domingo, 2 de novembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 79


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 79

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Cyro  -  Tarcísio Meira
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
André  -  Paulo José
Otto  -  Jardel Filho
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Daniel  -  Paulo Araújo
  

CENA 1  -  MINAS  -  GALERIA M-13  -  INTERIOR  -  DIA

FORTES HOLOFOTES ILUMINAVAM A ENTRADA DA MINA, ENQUANTO OS MINEIROS DESCIAM COM LANTERNAS DE MÃO E OUTRAS INSTALADAS NOS CAPACETES.

HOUVE UM MURMÚRIO DOS CURIOSOS, QUANDO UM GRUPO DE HOMENS SURGIU, LIDERADO PELO RAPAGÃO DE BARBA NEGRA. ERA CYRO VALDEZ.

PAULUS  -  (adiantou-se, hostil) Aonde pensa que vai?

CYRO  -  Não penso... eu vou ao interior da mina... tentar fazer alguma coisa!

PAULUS  -  A turma de salvamento não conseguiu, não é o senhor quem conseguirá.

JONAS EMPURROU O ADVOGADO COM BRUTALIDADE.

MESTRE JONAS  -  Mocinho... ele disse. A gente vai entrá.

PAULUS  -  Não. Não podem. É proibida a entrada de estranhos.

MESTRE JONAS  -  Não sou estranho. Meu filho tá lá no fundo.

PAULUS VIROU-SE PARA OS POLICIAS QUE VIGIAVAM OS ARREDORES.

PAULUS  -  Não os deixem entrar! Reajam à altura!

OS GUARDAS LEVANTARAM OS CASSETETES DE BORRACHA.

MESTRE JONAS  -  Meu filho tá lá, gente! Por que não posso entrá?

CYRO  -  Nós podemos ajudar a cavar.

OTTO SURGIU, INTROMETENDO-SE NA DISCUSSÃO.

OTTO  -  Nenhum estranho deverá entrar na mina. Reajam violentamente, se preciso for. (olhou com asco para Cyro Valdez) Não é de milagres que estamos necessitando... O senhor mais parece um mendigo... do que um médico. (e irônico) Parece-me que não progrediu muito desde a última vez que o vi...

CYRO  -  E o senhor progrediu muito. Era um homem morto. Eu o ressuscitei com o coração de um homem bom. Acreditei que isto pudesse lhe trazer algum benefício. Mas me parece que foi em vão.

OTTO SUSPENDEU A MÃO E A DESCARREGOU CONTRA O ROSTO DO MÉDICO. CYRO EQUILIBROU-SE PARA NÃO IR AO SOLO E APENAS FITOU A CARA MALVADA DO SUPERINTENDENTE. VÁRIOS HOMENS AMEAÇARAM REVIDAR. CYRO LEVANTOU OS BRAÇOS EM SINAL DE PAZ.

MESTRE JONAS  -  (gritou, irado) Revida, Cyro!

CYRO  -  Se eu revidar, posso matá-lo. Ninguém conhece melhor do que eu o que vai por dentro dele. (Otto empalideceu) E eu quero que ele viva ainda por algum tempo...

OTTO  -  (olhou para os policias) Cumpram as minhas ordens!

CORTA PARA:

CENA 2  -  MINAS  -  GALERIA M-13  -  INTERIOR  -  DIA

RICARDO  -  Bloqueio das pedras e terra é muito grande. Se isto aguentar... talvez tenhamos de trabalhar mais de 24 horas.

O ENCARREGADO DA FURADEIRA PAROU UM POUCO PARA LIMPAR O SUOR QUE ESCORRIA DO ROSTO, ENGROSSADO PELO PÓ CARBONÍFERO. DURANTE ALGUNS SEGUNDOS DE SILENCIO OUVIRAM UMAS PANCADAS RITMADAS.

RICARDO  -  Esperem! Não façam barulho!

AS BATIDAS CONTINUARAM NÍTIDAS. RICARDO SEGUROU UMA PÁ E BATEU  COM RITMO NUMA SALIÊNCIA ROCHOSA. DEPOIS DE PEQUENA PAUSA OUVIU A RESPOSTA, NO MESMO RITMO COMPASSADO.

RICARDO  -  São eles! Estão vivos! Ânimo, minha gente! São eles!

A CORRENTE DE SATISFAÇÃO PERCORREU TODOS OS HOMENS E ALCANÇOU A PARTE EXTERNA DA MINA.

MINEIRO  -  (gritou para o lado de fora) Estão vivos!

UM VOZERIO ALEGRE ELETRIZOU A PRAÇA.

CYRO SORRIU. JONAS LIMPOU AS LÁGRIMAS.

CORTA PARA:

CENA 3  -  MINAS  -  GALERIA M-13  -  INTERIOR  -  DIA

DENTRO DA GALERIA DESMORONADA, OS HOMENS ORAVAM CONTRITOS. OS MENOS FERIDOS AJUDAVAM A MINORAR AS DORES DOS OUTROS, LANHADOS COM FRATURAS NAS COSTELAS E MEMBROS. AOS POUCOS A GALERIA SE ENCHIA DE ÁGUA, PROVENIENTE DO RIO SUBTERRÂNEO. EM ALGUNS LUGARES MAIS FUNDOS, O LÍQUIDO COMEÇAVA A FORMAR AUTÊNTICOS LAGOS. PÉ-NA-COVA FIZERA UM LEVANTAMENTO DA SITUAÇÃO. ELE ESTAVA BEM. PEQUENAS ESCORIAÇÕES E NADA MAIS.

DANIEL GEMIA, COM UM PROFUNDO CORTE NAS COSTAS E DORES NOS OSSOS PARTIDOS. OUTROS SEIS, OS QUE TRABALHAVAM NAS CÂMARAS 18 E 19, PARECIAM MAL. UM DELES MORRERA E SEU CORPO BOIAVA NAS ÁGUAS NEGRAS.

PÉ-NA-COVA RECEBEU O “TROCO” COMUNICATIVO DA MENSAGEM QUE ENVIARA PARA O OUTRO LADO. AS PANCADAS SIGNIFICAVAM ESPERANÇA PARA OS CONDENADOS.

PÉ-NA-COVA  -  É a turma de salvamento! Vocês tenham paciência! Eles vão tirá a gente daqui!

DANIEL  -  (gritou, torturado pelas dores) Quando? Quando a gente tivé tudo morrido!

CORTA PARA:

CENA 4  -  VALONGO  -  CASA DE DAS DORES  -  INTERIOR  -  DIA
Ricardo (Edney Giovenazzi)

NA CASA DE DAS DORES, BABY DELIRAVA, EM FEBRE, E SE RECUSAVA A ACEITAR A AJUDA DA ESPOSA. DR. CYRO SENTOU-SE À CABECEIRA DA CAMA E TOMOU-LHE AS MÃOS ENTRE AS SUAS.

OBRIGOU-O A SENTAR-SE, COM DIFICULDADE.

CYRO  -  Vamos conversar... um pouco, Baby!

BABY  -  Por que todo mundo está pensando mal de mim? Eu não acendi o pavio da dinamite... eles querem me acusar... mas eu não fui o autor da explosão. Eu queria morrer, mas não ia levar ninguém comigo...

CYRO  -  E sei... eu sei...

O MÉDICO RETIROU O TERMÔMETRO DA AXILA DIREITA DO AMIGO, 38,9.

BABY  -  Droga! Não me responda como se eu fosse um retardado mental! Eu não estou louco! Eu não fiz aquilo por mal! Alguém tem de acreditar em mim! Eu não queria que ninguém morresse comigo!

CYRO  -  Eu acredito, Baby!

BABY  -  (animou-se um pouco, ante a aquiescência do amigo) Acredita... no duro? Não está fazendo isso... pra me aquietar?

CYRO  -  Acredito, Baby! Eu sei que não foi você quem acendeu o pavio da dinamite!

BABY  -  (agarrou-se apertadamente ao médico) Como... como sabe?

NUMA VISÃO MENTAL, MUITO CLARA, O MÉDICO – QUE ENCARAVA O JOVEM FEBRIL, REVIVEU A CENA DO DESPERTAR, NA GALERIA, E O NERVOSISMO DE BABY AO TENTAR APAGAR O ESTOPIM.

CYRO  -  Estou vendo seu pensamento, Baby. Se você mentir, eu também posso ver! Mas você não está mentindo.

BABY  -  Se você pode mesmo ver... veja se consegue descobrir quem acendeu o estopim? Não fui eu! Portanto... veja se pode ver!

CYRO  -  Posso ver o que está na sua mente. O que se passou com você. Se você não viu quem acendeu o estopim, porque estava dormindo, eu também não posso ver. Isto não está fixado na sua mente.

CORTA PARA:

CENA 5  -  MINAS  -  ENTRADA DA GALERIA M-13  -  EXTERIOR  -  DIA

MINEIRO  -  (anunciou, vindo do fundo da terra) Houve outro desabamento!

RICARDO  -  (preocupado) Algum ferido?

MINEIRO  -  Não. Coisa leve. A gente correu a tempo.

O ENGENHEIRO RETORNOU AO SUBSOLO ONDE OS HOMENS TRABALHAVAM INCESSANTEMENTE. BAGAS DE SUOR CAINDO PELOS CORPOS SUADOS, FERIDOS, CANSADOS.

CORTA PARA:

CENA 6  -  ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA

O DIA NASCERA. E DEPOIS OUTRO, DE SOL CLARO, QUENTE. OS REPÓRTERES INSISTIAM EM SABER DETALHES DO ACIDENTE. RICARDO RESOLVEU ATENDÊ-LOS. VÁRIOS CARROS DE REPORTAGENS ESTACIONAVAM NOS ARREDORES DA PRACINHA.

OS JORNALISTAS SE AGRUPARAM EM TORNO DA MESA, NO ESCRITÓRIO.

RICARDO  -  Como já disse... houve um desmoronamento na câmara 20, da galeria M-13

REPÓRTER  1 -  Há quantos dias os homens estão lá?

RICARDO  -  Quase 3. É isso... dois e meio.

REPÓRTER 2  -  Os nomes dos soterrados, por favor?

RICARDO  -  São oito: Lucas, Daniel, Vieira, Inácio, Junqueira, Mário Sales, Tião, Laurindo... é, são estes. Não reparem... estou tremendamente cansado. Há dois dias sem dormir, praticamente. Estou morrendo em pé... mas quando penso naqueles homens...

REPÓRTER 3  -  O que está sendo feito para retirá-los?

RICARDO   -  Mandamos abrir uma passagem por outra galeria... vai demorar um pouco mais, porém, é menos arriscado.

CORTA PARA:

CENA 7  -  MINA ABANDONADA  -  INTERIOR  -  DIA

CYRO VALDEZ REUNIU SEU GRUPO NA ENTRADA DA MINA ABANDONADA, DO OUTRO LADO DA DE VALONGO. E DEPOIS DE ALGUNS MINUTOS DE ORIENTAÇÕES, ENTROU SOZINHO PELOS CORREDORES ESCUROS E PERIGOSOS. OS RATOS DISPERSARAM-SE AMEDRONTADOS E DEZENAS DE MORCEGOS ESVOAÇARAM PELAS GALERIAS SILENCIOSAS.

O MÉDICO SENTIU PASSADAS ATRÁS DE SI E SE VOLTOU, ASSUSTADO.

CYRO  -  O que veio fazer, André? Você me seguiu?

ANDRÉ  -  Segui. Vi o senhor sair do Valongo e fiquei curioso.

CYRO  -  Preciso encontrar uma solução para salvar aquela pobre gente antes que seja tarde demais.

TINHAM-SE APROFUNDADO EM DEMASIA E PELOS CÁLCULOS JÁ SE ENCONTRAVAM NA DIREÇÃO DO LOCAL ACIDENTADO. CYRO PAROU PENSANDO TER OUVIDO ALGUMA COISA.

CYRO  -  Espere... você está percebendo um som?

ANDRÉ BOTOU A MÃO EM CONCHA JUNTO AO OUVIDO.

ANDRÉ  -  Não... não ouço nada!

CYRO  -  Apure bem o ouvido. Tente ouvir... parecem batidas.

ANDRÉ  -  Agora sim!

CYRO  -  Será possível... que esta mina velha... tenha ligação com as minas novas?

ANDRÉ  -  (saltando por velhos trilhos enferrujados) Quem sabe?

CYRO  -  (tentava localizar o ruído, encostando o ouvido contra o solo) É aqui embaixo, André. Aqui embaixo!

FIM DO CAPÍTULO 79




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