Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 83
Participam deste
capítulo
Baby -
Claudio Cavalcanti
Inês -
Betty Faria
Cyro -
Tarcísio Meira
Ester -
Gloria Menezes
Mestre Jonas -
Gilberto Martinho
Dona Bárbara -
Zilka Salaberry
Rosa - Ana
Ariel
Daniel -
Paulo Araújo
Pé-na-Cova -
Antonio Pitanga
Luana - Léa
Garcia
Delegado -
Vinicius Salvatori
Júlia - Ida
Gomes
Paulus -
Emiliano Queiroz
CENA 1 - PORTO
AZUL -
PRAIA BONITA - EXTERIOR
- NOITE
A MANOBRA TINHA SIDO DEMORADAMENTE PLANEJADA PELO DELEGADO E
AGORA OS POLICIAIS, APROVEITANDO A ANIMAÇÃO DA FESTA, RASTEJAVAM NA AREIA
BRANCA, GANHANDO TERRENO PALMO A PALMO. O OBJETIVO ERA ALCANÇAR A CABANA DE
SURPRESA, NÃO PERMITINDO QUALQUER REAÇÃO POR PARTE DE BABY LIBERATO E DE SEUS
HOMENS. OS POLICIAS HAVIAM FORMADO UM CORDÃO EM TORNO DA CASA. ALGUNS
PERMANECERAM ENCOSTADOS AOS COQUEIROS, DE ARMA EM PUNHO, ENQUANTO OUTROS
AVANÇAVAM EM DIREÇÃO À CHOUPANA DO PESCADOR. NO CENTRO DO GRUPO, O DELEGADO
DAVA ORDENS COM GESTOS ALVOROÇADOS. OLHOU O RELÓGIO. MAIS ALGUNS MINUTOS E A
PRESA ESTARIA EM SUAS MÃOS, COM OU SEM A PRESENÇA DE CYRO VALDEZ.
CORTA PARA:
CENA 2 -
PORTO AZUL - PRAIA
- EXTERIOR -
NOITE
CYRO - O que você está fazendo aqui?
A MULHER VOLTOU-SE ASSUSTADA, DESVIANDO OS OLHOS DO MAR NEGRO
E AMEDRONTADOR. DE LONGE CYRO RECONHECERA O VULTO QUE OBSERVAVA O OCEANO, COM
UM XALE BRANCO ENVOLVENDO-LHE A CABEÇA E O PESCOÇO.
ESTER - (dominou-se antes de responder) É o caminho
que faz todas as noites quando... vai levar Vanda Vidal ao cabaré?
CYRO - (não respondeu à indagação da esposa) Vá para
sua casa... Não deve andar sozinha por aqui.
ESTER - Por quê? Está com medo que eu vá atrapalhar o
seu novo romance? Não que eu me importe com isso. Acho apenas que não fica bem
para um homem que se diz milagreiro... alimentar casos com qualquer mulher.
CYRO - (olhou-a sentidamente) Volte!
ESTER - É incoerente com a fama que faz questão de
manter. O homem dos milagres fáceis não pode ser o homem conquistador.
CYRO - (decidiu afastar-se) Adeus, Ester!
ESTER - (com voz autoritária) Um momento! Não podemos
ignorar que estamos unidos por um casamento no estrangeiro. Quero lhe avisar que
já tomei providencias para desfazer essa união. Pelo divórcio.
CYRO - (com rispidez) Faça o que você quiser!
ESTER - (olhando-o fundo) Era isto o que eu tinha a
lhe dizer. Por isto vim esperá-lo aqui... porque sei que é o seu caminho
noturno... quando passa depois de levar sua nova conquista ao seu local de
trabalho.
DE REPENTE O RUÍDO DE UM TIRO CHEGOU AOS OUVIDOS DE CYRO E
UMA SUCESSÃO, EM RAJADA, DEIXOU-O ATÔNITO NO MEIO DA AREIA.
OLHOU NA DIREÇÃO DA VILA DOS PESCADORES, APENAS UNS PONTINHOS
AVERMELHADOS NA ESCURIDÃO DA PRAIA.
CYRO - O que é isso? É na vila! (um pensamento
veio-lhe à mente, num estalo) Baby!
SEM TOMAR CONHECIMENTO DA PRESENÇA DE ESTER, CYRO
DESPACHOU-SE PARA AS BANDAS DO TIROTEIO, CORRENDO COMO UM LOUCO.
CENA 3 - PORTO
AZUL -
VILA DOS PESCADORES - CHOUPANA DE MESTRE JONAS -
EXTERIOR - NOITE
PÉ-NA-COVA - (gritava, agressivo, enfrentando os policias)
Quero ver! Quero ver quem é o desgraçado que vai tê corage de atravessá nóis
pra pegá seu Baby!
OS GUARDAS ATIRAVAM PARA O AR, ESPALHANDO CONVIDADOS PARA
TODOS OS CANTOS DA PRAIA.
MESTRE JONAS - (encarava o delegado, fora de si) Foi muito
mal feito estragá uma festa tão bonita, de casamento!
DELEGADO - Eu peço desculpas se tive de invadir a sua
festa. Mas acontece que já me cansei de tentar cumprir a lei, e ser impedido.
Hoje, eu vim pra valer...
PÉ-NA-COVA - (berrou, com o dedo em riste) Pois é! Mas num
vai cumpri, não! Num vai, não, ou não me chamo Lucas Pé-na-Cova!
DELEGADO - Se o Senhor Baby Liberato não se entregar por
bem, o negócio vai engrossar. (Baby estava protegido por um cordão de homens
decididos, revoltados. O delegado dirigiu-lhe a palavra) Vamos, Senhor Baby. A
lei lhe concede direitos. Entregue-se e não sacrifique seus companheiros.
BABY - Eu não quero sacrificar ninguém, mas também
não vou ser preso, delegado.
LUANA - (gritou) Corre, Baby!
O RAPAZ PROCUROU FUGIR PELA RETAGUARDA.
DELEGADO - (berrou, apontando o revólver para o rapaz)
Pare ou eu atiro!
NUM SALTO ÁGIL, PÉ-NA-COVA SEGUROU-LHE O BRAÇO, BAIXANDO O
CANO PARA O CHÃO, ENQUANTO OS HOMENS SE ATRACAVAM COM OS GUARDAS.
DELEGADO - (ordenou, lutando contra o negro) Peguem
Baby! Não o deixem fugir!
DE REPENTE O TIRO. UM DOS SOLDADOS HAVIA DOMINADO UM PESCADOR
AINDA JOVEM, DE COMPLEIÇÃO FRANZINA. NA ÂNSIA DE DEFENDER-SE DE OUTROS HOMENS
QUE O ATACAVAM, O POLICIAL ATIROU A ESMO. A BALA ENCRAVOU-SE NO PEITO DE ROSA,
A MULHER DE MESTRE JONAS. NUM ÁTIMO O SANGUE EMPAPOU-LHE AS VESTES E A MULHER
CAIU, COM A MÃO COMPRIMINDO O FERIMENTO.
ROSA - (ainda encontrou forças para gritar) Se
importem comigo não. Protege ele!
NO EXATO INSTANTE, BABY LIBERATO CONSEGUIRA ALCANÇAR A PARTE
TRASEIRA DA CABANA, FUGINDO PELO AREAL.
ENFRAQUECIDO PELA DOENÇA E PELOS AZARES DOS ÚLTIMOS DIAS, O
RAPAZ NÃO ACHAVA FORÇAS PARA ESCAPULIR. PARECIA-LHE QUE
O CHÃO AFUNDAVA
A CADA PASSADA E O VENTO O JOGAVA, COMO UM MONTE DE CAPIM SECO, DE ENCONTRO AOS
COQUEIRAIS. MINUTOS DEPOIS NÃO CONSEGUIA DAR UM PASSO. CAIU SOBRE A AREIA
BRANCA E FINA DA PRAIA. OS POLICIAS CAÍRAM-LHE EM CIMA COMO UM BANDO DE
ANIMAIS. BABY SENTIU APENAS AS ALGEMAS FECHAREM-SE NO SEU PULSO FORTE. PERDEU
OS SENTIDOS.
DANIEL - (gritava, nervoso) Ajuda aqui! A mãe tá
ferida!
CYRO ACABAVA DE CHEGAR, OFEGANTE DA LONGA CORRIDA PELA PRAIA.
CYRO - Depressa... vamos ver isso!
MINEIRO - (pesaroso) A gente fez o que pôde...
NUM EXAME METICULOSO DO FERIMENTO, CYRO CONCLUIU PELA
INEXISTÊNCIA DE GRAVIDADE.
CYRO - Nada de mais. Já vamos retirar a bala. Será
que não podiam ter evitado o que aconteceu?
PÉ-NA-COVA - Entraro pelo meio da festa, atirando pro
ar... assustando todo mundo. Não houve como...
CORTA PARA:
CENA 4 -
PORTO AZUL - DELEGACIA
- INTERIOR - DIA
A MANHÃ TINHA NASCIDO CLARA E FRESCA. O VENTO SOPRAVA POR
ENTRE AS GRADES DA PRISÃO, ONDE BABY LIBERATO ESTAVA DEITADO NA ESTREITA E DURA
CAMA DA CELA.
BABY DEU UM SALTO AO AVISTAR A MULHER QUE VINHA VISITÁ-LO.
D. BÁRBARA - (entrando na cela) Baby... viemos vê-lo... eu
e sua mulher... que tem coisas muito importantes a lhe dizer.
BABY - (fez uma careta de desagrado) O que é que ela
veio fazer aqui? O que é que ela tem a me dizer?
A VELHA PUXOU INÊS PELAS MÃOS E SENTOU-SE SOBRE UM BAÚ
ENCOSTADO À PAREDE.
D. BÁRBARA - Vamos, menina... defenda-se. Não esperou tanto
tempo para isso? Para se armar de coragem e vir aqui diante de seu marido
revelar a verdade... uma verdade que é a sua própria defesa?
INÊS MANTINHA A CABEÇA BAIXA, FIXANDO UM PONTO QUALQUER NO
CHÃO SUJO.
BABY - (com ódio) E... e ela tem defesa?
D. BÁRBARA - Tem. Tem sim. Procure ouvi-la com paciência.
É claro que está muito nervosa... Dentro de 4 meses nascerá o seu filho. Tem
passado por muitas emoções... mas suportou-as bem, não é, minha filha?
INÊS - (abafou um soluço e começou a falar) Não é
fácil dizer pra você certas coisas... por exemplo... a causa da nossa
separação... quando eu saí de casa eu tive motivo. É um motivo muito forte...
BABY - (abriu as mãos, súplices, e virou-se para a
velha) Desde que ela saiu da minha casa, venho pedindo para me dizer que motivo
é esse.
D. BÁRBARA - Calma! Ela vai dizer. Continue, Inês.
A JOVEM LEVANTOU OS OLHOS PARA O MARIDO, FITANDO-O PELA
PRIMEIRA VEZ, DESDE QUE ENTRARA NA CELA.
INÊS - Foi o comendador quem... me obrigou a sair de
casa!
BABY - (com os olhos faiscando) Por quê?
INÊS - Foi ele.
BABY - (voltando-se mais uma vez para a velha) Que é
que ela está dizendo?
D. BÁRBARA - A verdade.
BABY - Como pode ser?
D. BÁRBARA - Você é um rapaz inteligente. Não precisa de
muitas explicações.
BABY - Sim... eu creio que não. Mas... o que
aconteceu?
INÊS - As cartas eram de sua mãe... Três meses
depois de você nascer... cartas pro seu pai...
cartas que o comendador desviava... Eram a prova da traição dela...
BABY - (tinha o olhar sinistro) Então foi ele
quem... a matou?
INÊS - Não, eu não disse isso!
D. BÁRBARA - (pressurosa) Ele não fez nada disso, Baby.
Apenas... expulsou sua mãe de casa... mas ficou com você.
BABY - E... foi depois disso que ela morreu?
AS DUAS MULHERES SE ENTREOLHARAM, NERVOSAS.
D. BÁRBARA - Ela ainda não acabou de contar sua história.
BABY - (mal ouviu a resposta, monologou, andando no
interior da cela) Bem... eu não sou filho dele. E daí? Isto não altera grande
coisa. Na verdade, eu sempre desconfiei. Agora, entendo a razão de ter me
martirizado a vida inteira, mentindo que ela morreu de parto... Eu sei... agora
entendo muita coisa. Entendo até por que Inês teve de obedecer tão prontamente
à ordem dele...
INÊS - (ressentida) Foi pra não te dá desgosto! Viu?
Foi por isso!
D. BÁRBARA - (abraçou a moça que sucumbira a um acesso de
choro) Você ainda não ouviu tudo, Baby. Se ela não lhe contou toda a verdade
foi porque... Liberato a ameaçou. E ele só queria castigar você.
BABY - Entenda! Não era motivo! O fato de saber que
não sou filho dele me dá até um certo alívio! Justifica muita coisa!
INÊS - (berrou, com histeria) Mas isso não é tudo,
Leandro!
BABY - (no mesmo tom) E o que é tudo?
D. BÁRBARA - (correu até a grade e chamou o policial) A
moça não está passando bem. Pode me arranjar um pouco de água com açúcar?
CORTA PARA:
CENA 5 -
FLORIANÓPOLIS - CASA DE ESTER
- SALA -
INTERIOR - DIA
JÚLIA - Dona Ester! Dr. Paulus! Vocês nem imaginam o
que aconteceu!
JÚLIA ESTAVA RADIANTE E A PATROA JAMAIS A VIRA DAQUELA
MANEIRA. INTEIRAMENTE TRANSTORNADA. VERMELHA. COM OS LÁBIOS TRÊMULOS. A ALEGRIA
NO ROSTO.
ESTER - O que foi, Júlia? Que contentamento é este?
JÚLIA - Recebi resposta do advogado que estava
tratando do inventário da herança de minha família. Já terminou... e eu... eu
fiquei com a maior parte! Vejam isto! (abriu a carta com movimentos nervosos)
Estou milionária! Várias vezes milionária! (rodopiou como uma criança feliz no meio da sala)
Herdei uma fortuna incalculável em bens, terras e dinheiro!
ESTER APERTOU AS MÃOS, SORRIDENTE E CAMINHOU ATÉ A
SECRETÁRIA, ABRAÇANDO-A COM FORÇA.
ESTER - Parabéns, Júlia! Salve!
PAULUS - (pediu, interessado) Deixe-me ver. (abriu a
carta e leu-a por inteiro) Muito bem! Uma verdadeira fortuna!
JÚLIA - Ai, meu Deus! Estou tão emocionada! Cesário
devia estar aqui! Ele precisa saber disso!
ESTER VOLTOU-SE PARA O ADVOGADO, A QUEM DEVOTAVA AGORA
CONFIANÇA E SIMPATIA.
ESTER - Quanto, Paulus?
PAULUS - Júlia está rica, Ester. Só em dinheiro,
herdou um milhão! (devolveu-lhe a carta) Você tem de ir receber a herança em
Curitiba.
JÚLIA - É. Tenho minha família toda lá. (não se
continha de felicidade. As mãos
nervosas pegando aqui,
ali, rasgando a pontinha da carta) Bem... me dão licença.. eu... eu estou
muito feliz! Vou procurar Cesário!
DEIXOU A SALA, ENQUANTO ESTER BEBIA UM DRINQUE COM BASTANTE
GELO.
ESTER - É. Acho que perdi uma secretária.
PAULUS - Crê que vai deixar de trabalhar?
ESTER - Não. É que Cesário não vai perder esta
oportunidade... ele vai casar com a nova milionária.
PAULUS SORRIU E ENTORNOU UMA DOSE DUPLA DE UÍSQUE.
PAULUS - Lembre-se de que você me convidou para
jantar, querida!
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