE LHE COBRIA AS UNHAS BEM TRATADAS.

NANÁ  -  Vamos lá, diga logo o que pretende!

ENCAROU O MARIDO, SEM SE PREOCUPAR COM A PRESENÇA DE INÊS. AUGUSTO LIBERATO TINHA ACERTADO AQUELE ENCONTRO NA RESIDENCIA DA NORA, A FIM DE EVITAR PROBLEMAS MAIORES. NÃO PODIA SER VISTO EM CONVERSA COM A CAFETINA, FIGURA JÁ CONHECIDA EM TODA A CIDADE.

COMENDADOR  -  O que quero... é que você deixe esta cidade o quanto antes. Eu dou o dinheiro que você quiser. Pode exigir o máximo. Estou disposto a tudo para ver você pelas costas.

NANÁ GARGALHOU, ENCHENDO O AMBIENTE COM SEU RISO. GARGALHAVA AINDA, QUANDO A PORTA SE ABRIU E BABY LIBERATO ENTROU, ESTACANDO A UM PASSO DA MERETRIZ. INÊS EMPALIDECEU.

INÊS  -  O que é que você veio fazer aqui, agora? A gente... a gente não te esperava...

BABY  -  (respondeu, sem olhar a cara espantada da mulher) Eu sei que você não me esperava, Inês! Que belo trio! Francamente! (puxou  a esposa  para  um  canto  afastado)  Que  foi  que  eu te disse? Que não queria encontrar mais essa mulher aqui! Essa mulher não vale nada, Inês, e você recebe ela na sua casa! E esse cara, o quê que tá fazendo aqui?

INÊS  -  Eu... eu não sei. Eles vieram se encontrar, aqui.

NANÁ  -  (resmungou) Ele está com raiva de mim!

COMENDADOR  -  (exaltado) Por que não lhe diz de uma vez que não pode ficar com raiva de você?

INÊS  -  Não, gente... pelo amor de Deus, ninguém fala nada! (suplicou) Fica quieto, todo mundo! Deixa! Deixa as coisas como estão!

BABY OUVIA TUDO, SEM COMPREENDER.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  CASA DE INÊS  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

A VELHA CATARINA ESTRANHOU AO VER NANÁ A FUMAR DESCONTRAÍDA, FRIA. A MÃE DE OTTO FÔRA CONVIDADA PARA PARTICIPAR DA REUNIÃO, MAS CHEGARA TARDE, DEVIDO ÀS “CRIANCICES” DO FILHO. SEU CARRO ESTACIONARA DIANTE DA CASA, NO INSTANTE EM QUE BABY LIGAVA A MÁQUINA DO SEU E PARTIA EM DISPARADA.

CATARINA  -  Eu não compreendo. Se não é dinheiro, Elisa... o que é que você veio fazer nesta cidade?

NANÁ  -  Eu não tenho interesses aqui.

CATARINA  -  Seu filho...

NANÁ  -  Talvez...

COMENDADOR  -  (irônico) Ela quer me convencer que se tomou de amores pelo filho!

NANÁ  -  Eu soube, por alto, o que você estava fazendo com ele. Projetou nele a sua raiva, a sua vingança sórdida. Vim para me certificar.

CATARINA  -  Não estou entendendo. Como, vingança? Por quê? Me expliquem...

COMENDADOR  -  (revelou, inadvertidamente) Catarina não sabe que Baby não é meu filho!

CATARINA  -  Ah... sim... agora as coisas estão muito mais claras. Agora sim... estou entendendo tudo. Então... Baby não é seu filho! Ora esta! Isto jamais me podia passar pela mente, Augusto!

COMENDADOR  -  Nem pela minha, antes de descobrir as cartas que ela enviava ao...

NANÁ  -  (cortou, gesticulando) Vamos parar com isso. É o passado. Que importa? Em resumo é isso... não quero me afastar daqui porque penso em proteger meu filho. E vão me dar licença porque eu vivo do meu trabalho.

JOGOU O CIGARRO NO CHÃO E SAIU, DISPLICENTEMENTE, ARRASTANDO A SANDÁLIA DE SALTO ALTO.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

O CARRO DE BABY ESTREMECEU COM A FREADA BRUSCA. A PORTA FOI ABERTA E FECHADA QUASE QUE A UM SÓ TEMPO, O SUFICIENTE PARA O RAPAZ SALTAR DO BANCO E DIRIGIR-SE PARA O INTERIOR DA CABANA DE MESTRE JONAS.

NA PRESENÇA DE MESTRE JONAS, ROSA E DANIEL, DESANDOU A FALAR.

BABY  -  Eu queria lhes dizer que estou disposto a me separar definitivamente de Inês, antes que os acontecimentos me levem a cometer uma loucura! Não posso admitir a presença constante daquela mulher da vida na residência da minha esposa... sim, minha esposa, queira ou não. E há outra coisa: o meu filho. Estou decidido a acertar as contas e achei melhor começar pela família de Inês. Mestre Jonas, Dona Rosa e Daniel, vocês merecem essa consideração. Antes de qualquer atitude, devo relatar todos os fatos. É o que pretendo fazer agora.

CORTA PARA:


CENA 3  -  PORTO AZUL  -  CONSULTÓRIO DE CYRO  -  INTERIOR  -  DIA

CYRO VALDEZ RECEBEU RICARDO COM UM ABRAÇO DEMORADO. HÁ SEMANAS NÃO VIA O AMIGO QUE APROVEITARA AS FÉRIAS PARA UM RÁPIDO GIRO A ALGUNS ESTADOS NORDESTINOS. HÁ DOIS DIAS O ENGENHEIRO REGRESSARA A FLORIANÓPOLIS, MAS JÁ SABIA DAS NOVIDADES TERRÍVEIS PARA O JOVEM MÉDICO.

RICARDO  -  Sinto muito lhe dar um motivo de aborrecimento, mal retorno a nossa terra...

CYRO  -  Você nunca me aborrece. O que foi?

RICARDO  -  Estive hoje, agora mesmo, com Otto Muller... na casa dele, e entre outras coisas...ele me deu a entender... bem... ele me deu a noticia de que Ester... está noiva do Dr. Paulus... (Cyro estava impassível) Vão se casar dentro de pouco tempo.

CYRO  -  Isto é certo... ou você está querendo me experimentar?

RICARDO  -  Para quê? Não me interessa mentir. É a verdade!

CYRO  -  Eu sei por que você está me dando esta noticia.

RICARDO  -  Estou muito preocupado com você. E gostaria, sinceramente, que se reconciliasse com Ester. Afinal, está mais do que evidente que vocês nasceram um para o outro... e é uma pena ver cada um seguir um caminho tão diferente. Sabemos que o casamento com Paulus é unicamente para forçar mais ainda a separação entre vocês.

CYRO  -  (fingiu indiferença) Se ela quer assim... não posso fazer nada!

RICARDO  -  (admirado com a passividade do amigo) Você está conformado?

CYRO  - (pensou um pouco antes de responder) Não... mas não posso forçá-la!

RICARDO  -  Você faz muito pelos outros... faça algo por você mesmo.

CYRO  -  Não, não é assim que eu quero conquistar as coisas. O que tiver de vir para mim, virá sem que eu faça nada para isso.

RICARDO  -  E, por esse motivo, vai cruzar os braços e deixar que Ester cometa um erro.

CORTA PARA:

CENA  4  -  FLORIANÓPOLIS  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

BABY ENTROU NA RESIDENCIA, NA COMPANHIA DA TIA CATARINA E LIA. ELE MESMO NÃO SABIA EXPLICAR COMO ACEITARA O CONVITE PARA VOLTAR ÀQUELA CASA. ODIAVA A TODOS, COM EXCEÇÃO DE LIA.

OTTO ESTAVA ESPERANDO JUNTO AO PRIMEIRO DEGRAU, COM O COTOVELO ENCOSTADO AO CORRIMÃO.

OTTO  -  Que é que minha mulher está fofocando?

LIA  -  Estava dizendo ao Baby que você está ansioso para falar com ele.

OS DOIS TROCARAM OLHARES ENFURECIDOS.

OTTO MULLER ERGUEU A MÃO EM SINAL DE PAZ E SE DIRIGIU AO RECÉM-CHEGADO CHEIO DE FINGIMENTO.

OTTO  -  Sente-se, meu priminho...

BABY  -  (enojado com a atitude falsa do parente) Estou bem de pé. Vai dizendo o que você quer.

OTTO  -  Quero apenas lhe fazer uma pergunta: o que você pretende fazer da sua vida? Digo... com relação às minas. Não podemos fugir a uma realidade...

BABY  -  Eu pretendo... talvez... voltar a administrar totalmente...

OTTO  -  (piscou o olho, maliciosamente) Muito bem. Mas como você irá administrá-las, se elas não lhe pertencem?

BABY  -  Você está louco. Eu ganhei a causa na justiça no caso da herança Liberato.

OTTO  -  Sim... você ganhou... mas não tem direito à herança... porque não é filho do titio Liberato.

BABY  -  Isto não vem ao caso. Legalmente eu sou filho dele. E não há quem prove o contrário. E se eu fosse adotivo... não teria o mesmo direito?

OTTO  -  Aí é que você se engana. Existem provas... provas terríveis contra... contra sua mamãezinha...

BABY  -  (aborreceu-se) Não fale do que você não sabe!

OTTO  -  Sua mamãezinha que traiu titio Liberato...

BABY  -  (virando as costas ao primo) Prefiro não falar sobre isso...

OTTO  -  Mas temos de falar. É a segurança e a honra de uma família que estão em jogo.

BABY  -  Onde você quer chegar?

OTTO  -  Quero apenas que você tenha escrúpulos de não aceitar esta herança... sendo filho de quem é. Sua mãe não passa de uma usurpadora, uma vigarista, uma aventureira...

BABY DEU UM SALTO, PUNHOS FECHADOS, TENTANDO INVESTIR CONTRA O OUTRO. AS DUAS MULHERES COLOCARAM-SE ENTRE OS HOMENS ENFURECIDOS. BABY PÁLIDO DE ÓDIO. OTTO SORRIDENTE E FRIO.

BABY  -  Veja lá como fala da minha mãe. Ela está morta e exijo que a respeitem!

OTTO  -  (com expressão demoníaca) Não! Ela não está morta! (babava-se de prazer ante a revelação da verdade guardada em segredo há mais de 25 anos) Ela não está morta e se encontra nesta cidade para nos espicaçar, nos envergonhar...

BABY  -  Do que está falando?

OTTO  -  Da sua mãezinha, ora! Ou melhor... estou falando da dona do cabaré, da cafetina... da Naná!

BABY  -  Olha aqui, Otto! Se quer fazer brincadeira... vá fazer com sua própria mãe. Onde já se viu? Este cara é louco! Tenha paciência! Não vim aqui para ouvir você dizer sandices!

INCONTINENTI, ENCAMINHOU-SE PARA A PORTA DE SAÍDA. OUVIU A VOZ FINA E IRRITANTE DA TIA.

CATARINA  -  Otto não está brincando. É a verdade, Baby!

BABY  -  (parou sem se voltar para os presentes; fixava o chão) Mas... será possível? Até a senhora! A troco de quê, essa gozação pra cima de mim?

OTTO  -  Não é gozação. Eu seria incapaz. Sua mãe é Naná, do cabaré. Pode acreditar.

BABY  -  (inteiramente atordoado) Naná! Naná! Aquela maluca? Aquela... ora! Que disparate!

OTTO  -  (instigou a velha) Diga... dia a ele, mamãe, toda a verdade.

CATARINA  -  Ele é um rapaz inteligente. Não será preciso entrar em detalhes. Sua mãe enganou seu pai... antes de você nascer. Augusto a pôs para fora de casa depois que você veio ao mundo. Ela foi se juntar ao sujeito que a desgraçou, evidentemente. Mas era uma aventura... Ficou pelo estrangeiro, numa vida não muito recomendável. Nunca se lembrou que você existia. Augusto foi bom para você e lhe deu todo o apoio como se fosse mesmo seu próprio filho.

BABY TAPOU O ROSTO COM AS MÃOS EM CONCHA, ENVERGONHADO.

CATARINA  -  (continuou) Augusto praticamente não se lembrava mais de Elisa. Não vivia bem com você... mas também não o torturava. Foi por ocasião do seu casamento que ele recebeu a noticia. Elisa havia voltado ao Brasil... Foi aí que ele se descontrolou completamente. Voltou-se contra você, contra sua mulher, como se vocês tivessem de pagar pelo que Elisa fez a ele.

OTTO  -  Titio perdeu a cabeça.

CATARINA  -  É... ele perdeu a cabeça. Abriu o quarto de Elisa, trancado há muitos anos. Ele sempre tentou acreditar que ela havia morrido mesmo. Mas... ao reabrir o aposento... reabriu, também, aquela ferida profunda que ela lhe tinha feito. Destruiu a vida dele. E ele achou que tinha de destruir a sua. Ele não foi feliz no casamento. Você também não podia ser. Obrigou Inês a se separar de você. Contou-lhe o segredo de Elisa...

BABY CONTINUAVA COM AS MÃOS NO ROSTO, DESESPERADO. IMÓVEL.

CATARINA  -  Inês foi presa fácil de Augusto. Na sua ingenuidade... a tola suportou as conseqüências da separação, sem querer dizer a você quem era sua mãe.

LIA  -  Não foi ingenuidade. Diga antes... foi por pura bondade. Ela achou que ia lhe causar um desgosto muito grande...

CATARINA  -  (completou, sadicamente) Como estamos, aliás, lhe causando.

BABY VIROU-SE PARA OS TRÊS, DESARVORADO, COMO SE ACABASSE DE RECEBER A CONFIRMAÇÃO DE UMA PENA DE MORTE.

BABY  -  Acontece, meu “primo”... acontece, minha “tia” que eu não acredito numa só palavra do que disseram! Eu não acredito, viu? Tudo isso é mentira de vocês! Arranjaram um pato... não arranjaram? Combinaram tudo com aquela vigarista dona da boate. Aquela topa tudo por dinheiro! Quanto ofereceram a ela pra sustentar que é minha mãe? Quanto foi que pagaram a ela? Eu posso pagar muito mais pra ela desdizer tudo! Porque eu tenho muito mais dinheiro do que todos vocês! Eu vou oferecer o dobro... o triplo a ela para desmentir vocês!

COMO UM POSSESSO, BABY DESAPARECEU PORTA A FORA, ENQUANTO LIA SOLUÇAVA, COM A MÃO NAS FACES, SENTADA NO SOFÁ DA GRANDE SALA.


FIM DO CAPÍTULO 87

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