quinta-feira, 24 de julho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 36


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 36

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Otto  -  Jardel Filho
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Catarina  -  Lidia Mattos
Lia  -  Arlete Salles
Pedrão  - Waldir Onofre
Daniel  -  Paulo Araújo
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga

CENA 1  -  PÁTIO DA ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS  -  EXTERIOR  -  DIA

OS MINEIROS DEIXARAM O SUBSOLO E AGORA SE REUNIAM NO PÁTIO DA ADMINISTRAÇÃO PARA DAR AS BOAS-VINDAS AO NOVO PRESIDENTE. ORGULHOSO, BRINCALHÃO, BABY ERA ABRAÇADO POR TODOS, ENQUANTO SE DIRIGIA DO CARRO ATÉ AOS ESCRITÓRIOS. UM MENINO PRESENTEOU-O COM UM RAMO DE ROSAS VERMELHAS. BABY BEIJOU-LHE A CABEÇA, ENQUANTO LHE DAVA DINHEIRO, DE PRESENTE. MAIS ADIANTE A BANDINHA EXECUTAVA UM DOBRADO.

CORTA PARA:

CENA 2  -  ESCRITÓRIO DA ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS  -  INTERIOR  -  DIA

O PRESIDENTE ENTROU, FINALMENTE, NOS ESCRITÓRIOS DA ADMINISTRAÇÃO. TINHA VIVA NA MEMÓRIA A HUMILHAÇÃO POR QUE PASSARA E AS PALAVRAS GROSSEIRAS DO PRIMO. TUDO AGORA ESTAVA MUDADO. HAVIA FLÔRES EM TODAS AS DEPENDÊNCIAS DO ESCRITÓRIO E O PESSOAL O APLAUDIA, DE PÉ. BABY ENTROU NA SALA DO  SUPERINTENDENTE. RICARDO E OTTO CONVERSAVAM. PAULUS SE MANTINHA CALADO, AO LADO DA JANELA.

OTTO  -  Você... pretende dirigir as minas... daqui?

BABY  -  (notou certa intranquilidade no primo) Daqui, dos escritórios da Companhia, da cidade... até lá de baixo, das galerias... vou dirigir de todos os lugares (notou que os olhos do alemão refletiam ódio) Vamos lá ver os galhos.

BABY AJEITOU-SE NA CADEIRA E COMEÇOU A EXAMINAR A PAPELADA.

OTTO  -  Os... galhos... são muitos...

BABY  -  Vamos lá. Quero saber como está a situação dos mineiros.

RICARDO  -  (interveio, com oportunismo) Ontem, sete mineiros foram despedidos.

BABY  -  Ah, sim, eu soube. Meu primo está querendo fazer economia de operários?

OTTO  -  Não é isso. São sete criminosos. Tentaram matar o capataz.

BABY  -  Está provado que foram eles?

OTTO  -  Bem... os sete negaram na polícia.

BABY  -  (leu, como que pensando alto, a mão enterrada nos cabelos) Hum... são sete, hem! Lucas... Cesário... Daniel... Luís Martins... Pedro... Valdomiro e... Camargo. Muito bem.

BABY OLHOU DISCRETAMENTE PARA O ENGENHEIRO, ENQUANTO PEGAVA DA CANETA E DAVA A ENTENDER QUE ASSINARIA A DEMISSÃO.

OTTO  -  Todos eles teriam direito à indenização, mas o afastamento é por justa causa.

RICARDO  -  Os sete mineiros estão lá fora, aguardando a sua decisão.

BABY  -  (ergueu os olhos para o primo) Taí, é o tipo do negócio que não tenho vontade nenhuma de fazer. Assinar estas carteiras e despedir os homens.

OTTO  -  Mas... é necessário. São... bandidos que amanhã podem fazer o mesmo comigo, com você!

BABY TOMOU A DECISÃO DEFINITIVA ANTE A ESTUPEFAÇÃO DOS PRESENTE, À EXCESSÃO DE RICARDO, QUE ÌNTIMAMENTE CONHECIA O PENSAMENTO DO AMIGO.

BABY  -  Eu não vou assinar. É definitivo!

OTTO  -  (explodiu) Não assinando, você me desautoriza!

BABY  -  Pois eu o desautorizo. Vou readmitir os empregados.

OTTO  -  Mas... por quê? Só pelo prazer de me espicaçar?

BABY  -  Não. Porque... acho que esses homens não merecem ser despedidos. Todos eles tem mais de 10 anos de trabalho, aqui. Enterraram a vida inteira para enriquecer a gente. Muitos estão doentes. Exceto este... Cesário... todos são antigos nas minas (voltou-se para o engenheiro) Readmita todos eles, Dr. Ricardo. Continuam sendo nossos empregados.

RICARDO  -  Os... os sete, Baby?

BABY  -  É. Os sete.

OTTO  -  (berrou) Isto não pode ficar assim!

BABY ENTREGOU-LHE AS CARTEIRAS, ENFIANDO-AS QUASE NAS MÃOS SARDENTAS DO PRIMO.

BABY  -  Manda de volta para o Departamento de Pessoal. (dirigiu-se ao engenheiro) Vá dar a notícia pros homens. E olhe, todo mundo está convidado pra festa de hoje à noite na Associação dos Mineiros, aqui em Valongo. Chope pra todo mundo... (virou-se para o superintendente, que espumava) Alguma objeção?

OTTO  -  Você está brincando com fogo, Baby!

O RAPAZ SORRIU, INDIFERENTE. RETIROU UMA ROSA VERMELHA DO RAMO SOBRE A MESA E CHEIROU-A, ALHEIO AO ÓDIO QUE SE REFLETIA NAS FEIÇÕES DO HUMILHADO SUPERINTENDENTE DA COMPANHIA.

CORTA PARA:


CENA 3  -  PÁTIO DA ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS  -  EXTERIOR  -  DIA

COM OS OLHOS VIDRADOS NA PORTA DA ADMINISTRAÇÃO, OS SETE MINEIROS AGUARDAVAM A ENTREGA DAS CARTEIRAS PROFISSIONAIS COM A ANOTAÇÃO DE SAÍDA, SEM DIREITO A NADA. PEDRÃO AVISTOU A PORTA ABRIR-SE E O ENGENHEIRO DIRIGIR-SE A ELES, EM PASSOS APRESSADOS.

PEDRÃO  -  Cadê as nossas carteira?

RICARDO  -  (não podia controlar a satisfação) Vocês... estão readmitidos!

OS HOMENS EMPALIDECERAM E, COMO ACIONADOS POR UM SÓ DISPOSITIVO, EXPLODIRAM NUM GRITO DE ALEGRIA.

DANIEL  -  Verdade mesmo, doutô?

RICARDO  -  Verdade!

PÉ-NA-COVA  -  (bradou) Viva o novo Presidente da Companhia!

O CÔRO ACOMPANHOU-O, SEGUIDO POR CENTENAS DE OUTROS MINEIROS ESPALHADOS PELO PÁTIO DA ADMINISTRAÇÃO.

MINEIROS  -  Viva!

RICARDO  -  Atenção, pessoal! Atenção! Olhem! O novo presidente da Companhia convida vocês todos para a festa de hoje à noite na sede da Associação. Não quer que ninguém falte!

OS HOMENS EXPLODIRAM NUM URRO ENSURDECEDOR.

CORTA PARA:

CENA 4  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE.

ENQUANTO A FESTA CHEGAVA AO AUGE, NA ASSOCIAÇÃO DOS MINEIROS, A VELHA CATARINA, ACOMPANHADA, COMO SEMPRE, PELA SECRETÁRIA DO FILHO, DECIDIU AVISTAR-SE COM O COMENDADOR, SEU IRMÃO.

O VELHO MILIONÁRIO RECEBEU-A, COM FRIEZA.

COMENDADOR LIBERATO  -  (sem interesse) O que a traz aqui?

CATARINA  -  Você não foi à festa... da posse do seu filho?

COMENDADOR LIBERATO  -  Você sabe que sou um homem doente, minha irmã. Mas o que aconteceu com vocês para virem aqui a estas horas?

LIA  -  Estamos muito preocupadas, comendador.

COMENDADOR LIBERATO  -  Ora essa, com quê?

LIA  -  Com a sorte do Sr. Otto.

COMENDADOR LIBERATO  -  Como assim?

CATARINA  -  (com um gesto antipático) Não se faça de ingênuo. Você sabe muito bem a que nós nos referimos, Augusto. Queremos saber se você pretende prejudicar meu filho.

COMENDADOR LIBERATO  -  Catarina, não sei o que você entende por prejudicar. Acho que no caso o maior prejudicado fui eu. Dei carta branca ao seu filho e ele estava transformando as minhas minas quase numa senzala. Oprimindo os empregados para tirar vinganças pessoais...

LIA  -  Se o senhor está se referindo ao caso dos sete mineiros, deve ter sido mal informado. Eles são acusados de terem tentado matar um capataz.

COMENDADOR LIBERATO  -  E por que fizeram isso? Porque o capataz usava com eles a mesma violência...

CATARINA  -  Você defende os agressores?

COMENDADOR LIBERATO  -  Não, não. Em absoluto. Mas quero acusar Otto de ter iniciado esta questão. E não foi o primeiro caso. Sou contra as atitudes extremas de Otto. Sou contra os métodos que ele usa para lidar com os empregados.

CATARINA  -  (contorcia-se em ira) Muito bem. Você já disse claramente o que pensa a respeito do meu filho. Agora eu quero saber também, honestamente, o que você pretende fazer com relação a ele.

COMENDADOR LIBERATO  -  (com sinceridade) Preciso dele. Fora seu gênio, é um homem de trabalho, bom administrador, reconheço. Seu cargo será o mesmo, é evidente, porém...

LIA  -  Porém?

COMENDADOR LIBERATO  -  Não com a mesma força de antes. Ele apenas receberá ordens.

O ROSTO DA VELHA SE TRANSFORMOU NUMA MÁSCARA DE RAIVA. REMEXEU, COM MÃOS NERVOSAS, O FUNDO DA BOLSA DE COURO. RETIROU UM PAPEL AMARELADO PELO TEMPO.

CATARINA  -  Pois muito bem, Augusto. Eu vim lhe trazer isto... uma carta do nosso pai... para você relembrar certas coisas.

COMENDADOR LIBERATO  -  (tomou-lhe a carta, apreensivo) O que é?

CATARINA  -  Jamais mostrei a você e nunca mostrarei a ninguém. Leia. Faço uso dela... em último recurso... quase em desespero de causa... para que você saiba... para que tenha absoluta certeza... de que meu filho não será afastado do cargo... e deve continuar com a mesma força de antes.

À MEDIDA QUE LIA A CARTA, O COMENDADOR FICAVA PÁLIDO, LÍVIDO COMO ALGUÉM SURPREENDIDO POR UM FANTASMA. ALGO DE MUITO IMPORTANTE ESTAVA ENCERRADO NAS LINHAS ESCRITAS POR UM HOMEM HÁ MUITOS ANOS ATRÁS. O TRUNFO DA VELHA CATARINA PARECIA SER DEFINITIVO.

CORTA PARA:

CENA 5  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO DO COMENDADOR  -  INTERIOR  -  DIA.

DOIS   DIAS   DEPOIS,  BABY,  COM  AS  VESTES  SUJAS  DE CARVÃO,   PROCUROU O PAI, NERVOSAMENTE.

BABY  -  Preciso falar com o senhor.

COMENDADOR LIBERATO  -  Esteve nas minas?

BABY  -  Estive lá e me disseram que Otto continua dando aquelas ordens absurdas dele. Eu vou botar ele pra correr. É isto que vim avisar.

COMENDADOR LIBERATO  -  Sente-se, meu filho. Queria mesmo lhe falar sobre isso.

BABY  -  Há algum impedimento? Como é esse negócio de acionista? Me explica, não saco nada. Se ele não pode ser jogado fora, a gente dá umas férias pra ele, ou licença, pra nunca mais voltar.

COMENDADOR LIBERATO  -  Não pode ser assim, Baby!

BABY  -  Não pode como? Não tínhamos combinado que a primeira coisa que eu ia fazer era dar um chute no Otto?

COMENDADOR LIBERATO  -  Você não pode dar chute nele. Você não pode fazer nada disso...

BABY  -  (intrigado, curioso) Mas, por quê?

COMENDADOR LIBERATO  -  Porque... porque você ainda não tem experiência de direção... depende muito dele. Pelo menos no princípio...

BABY  -  Ricardo está me assessorando. Ele entende das minas muito mais do que Otto!

COMENDADOR LIBERATO  -  Entende de minas... não de dirigir uma Companhia, Baby!

BABY  -  (espalmou as mãos sobre as pernas) Bom... então volta tudo à estaca zero! Este espalhafato todo pra eu assumir a direção e depois as coisas voltam a ser as mesmas de antes!

COMENDADOR LIBERATO  -  Ainda dependemos de Otto. Convença-se disso e... assunto encerrado!

BABY  -  (colérico) Essa não! Essa não! Vai me dizer que ele vai ter a mesma autoridade de antes?

COMENDADOR LIBERATO  -  (o rosto sombrio como se noticiasse a morte de um parente) Sim. Otto tem de continuar com a mesma força de antes. É claro que você pode lhe cortar uns excessos... mas as coisas... não podem ser mudadas como pensávamos... assim... tão de repente. Tão... radicalmente.

SEM MAIS PALAVRAS, O VELHO COMENDADOR AFASTOU-SE DA SALA, IGNORANDO A REAÇÃO VIOLENTA DO FILHO. BABY ATIROU NO CHÃO UM VASO DE CRISTAL QUE ADORNAVA O CENTRO DA MESINHA DE MÁRMORE.

FIM DO CAPÍTULO 36




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