quinta-feira, 10 de julho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 30


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 30

Participam deste capítulo

Ester  -  Gloria Menezes
Júlia  -  Ida Gomes
Lia  -  Arlete Sales
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Catarina  -  Lidia Matos
Zoraida  -  Jurema Penna
Otto  -  Jardel Filho
Coice de Mula  -  Dary Reis
Pedrão  -  Waldir Onofre
Daniel  -  Paulo Araújo
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Cesário  -   Carlos Eduardo Dolabela
Ricardo  -  Edney Giovenazzi

CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO DE ESTER  -  INTERIOR  -  DIA

A PORTA DO QUARTO DE ESTER SE ABRIU E LIA ENTROU. A MULHER FUZILOU-A COM OS OLHOS.

LIA  -  Preciso falar com você!

ESTER  -  Não tenho nada o que lhe falar.

LIA  -  (com sarcasmo) Você sabe que tem!

ESTER  -  Não me venha dizer que está morrendo de amores por Otto e que eu sou um estorvo à sua felicidade.

LIA  -  É isso mesmo o que está acontecendo. Depois que você veio morar aqui, as coisas mudaram entre nós. Ele pretendia se casar comigo, antes de você chegar!

ESTER  -  Ora! Eu não empato seus amores! Podem se casar, podem fingir que se amam, podem ir até pro céu ou pro inferno, eu não tenho nada com isso!

LIA  -  (chegou perto da mulher a quem detestava) O que quer para sair desta casa?

ESTER  -  Apenas o direito de levar meu filho. Consiga isso com o seu querido Otto e eu deixarei o caminho livre para você se entregar a... (riu com ironia) essa paixão que pode explodir dentro do seu peito.

LIA  -  (estreitou os lábios, irada) Por que lhe parece absurdo que eu tenha paixão por Otto? Não é um homem como outro qualquer?

ESTER  -  Ora, Lia, não me obrigue a falar claro. Você está apenas interessada numa boa posição, no dinheiro dele.

LIA  -  E se você estiver enganada?

ESTER  -  Você é uma mulher normal, não me convence do contrário.

LIA  -  Mas eu o amo. Amo Otto como nunca pensei amar ninguém.

ESTER  -  Então você é desequilibrada como ele!

LIA  -  Vou fazer a tentativa de resolver as coisas por bem. Conversarei com Otto a respeito de lhe entregar o menino.

ESTER  -  Se conseguir, será um favor. Se não conseguir, vou lutar com as minhas armas, contra ele...

LIA DEIXOU O QUARTO. MAIS QUE DEPRESSA, ESTER VOLTOU AOS RECORTES. QUALQUER COISA LHE ESTALOU NA CABEÇA.

ESTER  -  Júlia!

A SECRETÁRIA ENTROU, COM IVANZINHO.

JÚLIA  -  Pronto!

ESTER  -  Tive uma ideia. Vou procurar a mãe de Otávio, Dona Cândida Sales.

JÚLIA  -  A mãe do aviador assassinado? Mas para quê? Vai arranjar complicações!

ESTER  -  (cheia de malícia) Vou com cuidado. Sei o que devo fazer.

JÚLIA  -  Mas... o que pretende, com a visita?

ESTER  -  Pode ser que Otávio lhe tenha feito confidências antes de morrer. Isto me ajudaria muito.

PEGANDO DA BOLSA, ESTER DIRIGIU-SE PARA A PORTA.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

BABY, DE PERNAS PARA O ALTO, APOIADAS NO PEITORIL DA JANELA, CONVERSAVA AO TELEFONE COM UMA GAROTA, ENQUANTO NA VITROLA TOCAVA UM ANIMADO DISCO DOS ROLLING STONES.

BABY  -  Não brinca... essa não... é dose pra cavalo!

VIU QUANDO CATARINA PASSOU POR ELE E DESLIGOU A RADIOVITROLA.

CATARINA  -  Que pouca vergonha!

BABY  -  (despediu-se da vozinha fina do outro lado da linha) Depois falo contigo. Tenho uma coisinha de família pra resolver. É. A gente se encontra depois... (jogou o fone no gancho e se levantou) Não gosta de música, é, tia?

CATARINA  -  Desse tipo, não!

SEM AVISO PRÉVIO, O RAPAZ DESARRUMOU O PENTEADO DA VELHA.

BABY  -  Também não gostei do seu penteado!

CATARINA  -  É isso que você pretende fazer com os seus empregados quando não gostar de alguma coisa?

BABY  -  (deu um salto sobre a poltrona, caindo de pernas cruzadas e mãos nos braços de couro) Não é isso que meu primo Otto faz?

CATARINA  -  Otto sabe o que faz! Não é você! Para isso trabalhou durante muitos anos até chegar ao lugar que ocupa. Ele não recebeu o cargo de mãos beijadas!

BABY  -  De mãos beijadas, não. Ele lutou muito (enumerou pelos dedos) roubou, matou, fez o diabo! Ah, isso fez!

A GOVERNANTA TENTOU CHAMAR A ATENÇÃO DO JOVEM PARA OUTRO ASSUNTO, EVITANDO A CRISE QUE SE DELINEAVA.

ZORAIDA  -  Baby... o carro...

BABY  -  (não lhe deu confiança) Não é verdade? Então a família não sabe o que ele fez com o pai de Ester, pra ficar no lugar dele? O velho era o superintendente da Companhia, não era? Ou vocês pensam que eu era tão criança, não via as coisas? Otto passou uma bela rasteira no velho. Mandou o coitado pra cadeia. O desgraçado se matou, de vergonha. O caso não veio a público para encobrir as falhas da família. Não se esqueça que sou da família...

CATARINA  -  (fuzilava de raiva) Tudo isso é um amontoado de mentiras! Só podem sair de uma cabeça desmiolada como a sua! Meu irmão estava maluco quando resolveu passar a você o cargo da presidência!

BABY SE PÔS DE CABEÇA PARA BAIXO, ESTICANDO AS PERNAS ANTE O OLHAR DESAPROVADOR  DA VELHA. VOLTOU À POSIÇÃO NORMAL, VERMELHO.

BABY  -  Olha, até que eu não queria, viu? Mas agora eu quero. E faço questão de tomar posse logo. Vou fazer miséria dentro da Companhia! Otto vai ter que rebolar!

CATARINA  -  (com os olhos brilhando de raiva) É o que veremos! Otto vai ter de tomar uma atitude! Você não tem maturidade nem responsabilidade para assumir um cargo tão elevado. Você é um irresponsável total! Um inconsequente. Você não presta!

BABY  -  (ria cômicamente, fazendo caretas) Oi, tia... Oi... Obrigado, obrigado. A gente vai ver quem é que não presta na família. A gente vai ver. Legal! Legal!

CATARINA  -  (espumava de ódio) Você ainda não assumiu. Vai haver a assembleia. Até lá muita coisa pode acontecer!

Paulus (Emiliano Queiroz) e Catarina (Lidia Mattos)

CORTA PARA:

CENA 2  -  MINAS  -  INTERIOR  -  DIA

O ELEVADOR DESCIA MOROSO PARA O FUNDO DA TERRA, LEVANDO OTTO MULLER E SEU CAPATAZ.  LÁ EMBAIXO, OS MINEIROS CONVERSAVAM PARA AMENIZAR A DUREZA DO TRABALHO.

PEDRÃO  - Foi milagre mesmo?

PÉ-NA-COVA  -  Quem pode dizê? A gente só sabe que foi o Doutô Cyro olhá pro home e a doença deixou de sê doença ruim...

DANIEL  -  Isso foi. Pode num tê curado na hora... mas deixou de sê doença ruim.

CESÁRIO  -  Tu não se trata direito, pra vê se o Doutô Cyro te cura. Teus pulmão tá arrebentado.

PEDRÃO  -  Home discrente taí!

PÉ-NA-COVA  -  (em tom de brincadeira) Bem que ele beija seus santinho de noite. Tá morando lá em casa. Eu vi.

CESÁRIO  -  Beijei foi o retrato da minha namorada. E aquilo num é santo, nem aqui nem no inferno.

O SILENCIO MOMENTÂNEO FOI INTERROMPIDO PELA CHAGADA DO SUPERINTENDENTE E DO CAPATAZ.

COICE DE MULA  -  Pro trabalho, gente! Pro trabalho! Vamos largá de papo!

CESÁRIO OLHOU DE SOSLAIO PARA O CAPATAZ, ENQUANTO PEDRÃO ENVIAVA UM OLHAR DESAFIADOR AO SUPERINTENDENTE.

PEDRÃO  -  Que milagre, patrão! O senhor aqui, no nosso inferno...

OTTO  -  (olhou-os com arrogância) Vim ensinar vocês a trabalhar como gente!

PEDRÃO  -  E a gente é animal?

HOUVE UM PRINCÍPIO DE RISO GENERALIZADO.

OTTO  -  (irado) Calem-se! (retirou o paletó e atirou-o contra o rosto de Pedrão) Este aqui não sabe nem pegar numa pá! (com raiva arrancou a pá das mãos de Martins) Não te ensinaram que era assim? (enterrou-a no carvão despedaçado) Reforcem essas vigas se não querem morrer soterrados! Depois nos obrigam a pagar indenizações às viúvas! Ao trabalho, vamos!

OS HOMENS COMEÇARAM A TRABALHAR, ATIVAMENTE.

OTTO APANHOU O PALETÓ, PENDURANDO-O NO BRAÇO E TOMOU O ELEVADOR, VOLTANDO LÁ PARA CIMA. EM TODAS AS GALERIAS, OS HOMENS PARAVAM, POR INSTANTES O TRABALHO, PARA AMALDIÇOAR A PRESENÇA DO HOMEM NO INTERIOR DA TERRA.

COICE DE MULA  VIU QUE OTTO PROCURAVA ALGUMA COISA NO BOLSO DO PALETÓ.

COICE DE MULA  -  Que foi, patrão?

A SUBIDA HAVIA CHEGADO AO FIM E JÁ SE PREPARAVAM PARA DEIXAR O ELEVADOR.

OTTO  -  Perdi lá embaixo a minha carteira. Volta pra buscá-la.

COICE DE MULA  -  (entendeu a manobra) Perdeu?

OTTO  -  Ou me roubaram... Se não a encontrar, traga aquele negro que segurou meu paletó.

ENQUANTO O CAPATAZ MANOBRAVA O ELEVADOR E SE INTERNAVA NAS GALERIAS, RICARDO APROXIMOU-SE DO SUPERINTENDENTE.

RICARDO  -  Telefonaram há pouco de sua casa. Dona Catarina está aflita. Disse que o senhor há dois dias não aparece...

OTTO  -  Minha mãe deve ter feito disso uma tragédia. Ah, as mães são sempre exageradas!

DIRIGIRAM-SE AMBOS PARA OS ESCRITÓRIOS DA ADMINISTRAÇÃO.

CORTA PARA:

CENA 3  -  MINAS  -  INTERIOR  -  DIA

PEDRÃO  -  (sem entender) Carteira de quê? De dinheiro?

COICE DE MULA  -  (simulava preocupação) Ninguém viu, por aqui?

OLHOU O CHÃO, VASCULHANDO-O COM OS OLHOS, REMOVENDO MONTES DE PÓ, COM AS BOTINAS IMUNDAS.

PÉ-NA-COVA  -  Ninguém.

COICE DE MULA  -  Me ajudem a procurar, seus pestes!

CESÁRIO  -  Que é que tá acontecendo? Por que não deixam a gente trabalhá direito? Em paz?

COICE DE MULA  -  (falou-lhe, num cochicho) O homão tá uma fera. Tem de ser agora.

CESÁRIO  -  (confidenciou) O homão me dá enjoo, náusea...

COICE DE MULA  -  Quer perdê o emprego, seu idiota? (avizinhou-se de Pedrão) Você, venha comigo!

PEDRÃO  -  Eu? Pra quê?

COICE DE MULA  -  Tou mandando, não tou?

PEDRÃO SEGUIU-O, DESCONFIADO.

FIM DO CAPÍTULO 30

 ...e na próxima terça. capítulo inédito!

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