quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 83


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 83

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Inês  -  Betty Faria
Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Dona Bárbara  -  Zilka Salaberry
Rosa  -  Ana Ariel
Daniel  -  Paulo Araújo
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Luana  -  Léa Garcia
Delegado  -  Vinicius Salvatori
Júlia  -  Ida Gomes
Paulus  -  Emiliano Queiroz

CENA 1  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  EXTERIOR  -  NOITE

A MANOBRA TINHA SIDO DEMORADAMENTE PLANEJADA PELO DELEGADO E AGORA OS POLICIAIS, APROVEITANDO A ANIMAÇÃO DA FESTA, RASTEJAVAM NA AREIA BRANCA, GANHANDO TERRENO PALMO A PALMO. O OBJETIVO ERA ALCANÇAR A CABANA DE SURPRESA, NÃO PERMITINDO QUALQUER REAÇÃO POR PARTE DE BABY LIBERATO E DE SEUS HOMENS. OS POLICIAS HAVIAM FORMADO UM CORDÃO EM TORNO DA CASA. ALGUNS PERMANECERAM ENCOSTADOS AOS COQUEIROS, DE ARMA EM PUNHO, ENQUANTO OUTROS AVANÇAVAM EM DIREÇÃO À CHOUPANA DO PESCADOR. NO CENTRO DO GRUPO, O DELEGADO DAVA ORDENS COM GESTOS ALVOROÇADOS. OLHOU O RELÓGIO. MAIS ALGUNS MINUTOS E A PRESA ESTARIA EM SUAS MÃOS, COM OU SEM A PRESENÇA DE CYRO VALDEZ.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  PRAIA  -  EXTERIOR  -  NOITE

CYRO  -  O que você está fazendo aqui?

A MULHER VOLTOU-SE ASSUSTADA, DESVIANDO OS OLHOS DO MAR NEGRO E AMEDRONTADOR. DE LONGE CYRO RECONHECERA O VULTO QUE OBSERVAVA O OCEANO, COM UM XALE BRANCO ENVOLVENDO-LHE A CABEÇA E O PESCOÇO.

ESTER  -  (dominou-se antes de responder) É o caminho que faz todas as noites quando... vai levar Vanda Vidal ao cabaré?

CYRO  -  (não respondeu à indagação da esposa) Vá para sua casa... Não deve andar sozinha por aqui.

ESTER  -  Por quê? Está com medo que eu vá atrapalhar o seu novo romance? Não que eu me importe com isso. Acho apenas que não fica bem para um homem que se diz milagreiro... alimentar casos com qualquer mulher.

CYRO  -  (olhou-a sentidamente) Volte!

ESTER  -  É incoerente com a fama que faz questão de manter. O homem dos milagres fáceis não pode ser o homem conquistador.

CYRO  -  (decidiu afastar-se) Adeus, Ester!

ESTER  -  (com voz autoritária) Um momento! Não podemos ignorar que estamos unidos por um casamento no estrangeiro. Quero lhe avisar que já tomei providencias para desfazer essa união. Pelo divórcio.

CYRO  -  (com rispidez) Faça o que você quiser!

ESTER  -  (olhando-o fundo) Era isto o que eu tinha a lhe dizer. Por isto vim esperá-lo aqui... porque sei que é o seu caminho noturno... quando passa depois de levar sua nova conquista ao seu local de trabalho.

DE REPENTE O RUÍDO DE UM TIRO CHEGOU AOS OUVIDOS DE CYRO E UMA SUCESSÃO, EM RAJADA, DEIXOU-O ATÔNITO NO MEIO DA AREIA.

OLHOU NA DIREÇÃO DA VILA DOS PESCADORES, APENAS UNS PONTINHOS AVERMELHADOS NA ESCURIDÃO DA PRAIA.

CYRO  -  O que é isso? É na vila! (um pensamento veio-lhe à mente, num estalo) Baby!

SEM TOMAR CONHECIMENTO DA PRESENÇA DE ESTER, CYRO DESPACHOU-SE PARA AS BANDAS DO TIROTEIO, CORRENDO COMO UM LOUCO.

CORTA PARA:


CENA 3  -  PORTO AZUL  -  VILA DOS PESCADORES  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  EXTERIOR  -  NOITE

PÉ-NA-COVA  -  (gritava, agressivo, enfrentando os policias) Quero ver! Quero ver quem é o desgraçado que vai tê corage de atravessá nóis pra pegá seu Baby!

OS GUARDAS ATIRAVAM PARA O AR, ESPALHANDO CONVIDADOS PARA TODOS OS CANTOS DA PRAIA.

MESTRE JONAS  -  (encarava o delegado, fora de si) Foi muito mal feito estragá uma festa tão bonita, de casamento!

DELEGADO  -  Eu peço desculpas se tive de invadir a sua festa. Mas acontece que já me cansei de tentar cumprir a lei, e ser impedido. Hoje, eu vim pra valer...

PÉ-NA-COVA  -  (berrou, com o dedo em riste) Pois é! Mas num vai cumpri, não! Num vai, não, ou não me chamo Lucas Pé-na-Cova!

DELEGADO  -  Se o Senhor Baby Liberato não se entregar por bem, o negócio vai engrossar. (Baby estava protegido por um cordão de homens decididos, revoltados. O delegado dirigiu-lhe a palavra) Vamos, Senhor Baby. A lei lhe concede direitos. Entregue-se e não sacrifique seus companheiros.

BABY  -  Eu não quero sacrificar ninguém, mas também não vou ser preso, delegado.

LUANA  -  (gritou) Corre, Baby!   

O RAPAZ PROCUROU FUGIR PELA RETAGUARDA.

DELEGADO  -  (berrou, apontando o revólver para o rapaz) Pare ou eu atiro!

NUM SALTO ÁGIL, PÉ-NA-COVA SEGUROU-LHE O BRAÇO, BAIXANDO O CANO PARA O CHÃO, ENQUANTO OS HOMENS SE ATRACAVAM COM OS GUARDAS.

DELEGADO  -  (ordenou, lutando contra o negro) Peguem Baby! Não o deixem fugir!

DE REPENTE O TIRO. UM DOS SOLDADOS HAVIA DOMINADO UM PESCADOR AINDA JOVEM, DE COMPLEIÇÃO FRANZINA. NA ÂNSIA DE DEFENDER-SE DE OUTROS HOMENS QUE O ATACAVAM, O POLICIAL ATIROU A ESMO. A BALA ENCRAVOU-SE NO PEITO DE ROSA, A MULHER DE MESTRE JONAS. NUM ÁTIMO O SANGUE EMPAPOU-LHE AS VESTES E A MULHER CAIU, COM A MÃO COMPRIMINDO O FERIMENTO.

ROSA  -  (ainda encontrou forças para gritar) Se importem comigo não. Protege ele!

NO EXATO INSTANTE, BABY LIBERATO CONSEGUIRA ALCANÇAR A PARTE TRASEIRA DA CABANA, FUGINDO PELO AREAL.

ENFRAQUECIDO PELA DOENÇA E PELOS AZARES DOS ÚLTIMOS DIAS, O RAPAZ NÃO ACHAVA FORÇAS PARA ESCAPULIR. PARECIA-LHE  QUE  O  CHÃO  AFUNDAVA  A  CADA  PASSADA E O  VENTO O JOGAVA, COMO UM MONTE DE CAPIM SECO, DE ENCONTRO AOS COQUEIRAIS. MINUTOS DEPOIS NÃO CONSEGUIA DAR UM PASSO. CAIU SOBRE A AREIA BRANCA E FINA DA PRAIA. OS POLICIAS CAÍRAM-LHE EM CIMA COMO UM BANDO DE ANIMAIS. BABY SENTIU APENAS AS ALGEMAS FECHAREM-SE NO SEU PULSO FORTE. PERDEU OS SENTIDOS.

DANIEL  -  (gritava, nervoso) Ajuda aqui! A mãe tá ferida!

CYRO ACABAVA DE CHEGAR, OFEGANTE DA LONGA CORRIDA PELA PRAIA.

CYRO  -  Depressa... vamos ver isso!

MINEIRO  -  (pesaroso) A gente fez o que pôde...

NUM EXAME METICULOSO DO FERIMENTO, CYRO CONCLUIU PELA INEXISTÊNCIA DE GRAVIDADE.

CYRO  -  Nada de mais. Já vamos retirar a bala. Será que não podiam ter evitado o que aconteceu?

PÉ-NA-COVA  -  Entraro pelo meio da festa, atirando pro ar... assustando todo mundo. Não houve como...

CORTA PARA:

CENA 4  -  PORTO AZUL  -  DELEGACIA  -  INTERIOR  -  DIA

A MANHÃ TINHA NASCIDO CLARA E FRESCA. O VENTO SOPRAVA POR ENTRE AS GRADES DA PRISÃO, ONDE BABY LIBERATO ESTAVA DEITADO NA ESTREITA E DURA CAMA DA CELA.

BABY DEU UM SALTO AO AVISTAR A MULHER QUE VINHA VISITÁ-LO.

D. BÁRBARA  -  (entrando na cela) Baby... viemos vê-lo... eu e sua mulher... que tem coisas muito importantes a lhe dizer.

BABY  -  (fez uma careta de desagrado) O que é que ela veio fazer aqui? O que é que ela tem a me dizer?

A VELHA PUXOU INÊS PELAS MÃOS E SENTOU-SE SOBRE UM BAÚ ENCOSTADO À PAREDE.

D. BÁRBARA  -  Vamos, menina... defenda-se. Não esperou tanto tempo para isso? Para se armar de coragem e vir aqui diante de seu marido revelar a verdade... uma verdade que é a sua própria defesa?

INÊS MANTINHA A CABEÇA BAIXA, FIXANDO UM PONTO QUALQUER NO CHÃO SUJO.

BABY  -  (com ódio) E... e ela tem defesa?

D. BÁRBARA  -  Tem. Tem sim. Procure ouvi-la com paciência. É claro que está muito nervosa... Dentro de 4 meses nascerá o seu filho. Tem passado por muitas emoções... mas suportou-as bem, não é, minha filha?

INÊS  -  (abafou um soluço e começou a falar) Não é fácil dizer pra você certas coisas... por exemplo... a causa da nossa separação... quando eu saí de casa eu tive motivo. É um motivo muito forte...

BABY  -  (abriu as mãos, súplices, e virou-se para a velha) Desde que ela saiu da minha casa, venho pedindo para me dizer que motivo é esse.

D. BÁRBARA  -  Calma! Ela vai dizer. Continue, Inês.

A JOVEM LEVANTOU OS OLHOS PARA O MARIDO, FITANDO-O PELA PRIMEIRA VEZ, DESDE QUE ENTRARA NA CELA.

INÊS  -  Foi o comendador quem... me obrigou a sair de casa!

BABY  -  (com os olhos faiscando) Por quê?

INÊS  -  Foi ele.

BABY  -  (voltando-se mais uma vez para a velha) Que é que ela está dizendo?

D. BÁRBARA  -  A verdade.

BABY  -  Como pode ser?

D. BÁRBARA  -  Você é um rapaz inteligente. Não precisa de muitas explicações.

BABY  -  Sim... eu creio que não. Mas... o que aconteceu?

INÊS  -  As cartas eram de sua mãe... Três meses depois de você nascer... cartas pro seu pai... cartas que o comendador desviava... Eram a prova da traição dela...

BABY  -  (tinha o olhar sinistro) Então foi ele quem... a matou?

INÊS  -  Não, eu não disse isso!

D. BÁRBARA  -  (pressurosa) Ele não fez nada disso, Baby. Apenas... expulsou sua mãe de casa... mas ficou com você.

BABY  -  E... foi depois disso que ela morreu?

AS DUAS MULHERES SE ENTREOLHARAM, NERVOSAS.

D. BÁRBARA  -  Ela ainda não acabou de contar sua história.

BABY  -  (mal ouviu a resposta, monologou, andando no interior da cela) Bem... eu não sou filho dele. E daí? Isto não altera grande coisa. Na verdade, eu sempre desconfiei. Agora, entendo a razão de ter me martirizado a vida inteira, mentindo que ela morreu de parto... Eu sei... agora entendo muita coisa. Entendo até por que Inês teve de obedecer tão prontamente à ordem dele...

INÊS  -  (ressentida) Foi pra não te dá desgosto! Viu? Foi por isso!

D. BÁRBARA  -  (abraçou a moça que sucumbira a um acesso de choro) Você ainda não ouviu tudo, Baby. Se ela não lhe contou toda a verdade foi porque... Liberato a ameaçou. E ele só queria castigar você.

BABY  -  Entenda! Não era motivo! O fato de saber que não sou filho dele me dá até um certo alívio! Justifica muita coisa!

INÊS  -  (berrou, com histeria) Mas isso não é tudo, Leandro!

BABY  -  (no mesmo tom) E o que é tudo?

D. BÁRBARA  -  (correu até a grade e chamou o policial) A moça não está passando bem. Pode me arranjar um pouco de água com açúcar?

CORTA PARA:

CENA 5  -  FLORIANÓPOLIS  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

JÚLIA  -  Dona Ester! Dr. Paulus! Vocês nem imaginam o que aconteceu!

JÚLIA ESTAVA RADIANTE E A PATROA JAMAIS A VIRA DAQUELA MANEIRA. INTEIRAMENTE TRANSTORNADA. VERMELHA. COM OS LÁBIOS TRÊMULOS. A ALEGRIA NO ROSTO.

ESTER  -  O que foi, Júlia? Que contentamento é este?

JÚLIA  -  Recebi resposta do advogado que estava tratando do inventário da herança de minha família. Já terminou... e eu... eu fiquei com a maior parte! Vejam isto! (abriu a carta com movimentos nervosos) Estou milionária! Várias vezes milionária! (rodopiou  como uma criança feliz no meio da sala) Herdei uma fortuna incalculável em bens, terras e dinheiro!

ESTER APERTOU AS MÃOS, SORRIDENTE E CAMINHOU ATÉ A SECRETÁRIA, ABRAÇANDO-A COM FORÇA.

ESTER  -  Parabéns, Júlia! Salve!

PAULUS  -  (pediu, interessado) Deixe-me ver. (abriu a carta e leu-a por inteiro) Muito bem! Uma verdadeira fortuna!

JÚLIA  -  Ai, meu Deus! Estou tão emocionada! Cesário devia estar aqui! Ele precisa saber disso!

ESTER VOLTOU-SE PARA O ADVOGADO, A QUEM DEVOTAVA AGORA CONFIANÇA E SIMPATIA.

ESTER  -  Quanto, Paulus?

PAULUS  -  Júlia está rica, Ester. Só em dinheiro, herdou um milhão! (devolveu-lhe a carta) Você tem de ir receber a herança em Curitiba.

JÚLIA  -  É. Tenho minha família toda lá. (não se continha de felicidade.   As   mãos   nervosas   pegando   aqui,  ali,  rasgando a pontinha da carta) Bem... me dão licença.. eu... eu estou muito feliz! Vou procurar Cesário!

DEIXOU A SALA, ENQUANTO ESTER BEBIA UM DRINQUE COM BASTANTE GELO.

ESTER  -  É. Acho que perdi uma secretária.

PAULUS  -  Crê que vai deixar de trabalhar?

ESTER  -  Não. É que Cesário não vai perder esta oportunidade... ele vai casar com a nova milionária.

PAULUS SORRIU E ENTORNOU UMA DOSE DUPLA DE UÍSQUE.

PAULUS  -  Lembre-se de que você me convidou para jantar, querida!

FIM DO CAPÍTULO 83










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