Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 27
Participam deste capítulo
Cyro – Tarcísio Meira
Comendador
Liberato - Macedo Neto
Baby -
Claudio Cavalcanti
Zoraida -
Jurema Penna
Ester -
Gloria Menezes
Otto Muller -
Jardel Filho
Orjana -
Neusa Amaral
Bárbara -
Zilka Salaberry
Dr. Paulus -
Emiliano Queiroz
Catarina - Lídia Mattos
Ricardo -
Edney Giovenazzi
Tula -
Lucia Alves
CENA
1 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO
- QUARTO DE BABY -
INTERIOR - NOITE
BABY DORMIA NO SOFÁ, EMBRIAGADO. O ODOR DE ÁLCOOL
EMPESTAVA O AMBIENTE.
ZORAIDA ACENDEU A LUZ E BOTOU A MÃO SOBRE A BOCA, PARA
NÃO GRITAR. ERA DEPLORÁVEL O ESTADO DO FILHO DO COMENDADOR LIBERATO.
ZORAIDA - Baby! Baby! Mas o que é isso! Oh, meu Deus!
Baby!
A GOVERNANTA SACUDIU O RAPAZ COM MÃOS FIRMES, MAS OS
SEUS OLHOS PERMANECIAM CERRADOS. ZORAIDA OLHOU PARA O VASO D’ÁGUA E, SEM
DELONGAS, ATIROU UM JATO CONTRA O ROSTO DO JOVEM.
BABY - (abriu os olhos) Que é isso?
ZORAIDA – Está quase na hora do jantar! Teu pai está
te chamando! E você aqui, neste estado!
BABY - (ameaçando cair no sono outra vez) Eu não vou
a porcaria de jantar nenhum!
ZORAIDA - Não, não volta a dormir, menino!
BABY - (levantou-se, cambaleante) Vai dizer ao velho
que eu não vou jantar coisa nenhuma. Não quero ser presidente de droga nenhuma!
AS ÚLTIMAS PALAVRAS TINHAM CHEGADO AOS OUVIDOS DO
COMENDADOR, DE PÉ À PORTA DO QUARTO.
COMENDADOR LIBERATO
- (ordenou) Me deixe só com ele,
Zoraida.
ZORAIDA - Ele não está bem...
COMENDADOR LIBERATO
- Saia!
LIBERATO ENTROU LENTAMENTE NO APOSENTO. HAVIA UM QUÊ
DE VIOLÊNCIA EM SEUS OLHOS.
COMENDADOR LIBERATO
- Quando é que você vai criar
vergonha? Quando é que você vai ser um homem?
BABY - (ofendido, cuspiu no chão) O que é que o
senhor chama... ser um homem?
COMENDADOR LIBERATO
- Ser uma pessoa responsável,
responder pelos seus atos. Assumir os seus direitos e deveres.
BABY - (assustou o velho com uma gargalhada de
louco) Os meus ou os seus?
COMENDADOR LIBERATO
- Por quê? Você acha que não tem
nenhum?
BABY - Ora, velho! Quer saber de uma coisa? Não
chateia. Vai pro inferno com sua mina, sua Companhia, seus sócios e parentes...
e me esquece, tá bem? Me esquece. Você me esqueceu durante muito tempo. Longos
anos. Por que só agora resolveu se amarrar em mim?
COMENDADOR LIBERATO
- (irritado) Porque você é meu
filho e eu tenho o dever de fazer de você alguém que não me envergonhe.
BABY - É com isso que você se preocupa. Com o seu
nome. Belo nome! Bela porcaria! Comigo mesmo você nunca se preocupou!
COMENDADOR LIBERATO
- (descontrolado, explodiu num
grito histérico) Chega!
BABY - Não vem com grito não, que eu não sou mais
nenhuma criança!
COMENDADOR LIBERATO
- Eu esperava tudo de você, menos
isso. Parece que você nasceu mesmo, predestinado a só fazer o mal àqueles que
só querem o seu bem. A fazer sofrer e...
BABY - E o quê? Continue! Diga o que está pensando!
COMENDADOR LIBERATO
- (tenso) Eu não estava pensando
em nada.
BABY - Estava sim! Você estava pensando que eu matei
minha mãe, quando eu nasci!
COMENDADOR LIBERATO
- (fazendo um gesto com a mão)
Tire isso da cabeça!
BABY - Não posso tirar, porquê sei que você pensa
nisso toda vez que olha para mim!
COMENDADOR LIBERATO
- Não é verdade! Eu não posso
culpar você por isso! Seria uma injustiça, uma loucura! Eu nem me lembro mais
disso!
BABY - (insistia, impiedoso) Lembra sim! Você não
tem coragem de confessar! Mas, no fundo, você sempre se lembra, que eu sei!
COMENDADOR LIBERATO
- Cale essa boca e deixe de dizer
bobagens... eu não vim aqui para discutir esse assunto. Vim só saber se você
vai ou não vai descer para jantar! Como você já sabe, eu recebo hoje, aqui em
casa, os meus amigos e gente da sociedade.
BABY - Não, não vou! Não vou, já disse!
DESESPERADO, O COMENDADOR DEU-LHE AS COSTAS E SAIU DO
QUARTO.
CORTA PARA:
CENA
2 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO
- ANTE-SALA -
INTERIOR - NOITE
PARA O PRESIDENTE DA COMPANHIA DE MINERAÇÃO NOVO
MUNDO, APESAR DE TUDO, ERA UMA NOITE DE GLÓRIA. RECEBIA EM SUA LUXUOSA
RESIDENCIA A NATA DA SOCIEDADE. A IMPRENSA JÁ HAVIA SE REFERIDO AO JANTAR COMO
O ACONTECIMENTO SOCIAL DO ANO.
O COMENDADOR, EM PESSOA, ATENDIA AOS CONVIDADOS NA
ANTE-SALA DO GRANDE SALÃO. GRUPOS SE FORMAVAM, BEBERICANDO E COMENDO
SALGADINHOS. OTTO MULLER CHEGOU, ACOMPANHADO POR ESTER, NUM BELO VESTIDO NEGRO,
E PELA MÃE, CATARINA.
OTTO - Como vai, tio?
COMENDADOR LIBERATO
- Obrigado por terem vindo.
(beijou a ex-esposa do sobrinho) Olá, Ester!
MINUTOS DEPOIS, O CARRO DE CYRO PAROU DIANTE DA PORTA
DO PALACETE. ORJANA E BÁRBARA DESCERAM, AJUDADAS PELO MÉDICO.
COMENDADOR LIBERATO
- (movimentou-se, agitado) Que
prazer!
CYRO ENVERGAVA UM TRAJE A RIGOR, SIMPLES, MAS MODERNO.
OS CABELOS LEVEMENTE DESALINHADOS PELO VENTO DO LITORAL. FÔRA UMA ESTICADA DE
PORTO AZUL A FLORIANÓPOLIS.
CYRO - Como está, Comendador? (fez as apresentações)
Conhece minha mãe?
COMENDADOR LIBERATO
- Oh, sim! E a senhora, Dona
Bárbara, como vai?
BÁRBARA - (mostrou-se viva, como sempre) Estou curiosa
com esse convite...
PAULUS, DANDO CONTA DA PRESENÇA DO MÉDICO, OLHOU
RÀPIDAMENTE PARA ESTER. A MOÇA AINDA NÃO HAVIA PERCEBIDO A CHEGADA DO HOMEM A
QUEM AMAVA.
CYRO - (aproximou-se da mulher) Boa noite, Dona
Ester!
ESTER - (com um gesto imperceptível de cabeça) Boa
noite, Dr. Cyro!
CYRO - Já conhece minha mãe?
ESTER - Sim. Da festa lá de casa.
AS DUAS SE ABRAÇARAM. PAULUS NÃO DESPREGAVA OS OLHOS
DO GRUPO.
COMENDADOR LIBERATO - (chamou a governanta, com um movimento de
mão) Pode mandar servir o jantar. Baby... é aquele fiasco de sempre...
ENQUANTO SE ENCAMINHAVAM PARA A GRANDE MESA, DECORADA
COM FRUTAS E VELAS, OTTO CONVERSAVA COM O PRESIDENTE DAS MINAS.
OTTO - Espero que não leve muito tempo para nos
tirar desse suspense. Essa reunião de família... embora, também, de
estranhos... (olhou para Cyro e Orjana) Deve ter uma justificativa que
interesse a todos nós.
LIBERATO LEVANTOU-SE, SOMBRIO, AR ABATIDO. CYRO
OLHOU-O, PENALIZADO. O COMENDADOR ESFORÇAVA-SE DEMAIS, PARA A GRAVIDADE DO SEU
MAL. AINDA SE ACHAVA EM RECUPERAÇÃO E ERA TOTALMENTE CONTRA-INDICADO O QUE
ESTAVA FAZENDO. OS PRESENTES FIZERAM SILENCIO, PARA OUVIR A PALAVRA DO DONO DA
CASA.
COMENDADOR LIBERATO
- De fato, eu os reuni aqui por
uma razão muito importante. Mas... lamentavelmente... essa razão não existe
mais.
BABY - Boa noite, senhores!
TODOS OS OLHOS SE VOLTARAM PARA O LOCAL DE ONDE
PROVINHA A VOZ. BABY DESCIA A ESCADARIA DA MANSÃO, DE CAMISA ESPORTE E CALÇA
JEANS.
OTTO - (quebrou a dramaticidade do momento) Olá,
Baby! Já estava estranhando a sua falta. Julguei que não vinha mais...
BABY SENTOU-SE, TRANQUILAMENTE, NO LUGAR QUE LHE FÔRA
RESERVADO PELO PAI.
BABY - É. Eu me atrasei um pouco porque... não
encontrei o meu smoking.
LIBERATO CONTINUAVA DE PÉ. AGORA, COM AS FEIÇÕES MENOS
RÍGIDAS. ERA COMO SE UM PESO ENORME TIVESSE SIDO AFASTADO DE SEU PEITO CANSADO.
COMENDADOR LIBERATO
- Bem... eu ia pedir desculpas
pela ausência do meu filho. Mas, já que ele chegou... podemos iniciar o jantar.
ESTER - (ao lado de Bárbara, comentou) Parece que o
Comendador quer nos manter em suspense até o fim do jantar. E isso vai fazer
mal a muita gente.
BÁRBARA - A mim, não. Eu até prefiro. Não gosto de
tratar de negócios na hora da comida. Dá indigestão...
OTTO - (com arrogância) Como é que a senhora sabe
que tio Liberato nos chamou aqui para tratar de negócios?
BÁRBARA - (zangada) Eu não sei de nada. Imagino.
BABY - (dirigiu-se ao pai) Escute, pai. Pára de tirar
onde de Hitchcock. Diz logo pra eles que eu vou ser o Presidente da Companhia.
OTTO NÃO PÔDE DISFARÇAR O CHOQUE.
BÁRBARA - (intrometeu-se na conversa) É verdade mesmo,
ou é brincadeira?
A FISIONOMIA DOS PRESENTES EXPRESSAVA O INTERESSE PELA
DECISÃO DO COMENDADOR.
COMENDADOR LIBERATO
- Não. Não é brincadeira. Eu
reuni vocês aqui para fazer, oficialmente, esta comunicação. Vou renunciar à
presidência da Companhia, por motivos de saúde, como todos sabem
(olhou para o médico) Dr. Cyro me aconselhou a ter uma vida mais tranquila.
Assim, se isso vai ter de acontecer amanhã, que aconteça logo. Quero que Baby,
meu filho, assuma a direção da Companhia, no meu lugar.
A NOTÍCIA ACARRETOU UM MURMÚRIO ENTRE OS CONVIDADOS.
OTTO BATIA, NERVOSAMENTE, COM A COLHER DE PRATA CONTRA O PRATO. EXALAVA ÓDIO.
BABY - (fixando a cara transtornada do primo, com um
sorriso irônico) Até parece que o senhor anunciou o falecimento de alguém.
A IRREVERÊNCIA CHOCOU A MAIOR PARTE DOS PRESENTES.
LIBERATO PESTANEJOU, NERVOSO. ZORAIDA ESFREGOU AS MÃOS.
ESTER - Eu acho uma excelente idéia!
BÁRBARA - Eu também. É uma ótima escolha. Se bem que a
minha opinião valha pouco... tenho apenas meia dúzia de ações na Companhia...
CATARINA - (propôs, em defesa do filho) Quem devia
opinar era Otto, que é o segundo acionista da Companhia!
OTTO - E o que é que a senhor quer que eu diga, mãe?
Não sabe que o tio Liberato tem 60 por cento das ações? O que ele decide é lei!
BABY - O primo parece que não está muito de acôrdo.
OTTO - Não importa se eu estou ou não de acôrdo...
se essa decisão é acertada ou é uma tolice. Numa sociedade anônima, manda quem
tem mais ações. Portanto, fim...
COMENDADOR LIBERATO
- Exatamente. E eu quero que essa
assembléia se realize já na próxima semana.
CYRO - Bem... eu, na verdade, nada tenho a ver com o
assunto. Mas, como o Comendador teve para comigo a deferência de nos convidar,
a mim, a minha mãe e a minha avó, faço questão de ser o primeiro a felicitar o
novo presidente da Companhia Carbonífera de Valongo.
CYRO ERGUEU A TAÇA NUM BRINDE PESSOAL, SEGUIDO POUCO A
POUCO PELOS DEMAIS. O COMENDADOR SORRIU DIANTE DA INICIATIVA INTELIGENTE DO
CIRURGIÃO.
O JANTAR PROSSEGUIU, JÁ AGORA NUM CLIMA DE
TRANQUILIDADE. APENAS AS EXPRESSÕES VARIAVAM. OTTO, PAULUS E CATARINA ESTAVAM
VISIVELMENTE CONTRARIADOS. UMA RUGA IMENSA CORTAVA A TESTA DO ALEMÃO, DE PONTA
A PONTA. CATARINA MAL TOCAVA NA COMIDA E PAULUS TROCAVA OLHARES SUCESSIVOS COM
SEU PATRÃO. CYRO OBSERVAVA A REAÇÃO DE CADA UM DOS CONVIDADOS. E AS ANOTAVA MENTALMENTE.
OTTO - (levantou-se, de repente, lívido) Desculpem-me... falta-me o ar... com licença!
OTTO RETIROU-SE DA SALA, ACOMPANHADO PELA MÃE.
CATARINA - Coitado do meu filho!
BABY - Coitado, por que, tia Catarina?
CATARINA - (atrapalhou-se) Porque... porque ele não está
passando bem! É muito emotivo e doente, vocês sabem.
BABY - O caso, agora, é com você, Cyro!
CYRO - Se me permitem... com licença!
O MÉDICO AFASTOU-SE DA MESA, ENCAMINHANDO-SE PARA A
ANTE-SALA, ONDE OTTO SE ESTICARA NUM DIVÃ.
CYRO - Posso ser útil em alguma coisa?
OTTO - Estou bem. Não tenho nada! (dirigiu-se à mãe)
Mamãe, peça ao Dr. Paulus para levar a senhora e Ester para casa. Dê minhas
desculpas aos outros convidados (ergueu-se do divã) Dr. Cyro, me dê licença.
Cumprimente a senhora sua mãe.
COM PASSADAS LARGAS E FORTES, O COLÉRICO
SUPERINTENDENTE AFASTOU-SE DA CASA DE LIBERATO. ESPUMAVA E O ÓDIO LHE ERA QUASE
INCONTROLÁVEL.
ORJANA - (preocupada) Houve alguma coisa, filho?
CYRO - Não, um pouco de nervoso, apenas.
CATARINA - (preocupada) Meu filhinho... ele é muito
doente. Nunca pôde sofrer emoções fortes. Sempre teve dessas crises...
CATARINA AFASTOU-SE À APROXIMAÇÃO DA EX-NORA. ESTER
SORRIU, COM MEIGUICE, PARA A MÃE DO MÉDICO. ORJANA RETRIBUIU-LHE O GESTO SIMPÁTICO.
CYRO - Eu não lhe falei que Ester e eu pretendemos
nos casar, mamãe!
ORJANA - Não precisava dizer. Eu já sabia que foi a
ela... que você escolheu...
CYRO - (encarando a mulher) Eu também sabia... mesmo
sem a conhecer...
PAULUS OBSERVAVA A CENA, ENCOSTADO À LAREIRA.
ORJANA - Só não entendo como... vocês pensam em se
casar... vejo as coisas tão difíceis... eu me refiro ao Senhor Otto Muller!
ORJANA - Consta que você mora na casa dele...
ESTER - É engano. Eu ocupo os aposentos superiores na
casa dele, porquê tenho de olhar por meu filho.
ORJANA - Filho dele?
ESTER NÃO RESPONDEU DE IMEDIATO.
CYRO - Claro. Ele ganhou a causa na justiça. Ester
não quer deixar a criança. É humano e compreensível.
ORJANA - (tentando ser simpática) Eu entendo. Sua
situação não é invejável.
O DR. RICARDO APROXIMOU-SE, EM COMPANHIA DA FILHA,
TULA.
RICARDO - Com licença... Dr. Cyro, eu gostaria de
apresentar minha filha, Tula.
CYRO - Muito prazer, Tula!
TULA - Eu estava curiosa. Ouvi falar muito do
senhor, Dr. Cyro Valdez!
FIM DO
CAPÍTULO 27
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