quarta-feira, 9 de julho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 29



Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 29

Participam deste capítulo

Cyro – Tarcísio Meira
Inês  -  Betty Faria
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Daniel  -  Paulo Araújo
Gouveia  -  Ivan Cândido
Mulher
Garcia

CENA 1  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  EXTERIOR  -  DIA

DR. CYRO ACABAVA DE COMUNICAR A INÊS O NOVO EMPRÊGO E SE RETIRAVA, DE REGRESSO À RESIDENCIA.

DE REPENTE, O MOVIMENTO NAS IMEDIAÇÕES DA ALDEIA DOS PESCADORES CHAMOU A ATENÇÃO DO MÉDICO. CRIANÇAS E ADULTOS PROCURARAM O ABRIGO DAS CHOUPANAS, COMO SE UM VENTO DOENTIO SE ABATESSE SOBRE O LUGAR. INÊS COMPREENDEU O QUE ESTAVA ACONTECENDO. CORREU EM DIREÇÃO AO MÉDICO QUE SE AFASTAVA. UMA MULHER DIRIGIA-SE PARA ELE. INÊS PARTIU AO SEU ENCONTRO, CORRENDO POR ENTRE O MATO RASTEIRO DA BEIRA-MAR.

INÊS  -  Doutor! Foge dela! Foge dessa mulher!

CYRO  -  (não entendia) Que foi?

A MULHER PAROU DIANTE DELE. ESTÁTICA.

INÊS  -  O marido dela tem aquela doença... que pega... ninguém se aproxima...

CYRO ESTENDEU A MÃO PARA A POBRE SENHORA, DE OLHOS ENCOVADOS E TRISTES.

INÊS  -  (apavorada) Não faz isso, doutô!

CYRO NÃO DEU ATENÇÃO À ADVERTENCIA DA JOVEM. ESTENDEU A MÃO ABERTA PARA A MULHER, ADMIRADA.

CYRO  -  A senhora quer falar comigo?

MULHER  -  Ouvi falar do senhor... meu marido tá morrendo... e não tem vivalma que olhe por ele. Pedi a Deus pra lhe encontrá. Deus me ouviu (beijou as mãos do médico) Salve meu marido, doutô! Salve ele!

CYRO  -  (afável) Vamos lá ver o homem.

VÁRIAS PESSOAS SAÍRAM DE SUAS CHOUPANAS E CASAS DE BARRO, OBSERVANDO A PASSAGEM DO CASAL.

INÊS  -  (se benzeu e comentou com Pé-na-Cova) Viro o Doutô Cyro com a mulhé do Garcia leprento?

PÉ-NA-COVA  -  Que é que ela veio fazê por cá?

INÊS  -  Veio chamá o doutô pra curá ele!

PÉ-NA-COVA  -  E aquilo tem cura?

DANIEL  -  (se juntando aos dois) Tem não. Tá mais é doido. Ninguém se aproxima da casa deles!

PÉ-NA-COVA  -  Se o doutô Cyro foi, a gente deve de ir.

INÊS  -  Vai não! A doença pega!

PÉ-NA-COVA  -  (encarou-a e, segurando-a pelos braços, falou com decisão) Ele já devolveu a vida do teu irmão, não? E a tua também. E tu, agora, tá com medo da doença! Ingratidão! Descrença!

PÉ-NA-COVA ADIANTOU-SE, SEGUINDO OS PASSOS DO MÉDICO. DANIEL DEMOROU-SE, MAS OPTOU PELA SUGESTÃO DO NEGRO.

CORTA PARA:
Mulher, Cyro e Inês

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  CASEBRE DO GARCIA  -  INTERIOR  -  DIA

PAU-A-PIQUE. PALHA. CHÃO DE BARRO BATIDO. À PRIMEIRA IMPRESSÃO DE MISÉRIA TOTAL, SEGUIU-SE A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE. NO SOLO, ENVOLTO EM SACOS DE ESTOPA, O POBRE DOENTE DEBATIA-SE.

CYRO  -  (ajoelhou-se junto ao homem desfigurado) Há quanto tempo  está assim?

MULHER  -  Deu de repente. Faz mais ou menos um ano.

CYRO  -  Foi de um momento para o outro?

MULHER  -  Foi, doutô. Assim, da noite pro dia. Depois que ele cumeu uns camarões estragado, a doença saiu toda do sangue pra fora.

PÉ-NA-COVA E DANIEL APARECERAM NA PORTA, RECEOSOS AINDA. A EXPRESSÃO DO MEDO. A MULHER FOI ATÉ ELES.

MULHER  -  O doutô tá ocupado...

O NEGRO TINHA OS OLHOS MAIS BRANCOS DO QUE NUNCA, PROCURANDO ENXERGAR O INTERIOR DA CHOUPANA.

CYRO  -  (levantou-se e dirigiu-se aos rapazes) Que vieram fazer?

PÉ-NA-COVA  -  Lhe dá uma mão, doutô.

O MÉDICO SORRIU, DESCANSANDO A MÃO NO OMBRO DO MINEIRO.

DANIEL  -  Doutô, num tem medo de pegá a doença?

CYRO  -  (pediu à mulher) Um alfinete... qualquer coisa que espete.

MULHER  -  (retirou da blusa, rasgada, um alfinete de pressão) Serve?

CYRO FEZ QUE SIM COM A CABEÇA. ABRIU-O EM TODA A EXTENSÃO, TRANSFORMANDO-O NUMA LANÇA CURTA. AJOELHOU-SE OUTRA VEZ JUNTO AO DOENTE. OLHOU O ROSTO SOFRIDO.

MULHER  -  Que vai fazê, doutô? Vai espetá ele?

CYRO NÃO RESPONDEU. MOVIMENTOU O BRAÇO E ENFIOU O ALFINETE NAS CARNES ARROXEADAS. O BERRO DO HOMEM ABALOU O CASEBRE.

CYRO  -  (levantou-se) Este homem não é um leproso!

DANIEL  -  (ante o espanto do negro e da mulher) Certeza, doutô?

CYRO  -  (atirou o alfinete fora) Absoluta. Vocês me ajudem a levá-lo (retirou o paletó e arregaçou as mangas da camisa fina) Aqui... peguem por baixo.

OS HOMENS CORRERAM A AJUDÁ-LO.

MULHER  -  O que é que ele tem? O que ele tem? O que é que ele tem?

CYRO  -  (se enervou) Sou médico. Não sou adivinho, minha senhora. Vamos prepará-lo. Tirar esses trapos de cima dele. Muita falta de higiene.

PÉ-NA-COVA  -  Pra onde a gente vai levá ele?

CYRO  -  Para um hospital, é claro. (voltou-se para a mulher) Traga lençóis, se tiver. Panos limpos. Água fervida. (com gesto rápido, puxou a chave do bolso e deu-a a Daniel) Vá correndo até minha casa. Diga à minha mãe que deixe você usar meu carro. Traga-o aqui, imediatamente. E peça álcool e éter. Algodão também.

DANIEL SAIU CORRENDO.

MULHER  -  Como ele tá, doutô?

CYRO  -  Não tenha receio. Ele vai ficar bom.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  CASEBRE DO GARCIA  -  EXTERIOR  -  DIA

NO DIA SEGUINTE, GOUVEIA, O REPÓRTER, ANOTAVA AS PALAVRAS INCOERENTES DA VELHA MULHER.

MULHER  -  Tive um sonho. Essa noite meu falecido pai apareceu pra mim e me disse: procura o homem que chegô do estrangeiro e que faz cura. Ele vai salvá teu marido. Aí, de manhã, saí para a rua, disposta a achá ele. Uma voz me dizia: na praça da igreja. Dito e feito. Ele tava lá. Não me importei com a gente que fugia de mim, com medo de pegá a doença. Ele, o doutô Cyro, num teve medo. Chegô aqui, olhou pro velho e disse: ele vai ficá bom. Tirô o paletó, arregaçô as manga e com suas própria mão lavô, uma por uma, as ferida do meu marido.

GOUVÊIA  -  (admirado) Ele fez isso?

MULHER  -  Fez, moço. Pode escrevê aí. Aquele home é um santo.


FIM DO CAPÍTULO 29

 Na próxima sexta, capítulo inédito!

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