quinta-feira, 3 de julho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 27


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 27

Participam deste capítulo

Cyro – Tarcísio Meira
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Zoraida  -  Jurema Penna
Ester  -  Gloria Menezes
Otto Muller  -  Jardel Filho
Orjana  -  Neusa Amaral
Bárbara  -  Zilka Salaberry
Dr. Paulus  -  Emiliano Queiroz
Catarina -  Lídia Mattos
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Tula  -  Lucia Alves

CENA 1  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO DE BABY  -  INTERIOR  -  NOITE

BABY DORMIA NO SOFÁ, EMBRIAGADO. O ODOR DE ÁLCOOL EMPESTAVA O AMBIENTE.

ZORAIDA ACENDEU A LUZ E BOTOU A MÃO SOBRE A BOCA, PARA NÃO GRITAR. ERA DEPLORÁVEL O ESTADO DO FILHO DO COMENDADOR LIBERATO.

ZORAIDA  -  Baby! Baby! Mas o que é isso! Oh, meu Deus! Baby!

A GOVERNANTA SACUDIU O RAPAZ COM MÃOS FIRMES, MAS OS SEUS OLHOS PERMANECIAM CERRADOS. ZORAIDA OLHOU PARA O VASO D’ÁGUA E, SEM DELONGAS, ATIROU UM JATO CONTRA O ROSTO DO JOVEM.

BABY  -  (abriu os olhos) Que é isso?

ZORAIDA – Está quase na hora do jantar! Teu pai está te chamando! E você aqui, neste estado!

BABY  -  (ameaçando cair no sono outra vez) Eu não vou a porcaria de jantar nenhum!

ZORAIDA  -  Não, não volta a dormir, menino!

BABY  -  (levantou-se, cambaleante) Vai dizer ao velho que eu não vou jantar coisa nenhuma. Não quero ser presidente de droga nenhuma!

AS ÚLTIMAS PALAVRAS TINHAM CHEGADO AOS OUVIDOS DO COMENDADOR, DE PÉ À PORTA DO QUARTO.

COMENDADOR LIBERATO  -  (ordenou) Me deixe só com ele, Zoraida.

ZORAIDA  -  Ele não está bem...

COMENDADOR LIBERATO  -  Saia!

LIBERATO ENTROU LENTAMENTE NO APOSENTO. HAVIA UM QUÊ DE VIOLÊNCIA EM SEUS OLHOS.

COMENDADOR LIBERATO  -  Quando é que você vai criar vergonha? Quando é que você vai ser um homem?

BABY  -  (ofendido, cuspiu no chão) O que é que o senhor chama... ser um homem?

COMENDADOR LIBERATO  -  Ser uma pessoa responsável, responder pelos seus atos. Assumir os seus direitos e deveres.

BABY  -  (assustou o velho com uma gargalhada de louco) Os meus ou os seus?

COMENDADOR LIBERATO  -  Por quê? Você acha que não tem nenhum?

BABY  -  Ora, velho! Quer saber de uma coisa? Não chateia. Vai pro inferno com sua mina, sua Companhia, seus sócios e parentes... e me esquece, tá bem? Me esquece. Você me esqueceu durante muito tempo. Longos anos. Por que só agora resolveu se amarrar em mim?

COMENDADOR LIBERATO  -  (irritado) Porque você é meu filho e eu tenho o dever de fazer de você alguém que não me envergonhe.

BABY  -  É com isso que você se preocupa. Com o seu nome. Belo nome! Bela porcaria! Comigo mesmo você nunca se preocupou!

COMENDADOR LIBERATO  -  (descontrolado, explodiu num grito histérico) Chega!

BABY  -  Não vem com grito não, que eu não sou mais nenhuma criança!

COMENDADOR LIBERATO  -  Eu esperava tudo de você, menos isso. Parece que você nasceu mesmo, predestinado a só fazer o mal àqueles que só querem o seu bem. A fazer sofrer e...

BABY  -  E o quê? Continue! Diga o que está pensando!

COMENDADOR LIBERATO  -  (tenso) Eu não estava pensando em nada.

BABY  -  Estava sim! Você estava pensando que eu matei minha mãe, quando eu nasci!

COMENDADOR LIBERATO  -  (fazendo um gesto com a mão) Tire isso da cabeça!

BABY  -  Não posso tirar, porquê sei que você pensa nisso toda vez que olha para mim!

COMENDADOR LIBERATO  -  Não é verdade! Eu não posso culpar você por isso! Seria uma injustiça, uma loucura! Eu nem me lembro mais disso!

BABY  -  (insistia, impiedoso) Lembra sim! Você não tem coragem de confessar! Mas, no fundo, você sempre se lembra, que eu sei!

COMENDADOR LIBERATO  -  Cale essa boca e deixe de dizer bobagens... eu não vim aqui para discutir esse assunto. Vim só saber se você vai ou não vai descer para jantar! Como você já sabe, eu recebo hoje, aqui em casa, os meus amigos e gente da sociedade.

BABY  -  Não, não vou! Não vou, já disse!

DESESPERADO, O COMENDADOR DEU-LHE AS COSTAS E SAIU DO QUARTO.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  ANTE-SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

PARA O PRESIDENTE DA COMPANHIA DE MINERAÇÃO NOVO MUNDO, APESAR DE TUDO, ERA UMA NOITE DE GLÓRIA. RECEBIA EM SUA LUXUOSA RESIDENCIA A NATA DA SOCIEDADE. A IMPRENSA JÁ HAVIA SE REFERIDO AO JANTAR COMO O ACONTECIMENTO SOCIAL DO ANO.

O COMENDADOR, EM PESSOA, ATENDIA AOS CONVIDADOS NA ANTE-SALA DO GRANDE SALÃO. GRUPOS SE FORMAVAM, BEBERICANDO E COMENDO SALGADINHOS. OTTO MULLER CHEGOU, ACOMPANHADO POR ESTER, NUM BELO VESTIDO NEGRO, E PELA MÃE, CATARINA.

OTTO  -  Como vai, tio?

COMENDADOR LIBERATO  -  Obrigado por terem vindo. (beijou a ex-esposa do sobrinho) Olá, Ester!

MINUTOS DEPOIS, O CARRO DE CYRO PAROU DIANTE DA PORTA DO PALACETE. ORJANA E BÁRBARA DESCERAM, AJUDADAS PELO MÉDICO.

COMENDADOR LIBERATO  -  (movimentou-se, agitado) Que prazer!

CYRO ENVERGAVA UM TRAJE A RIGOR, SIMPLES, MAS MODERNO. OS CABELOS LEVEMENTE DESALINHADOS PELO VENTO DO LITORAL. FÔRA UMA ESTICADA DE PORTO AZUL A FLORIANÓPOLIS.

CYRO  -  Como está, Comendador? (fez as apresentações) Conhece minha mãe?

COMENDADOR LIBERATO  -  Oh, sim! E a senhora, Dona Bárbara, como vai?

BÁRBARA  -  (mostrou-se viva, como sempre) Estou curiosa com esse convite...

PAULUS, DANDO CONTA DA PRESENÇA DO MÉDICO, OLHOU RÀPIDAMENTE PARA ESTER. A MOÇA AINDA NÃO HAVIA PERCEBIDO A CHEGADA DO HOMEM A QUEM AMAVA.

CYRO  -  (aproximou-se da mulher) Boa noite, Dona Ester!

ESTER  -  (com um gesto imperceptível de cabeça) Boa noite, Dr. Cyro!

CYRO  -  Já conhece minha mãe?

ESTER  -  Sim. Da festa lá de casa.

AS DUAS SE ABRAÇARAM. PAULUS NÃO DESPREGAVA OS OLHOS DO GRUPO.

COMENDADOR LIBERATO  -  (chamou a governanta, com um movimento de mão) Pode mandar servir o jantar. Baby... é aquele fiasco de sempre...

ENQUANTO SE ENCAMINHAVAM PARA A GRANDE MESA, DECORADA COM FRUTAS E VELAS, OTTO CONVERSAVA COM O PRESIDENTE DAS MINAS.

OTTO  -  Espero que não leve muito tempo para nos tirar desse suspense. Essa reunião de família... embora, também, de estranhos... (olhou para Cyro e Orjana) Deve ter uma justificativa que interesse a todos nós.

LIBERATO LEVANTOU-SE, SOMBRIO, AR ABATIDO. CYRO OLHOU-O, PENALIZADO. O COMENDADOR ESFORÇAVA-SE DEMAIS, PARA A GRAVIDADE DO SEU MAL. AINDA SE ACHAVA EM RECUPERAÇÃO E ERA TOTALMENTE CONTRA-INDICADO O QUE ESTAVA FAZENDO. OS PRESENTES FIZERAM SILENCIO, PARA OUVIR A PALAVRA DO DONO DA CASA.

COMENDADOR LIBERATO  -  De fato, eu os reuni aqui por uma razão muito importante. Mas... lamentavelmente... essa razão não existe mais.

BABY  -  Boa noite, senhores!

TODOS OS OLHOS SE VOLTARAM PARA O LOCAL DE ONDE PROVINHA A VOZ. BABY DESCIA A ESCADARIA DA MANSÃO, DE CAMISA ESPORTE E CALÇA JEANS.

OTTO  -  (quebrou a dramaticidade do momento) Olá, Baby! Já estava estranhando a sua falta. Julguei que não vinha mais...

BABY SENTOU-SE, TRANQUILAMENTE, NO LUGAR QUE LHE FÔRA RESERVADO PELO PAI.

BABY  -  É. Eu me atrasei um pouco porque... não encontrei o meu smoking.

LIBERATO CONTINUAVA DE PÉ. AGORA, COM AS FEIÇÕES MENOS RÍGIDAS. ERA COMO SE UM PESO ENORME TIVESSE SIDO AFASTADO DE SEU PEITO CANSADO.

COMENDADOR LIBERATO  -  Bem... eu ia pedir desculpas pela ausência do meu filho. Mas, já que ele chegou... podemos iniciar o jantar.

ESTER  -  (ao lado de Bárbara, comentou) Parece que o Comendador quer nos manter em suspense até o fim do jantar. E isso vai fazer mal a muita gente.

BÁRBARA  -  A mim, não. Eu até prefiro. Não gosto de tratar de negócios na hora da comida. Dá indigestão...

OTTO  -  (com arrogância) Como é que a senhora sabe que tio Liberato nos chamou aqui para tratar de negócios?

BÁRBARA  -  (zangada) Eu não sei de nada. Imagino.

BABY - (dirigiu-se ao pai) Escute, pai. Pára de tirar onde de Hitchcock. Diz logo pra eles que eu vou ser o Presidente da Companhia.

OTTO NÃO PÔDE DISFARÇAR O CHOQUE.

BÁRBARA  -  (intrometeu-se na conversa) É verdade mesmo, ou é brincadeira?

A FISIONOMIA DOS PRESENTES EXPRESSAVA O INTERESSE PELA DECISÃO DO COMENDADOR.

COMENDADOR LIBERATO  -  Não. Não é brincadeira. Eu reuni vocês aqui para fazer, oficialmente, esta comunicação. Vou renunciar à presidência da Companhia, por motivos de saúde, como todos sabem (olhou para o médico) Dr. Cyro me aconselhou a ter uma vida mais tranquila. Assim, se isso vai ter de acontecer amanhã, que aconteça logo. Quero que Baby, meu filho, assuma a direção da Companhia, no meu lugar.

A NOTÍCIA ACARRETOU UM MURMÚRIO ENTRE OS CONVIDADOS. OTTO BATIA, NERVOSAMENTE, COM A COLHER DE PRATA CONTRA O PRATO. EXALAVA ÓDIO.

BABY  -  (fixando a cara transtornada do primo, com um sorriso irônico) Até parece que o senhor anunciou o falecimento de alguém.

A IRREVERÊNCIA CHOCOU A MAIOR PARTE DOS PRESENTES. LIBERATO PESTANEJOU, NERVOSO. ZORAIDA ESFREGOU AS MÃOS.

ESTER  -  Eu acho uma excelente idéia!

BÁRBARA  -  Eu também. É uma ótima escolha. Se bem que a minha opinião valha pouco... tenho apenas meia dúzia de ações na Companhia...

CATARINA  -  (propôs, em defesa do filho) Quem devia opinar era Otto, que é o segundo acionista da Companhia!

OTTO  -  E o que é que a senhor quer que eu diga, mãe? Não sabe que o tio Liberato tem 60 por cento das ações? O que ele decide é lei!

BABY  -  O primo parece que não está muito de acôrdo.

OTTO  -  Não importa se eu estou ou não de acôrdo... se essa decisão é acertada ou é uma tolice. Numa sociedade anônima, manda quem tem mais ações. Portanto, fim...

COMENDADOR LIBERATO  -  Exatamente. E eu quero que essa assembléia se realize já na próxima semana.

CYRO  -  Bem... eu, na verdade, nada tenho a ver com o assunto. Mas, como o Comendador teve para comigo a deferência de nos convidar, a mim, a minha mãe e a minha avó, faço questão de ser o primeiro a felicitar o novo presidente da Companhia Carbonífera de Valongo.

CYRO ERGUEU A TAÇA NUM BRINDE PESSOAL, SEGUIDO POUCO A POUCO PELOS DEMAIS. O COMENDADOR SORRIU DIANTE DA INICIATIVA INTELIGENTE DO CIRURGIÃO.

O JANTAR PROSSEGUIU, JÁ AGORA NUM CLIMA DE TRANQUILIDADE. APENAS AS EXPRESSÕES VARIAVAM. OTTO, PAULUS E CATARINA ESTAVAM VISIVELMENTE CONTRARIADOS. UMA RUGA IMENSA CORTAVA A TESTA DO ALEMÃO, DE PONTA A PONTA. CATARINA MAL TOCAVA NA COMIDA E PAULUS TROCAVA OLHARES SUCESSIVOS COM SEU PATRÃO. CYRO OBSERVAVA A REAÇÃO DE CADA UM DOS CONVIDADOS. E AS ANOTAVA MENTALMENTE.

OTTO  -  (levantou-se, de repente, lívido)  Desculpem-me... falta-me o ar... com licença!

OTTO RETIROU-SE DA SALA, ACOMPANHADO PELA MÃE.

CATARINA  -  Coitado do meu filho!

BABY  -  Coitado, por que, tia Catarina?

CATARINA  -  (atrapalhou-se) Porque... porque ele não está passando bem! É muito emotivo e doente, vocês sabem.

BABY  -  O caso, agora, é com você, Cyro!

CYRO  -  Se me permitem... com licença!

O MÉDICO AFASTOU-SE DA MESA, ENCAMINHANDO-SE PARA A ANTE-SALA, ONDE OTTO SE ESTICARA NUM DIVÃ.

CYRO  -  Posso ser útil em alguma coisa?

OTTO  -  Estou bem. Não tenho nada! (dirigiu-se à mãe) Mamãe, peça ao Dr. Paulus para levar a senhora e Ester para casa. Dê minhas desculpas aos outros convidados (ergueu-se do divã) Dr. Cyro, me dê licença. Cumprimente a senhora sua mãe.

COM PASSADAS LARGAS E FORTES, O COLÉRICO SUPERINTENDENTE AFASTOU-SE DA CASA DE LIBERATO. ESPUMAVA E O ÓDIO LHE ERA QUASE INCONTROLÁVEL.

ORJANA  -  (preocupada) Houve alguma coisa, filho?

CYRO  -  Não, um pouco de nervoso, apenas.

CATARINA  -  (preocupada) Meu filhinho... ele é muito doente. Nunca pôde sofrer emoções fortes. Sempre teve dessas crises...

CATARINA AFASTOU-SE À APROXIMAÇÃO DA EX-NORA. ESTER SORRIU, COM MEIGUICE, PARA A MÃE DO MÉDICO. ORJANA RETRIBUIU-LHE O GESTO SIMPÁTICO.

CYRO  -  Eu não lhe falei que Ester e eu pretendemos nos casar, mamãe!

ORJANA  -  Não precisava dizer. Eu já sabia que foi a ela... que você escolheu...

CYRO  -  (encarando a mulher) Eu também sabia... mesmo sem a conhecer...

PAULUS OBSERVAVA A CENA, ENCOSTADO À LAREIRA.

ORJANA  -  Só não entendo como... vocês pensam em se casar... vejo as coisas tão difíceis... eu me refiro ao Senhor Otto Muller!

ESTER  -  Eu não sou casada com Otto Muller. Somos separados, legalmente.

ORJANA  -  Consta que você mora na casa dele...

ESTER  -  É engano. Eu ocupo os aposentos superiores na casa dele, porquê tenho de olhar por meu filho.

ORJANA  -  Filho dele?

ESTER NÃO RESPONDEU DE IMEDIATO.

CYRO  -  Claro. Ele ganhou a causa na justiça. Ester não quer deixar a criança. É humano e compreensível.

ORJANA  -  (tentando ser simpática) Eu entendo. Sua situação não é invejável.

O DR. RICARDO APROXIMOU-SE, EM COMPANHIA DA FILHA, TULA.

RICARDO  -  Com licença... Dr. Cyro, eu gostaria de apresentar minha filha, Tula.

CYRO  -  Muito prazer, Tula!

TULA  -  Eu estava curiosa. Ouvi falar muito do senhor, Dr. Cyro Valdez!

FIM DO CAPÍTULO 27

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