Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 29
Participam deste
capítulo
Cyro – Tarcísio Meira
Inês -
Betty Faria
Pé-na-Cova -
Antonio Pitanga
Daniel -
Paulo Araújo
Gouveia - Ivan
Cândido
Mulher
Garcia
CENA
1 -
PORTO AZUL - PRAIA BONITA
- EXTERIOR - DIA
DR. CYRO ACABAVA DE COMUNICAR A INÊS O NOVO EMPRÊGO E
SE RETIRAVA, DE REGRESSO À RESIDENCIA.
DE REPENTE, O MOVIMENTO NAS IMEDIAÇÕES DA ALDEIA DOS
PESCADORES CHAMOU A ATENÇÃO DO MÉDICO. CRIANÇAS E ADULTOS PROCURARAM O ABRIGO
DAS CHOUPANAS, COMO SE UM VENTO DOENTIO SE ABATESSE SOBRE O LUGAR. INÊS
COMPREENDEU O QUE ESTAVA ACONTECENDO. CORREU EM DIREÇÃO AO MÉDICO QUE SE
AFASTAVA. UMA MULHER DIRIGIA-SE PARA ELE. INÊS PARTIU AO SEU ENCONTRO, CORRENDO
POR ENTRE O MATO RASTEIRO DA BEIRA-MAR.
INÊS - Doutor! Foge dela! Foge dessa mulher!
CYRO - (não entendia) Que foi?
A MULHER PAROU DIANTE DELE. ESTÁTICA.
INÊS - O marido dela tem aquela doença... que
pega... ninguém se aproxima...
CYRO ESTENDEU A MÃO PARA A POBRE SENHORA, DE OLHOS
ENCOVADOS E TRISTES.
INÊS - (apavorada) Não faz isso, doutô!
CYRO NÃO DEU ATENÇÃO À ADVERTENCIA DA JOVEM. ESTENDEU
A MÃO ABERTA PARA A MULHER, ADMIRADA.
CYRO - A senhora quer falar comigo?
MULHER - Ouvi falar do senhor... meu marido tá
morrendo... e não tem vivalma que olhe por ele. Pedi a Deus pra lhe encontrá.
Deus me ouviu (beijou as mãos do médico) Salve meu marido, doutô! Salve ele!
CYRO - (afável) Vamos lá ver o homem.
VÁRIAS PESSOAS SAÍRAM DE SUAS CHOUPANAS E CASAS DE
BARRO, OBSERVANDO A PASSAGEM DO CASAL.
INÊS - (se benzeu e comentou com Pé-na-Cova) Viro o
Doutô Cyro com a mulhé do Garcia leprento?
PÉ-NA-COVA
- Que é que ela veio fazê por cá?
INÊS - Veio chamá o doutô pra curá ele!
PÉ-NA-COVA
- E aquilo tem cura?
DANIEL - (se juntando aos dois) Tem não. Tá mais é
doido. Ninguém se aproxima da casa deles!
PÉ-NA-COVA
- Se o doutô Cyro foi, a gente
deve de ir.
INÊS - Vai não! A doença pega!
PÉ-NA-COVA
- (encarou-a e, segurando-a pelos
braços, falou com decisão) Ele já devolveu a vida do teu irmão, não? E a tua
também. E tu, agora, tá com medo da doença! Ingratidão! Descrença!
PÉ-NA-COVA ADIANTOU-SE, SEGUINDO OS PASSOS DO MÉDICO.
DANIEL DEMOROU-SE, MAS OPTOU PELA SUGESTÃO DO NEGRO.
CORTA PARA:
Mulher, Cyro e Inês |
CENA
2 -
PORTO AZUL - CASEBRE DO GARCIA -
INTERIOR - DIA
PAU-A-PIQUE. PALHA. CHÃO DE BARRO BATIDO. À PRIMEIRA
IMPRESSÃO DE MISÉRIA TOTAL, SEGUIU-SE A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE. NO SOLO,
ENVOLTO EM SACOS DE ESTOPA, O POBRE DOENTE DEBATIA-SE.
CYRO - (ajoelhou-se junto ao homem desfigurado) Há
quanto tempo está assim?
MULHER - Deu de repente. Faz mais ou menos um ano.
CYRO - Foi de um momento para o outro?
MULHER - Foi, doutô. Assim, da noite pro dia. Depois
que ele cumeu uns camarões estragado, a doença saiu toda do sangue pra fora.
PÉ-NA-COVA E DANIEL APARECERAM NA PORTA, RECEOSOS
AINDA. A EXPRESSÃO DO MEDO. A MULHER FOI ATÉ ELES.
MULHER - O doutô tá ocupado...
O NEGRO TINHA OS OLHOS MAIS BRANCOS DO QUE NUNCA,
PROCURANDO ENXERGAR O INTERIOR DA CHOUPANA.
CYRO - (levantou-se e dirigiu-se aos rapazes) Que
vieram fazer?
PÉ-NA-COVA
- Lhe dá uma mão, doutô.
O MÉDICO SORRIU, DESCANSANDO A MÃO NO OMBRO DO
MINEIRO.
DANIEL - Doutô, num tem medo de pegá a doença?
CYRO - (pediu à mulher) Um alfinete... qualquer
coisa que espete.
MULHER - (retirou da blusa, rasgada, um alfinete de
pressão) Serve?
CYRO FEZ QUE SIM COM A CABEÇA. ABRIU-O EM TODA A
EXTENSÃO, TRANSFORMANDO-O NUMA LANÇA CURTA. AJOELHOU-SE OUTRA VEZ JUNTO AO
DOENTE. OLHOU O ROSTO SOFRIDO.
MULHER - Que vai fazê, doutô? Vai espetá ele?
CYRO NÃO RESPONDEU. MOVIMENTOU O BRAÇO E ENFIOU O
ALFINETE NAS CARNES ARROXEADAS. O BERRO DO HOMEM ABALOU O CASEBRE.
CYRO - (levantou-se) Este homem não é um leproso!
DANIEL - (ante o espanto do negro e da mulher)
Certeza, doutô?
CYRO - (atirou o alfinete fora) Absoluta. Vocês me
ajudem a levá-lo (retirou o paletó e arregaçou as mangas da camisa fina)
Aqui... peguem por baixo.
OS HOMENS CORRERAM A AJUDÁ-LO.
MULHER - O que é que ele tem? O que ele tem? O que é
que ele tem?
CYRO - (se enervou) Sou médico. Não sou adivinho,
minha senhora. Vamos prepará-lo. Tirar esses trapos de cima dele. Muita falta
de higiene.
PÉ-NA-COVA
- Pra onde a gente vai levá ele?
CYRO - Para um hospital, é claro. (voltou-se para a
mulher) Traga lençóis, se tiver. Panos limpos. Água fervida. (com gesto rápido,
puxou a chave do bolso e deu-a a Daniel) Vá correndo até minha casa. Diga à
minha mãe que deixe você usar meu carro. Traga-o aqui, imediatamente. E peça
álcool e éter. Algodão também.
DANIEL SAIU CORRENDO.
MULHER - Como ele tá, doutô?
CYRO - Não tenha receio. Ele vai ficar bom.
CORTA PARA:
CENA
3 -
PORTO AZUL - CASEBRE DO GARCIA -
EXTERIOR - DIA
NO DIA SEGUINTE, GOUVEIA, O REPÓRTER, ANOTAVA AS
PALAVRAS INCOERENTES DA VELHA MULHER.
MULHER - Tive um sonho. Essa noite meu falecido pai
apareceu pra mim e me disse: procura o homem que chegô do estrangeiro e que faz
cura. Ele vai salvá teu marido. Aí, de manhã, saí para a rua, disposta a achá
ele. Uma voz me dizia: na praça da igreja. Dito e feito. Ele tava lá. Não me
importei com a gente que fugia de mim, com medo de pegá a doença. Ele, o doutô
Cyro, num teve medo. Chegô aqui, olhou pro velho e disse: ele vai ficá bom.
Tirô o paletó, arregaçô as manga e com suas própria mão lavô, uma por uma, as
ferida do meu marido.
GOUVÊIA - (admirado) Ele fez isso?
MULHER - Fez, moço. Pode escrevê aí. Aquele home é um
santo.
FIM DO
CAPÍTULO 29
Na próxima sexta, capítulo inédito!
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