domingo, 9 de novembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 82


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 82

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Cyro  -  Tarcísio Meira
Delegado  -  Vinicius Salvatori
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Daniel  -  Paulo Araújo
Luana  -  Léa Garcia
Tula  -  Lúcia Alves
Bárbara  -  Zilka Salaberry



CENA 1  -  PORTO AZUL  -  CABANA DE CYRO  -  INTERIOR  -  NOITE

O LUAR BANHAVA AS PAREDES DE MADEIRA DA CABANA DE CYRO VALDEZ, QUANDO O DELEGADO CHEGOU. ELE E DOIS SOLDADOS ARMADOS.

CYRO  -  (levantou-se da esteira onde estivera deitado) Algum problema, delegado?

DELEGADO  -  Temos vários. E muito sérios.

CYRO  -  Quais?

DELEGADO  -  Estou aqui com ordem de prisão para um sujeito que se encontra com o senhor!

CYRO  -  Um sujeito, delegado? Quem?

DELEGADO  -  O senhor sabe de quem estou falando: espero que me ajude a cumprir meu dever!

CYRO  -  E o outro problema, qual é?

DELEGADO  -  Ahn... talvez lhe interesse saber que encontrei a possível arma que matou Ivanzinho.

CYRO  -  (espantou-se) Encontrou? Com quem?

DELEGADO  -  Conceição. A mãe do coração de Otto Muller...  é isto. Eu sei que não foi ela quem atirou. Mas tudo indica que está escondendo o culpado. A arma estava escondida na casa dela.

CYRO  -  E não  teria sido mais fácil para o culpado dar fim à arma? Por que esconder na casa da Conceição?

DELEGADO  -  É uma arma cara. Com certeza, não quiseram se desfazer dela.

CYRO  -  E o que vai fazer?

DELEGADO  -  Detive a negra... para arrancar dela a confissão. É o que vou fazer.

O MÉDICO PERCEBEU ALGO ERRADO NA HISTÓRIA QUE O POLICIAL LHE CONTAVA. AS COISAS NÃO SE AJUSTAVAM MUITO BEM.

CYRO  -  Eu posso ir vê-la, delegado?

DELEGADO  -  Quando quiser. Com Baby Liberato é diferente. O promotor ordenou a prisão preventiva dele e eu estou aqui para cumprir a determinação da lei. (espiou disfarçadamente para o interior da cabana) Ele está aí, não está?

CYRO  -  Está, delegado. Mas eu não vou deixar o senhor levar Baby Liberato para a cadeia.

O DELEGADO EMPALIDECEU E OS SOLDADOS MOVIMENTARAM-SE, AMEAÇADORAMENTE.

DELEGADO  -  Eu espero que o senhor não resista à minha ordem, Dr. Cyro!

CYRO  -  Eu já lhe disse que sinto muito... mas vou resistir!

DELEGADO  -  Posso prendê-lo por desacato à autoridade. E posso, além do mais, entrar aí à força para levar o prisioneiro.

CYRO  -  Use sua força, delegado. Faça o que quiser. Mas eu lhe digo que não vai levar Baby Liberato.

DELEGADO  -  O senhor está contra a lei?

CYRO  -  Em primeiro lugar, devo lhe dizer que acredito na inocência do rapaz. E em segundo lugar lhe digo que ele está muito doente. Sofreu um abalo nervoso muito forte e está sob rigoroso tratamento.

DELEGADO  -  Isto também não é motivo.

OS POLICIAIS TENTARAM INVESTIR CONTRA O MÉDICO, A UMA ORDEM DO DELEGADO. AFASTÁ-LO PARA PENETRAREM NO INTERIOR DO BARRACÃO.

CYRO FEZ UM GESTO COM AS MÃOS, ESTALANDO OS DEDOS.

CYRO  -  Fiquem onde estão! Vocês não podem dar mais nenhum passo, porque aqui... na sua frente... há uma parede de vidro.

DELEGADO  -  (gritava, nervoso) Andem! Obedeçam!

POLICIAL  1  -  Não Podemos! Há uma parede de vidro, imensa, grossa... impossível entrar... delegado. Impossível.

BABY  -  (gritava, zombeteiro, do interior da cabana) Venham me prender! Quebrem as paredes de vidro!

BABY GARGALHAVA DE SATISFAÇÃO ANTE A IMPOTÊNCIA DOS POLICIAIS, QUE NÃO CONSEGUIRAM DAR UM SÓ PASSO À FRENTE.

CORTA PARA:


CENA 2  -  PORTO AZUL  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  EXTERIOR  -  NOITE

NA HUMILDE CHOUPANA DE MESTRE JONAS, ERA DIA DE FESTA. CASAVAM-SE DANIEL E LUANA.

NA PARTE EXTERNA, OS HOMENS HAVIAM CONSTRUÍDO UM LARGO GALPÃO, COBERTO COM FOLHAS DE PALMEIRA E SUSTENTADO POR DEZENAS DE GROSSOS BAMBUS VERDES E FORTES. BANDEIROLAS COLORIDAS ENFEITAVAM A PARTE SUPERIOR, ENQUANTO DUAS ENORMES MESAS IMPROVISADAS MANTINHAM-SE PARALELAS, DANDO ESPAÇO ENTRE ELAS PARA OS PARES DANÇAREM DEPOIS DOS COMES E BEBES. TUDO PREPARADO PARA O ENLACE MATRIMONIAL.

D. BÁRBARA  -  (brindou, erguendo o copo de vinho tinto) À saúde dos noivos!

CONVIDADOS  -  (em uníssono) À saúde dos noivos!

A SANFONA DE CHICO DO LARGO FUNDO ENCHIA O AMBIENTE DE ALEGRIA, ACOMPANHADA PELO REGIONAL DO RAIMUNDINHO.

A NOITE CAÍRA REPENTINA SOBRE PORTO AZUL E AS ESTRELAS FAISCAVAM NO CÉU NEGRO, ENQUANTO AS ONDAS QUIETAS MARULHAVAM A PEQUENA DISTANCIA DA CHOUPANA DO PESCADOR.

CORTA PARA:

CENA 3  -  CABANA DE CYRO  -  INTERIOR  -  NOITE

NA CABANA DE CYRO, TULA ACENDEU A LUZ.

BABY  -  Estou com vontade de dar um pulo até lá para participar da festa.

TULA  -  (aproximando-se do rapaz) Se você se sente bem, eu acho que pode ir. Os homens estão, inclusive, esperando por uma palavra sua.

BABY  -  Você vem comigo?

TULA  -  Não... eu... eu... tenho... não fica bem, Baby. É a casa do seu sogro e a festa do seu cunhado.

BABY ABOTOOU O CASACO DE COURO, AJEITOU OS CABELOS LONGOS E AFASTOU-SE DA CABANA ENCRAVADA ENTRE A VEGETAÇÃO CERRADA, A ALGUNS QUILÔMETROS DE PORTO AZUL, DEFRONTE À PRAIA DOURADA. O VENTO SOPRAVA BARULHENTO E O MAR PERMANECIA ESTRANHAMENTE QUIETO.

CORTA PARA:

CENA  4  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  EXTERIOR  -  NOITE

OS PARES DANÇAVAM ANIMADAMENTE, QUANDO BABY ALCANÇOU A ENTRADA DO GALPÃO. DANIEL CORREU, SURPRESO, AO ENCONTRO DO CUNHADO.

BABY  -  Vocês me desculpem... não assisti à cerimônia... mas não estava em condições. Ando meio fraco...

UM PEQUENO GRUPO SE FORMARA EM TORNO DOS DOIS HOMENS. A PRESENÇA DE BABY COMEÇAVA A ESFRIAR OS ÂNIMOS.

DANIEL  -  (olhando os convidados) Que é isso, gente? Tamo até muito satisfeito de vê o Baby por aqui.

LUANA  -  (acanhada) A gente agradece muito o senhô...

BABY  -  Eu queria aproveitar para... dar uma palavrinha aos homens. Já que estão todos reunidos...

DANIEL ESTICOU O BRAÇO E CHAMOU MESTRE JONAS.

DANIEL  -  Pai... manda pará a música. Seu Baby qué falá...

JONAS REUNIU OS PRESENTES NO GALPÃO IMPROVISADO.

MESTRE JONAS  -  Gente... seu Baby já tá curado... com a graça de Deus... e queria dá uma palavrinha com vocês.

VÁRIOS MINEIROS E PESCADORES APROXIMARAM-SE DO RAPAZ, CUMPRIMENTANDO-O. ALGUNS JÁ ANTIGOS COMPANHEIROS E HOMENS DE CONFIANÇA DE BABY LIBERATO. EM TODOS A EMOÇÃO ERA VISÍVEL.

BABY  -  Olha... no duro... que não tenho palavra! (falou, meio engasgado) Falar da minha satisfação de encontrar todos vocês aqui, reunidos, num mesmo sentimento de solidariedade... é uma coisa bacana às pampas.  Eu não sei falar bonito, gente. Quero só que vocês compreendam... a minha emoção... a grande dívida de gratidão que tenho para com todos vocês... que foram despedidos porque ficaram do meu lado. Porque confiaram em mim. Eu acho que o que tenho pra lhes dar... em troca de tanta amizade... tanta fidelidade... é a certeza de que eu estou mesmo inocente.

UM MURMÚRIO PERCORREU O AMBIENTE.

BABY  -  (continuou) É a minha palavra de como eu não detonei aquela   maldita   dinamite...   pra   matar   nossos companheiros. Gente... é verdade que eu queria morrer... mas queria ir só. Quero que vocês saibam que eu pretendia esperar que todos saíssem, que o expediente terminasse.

MESTRE JONAS  -  Não lembra tristeza, meu filho. Todo mundo lhe acredita.

BABY  -  Não, Mestre Jonas... eu preciso dizer isso para que meus companheiros saibam. Bebi um pouco demais, é verdade. E esse foi todo o meu erro. Quando acordei... o mal já estava feito. E não fui eu que fiz... creiam. (quase não conseguia conter a emoção) Eu sei que vocês confiam em mim e só tenho a dizer pra vocês uma coisa: se eu queria morrer, naquela ocasião, agora eu não quero mais. Porque eu tenho a maior prova de que um sujeito pode ter... de amizade... de fraternidade. Hoje eu me sinto orgulhoso disso. Me sinto privilegiado. Era só, minha gente. O resto... (fez um gesto largo com os braços) estamos aí. Continue a festa, Mestre Jonas.

MESTRE JONAS  -  (gritou para o conjunto regional) Vamo simbora, Chico da Sanfona!

OS PARES VOLTARAM A DANÇAR NO CHÃO DE AREIA BATIDA, ENQUANTO BABY E OS PARENTES DE SUA ESPOSA ENTRAVAM NA CABANA.

FIM DO CAPÍTULO 82


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