domingo, 31 de agosto de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 52


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 52

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Tula  -  Lucia Alves
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabela
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Dr. Avelar  - Álvaro Aguiar
Conceição  -  Zeni Pereira


CENA 1  -  FLORIANÓPOLIS  -  VILA DOS MINEIROS  -  PRAÇA  -  EXTERIOR  -  NOITE

A NOITE COBRIA DE SOMBRAS TODA A REGIÃO DE VALONGO. OS MINEIROS, EM SUAS CHOUPANAS, OU NAS CASAS DE MADEIRA ERGUIDAS PELA COMPANHIA, PREPARAVAM-SE PARA O SONO REPARADOR.

DE REPENTE, A PORTA DO AMBULATÓRIO SE ABRIU E O JATO DE LUZ QUEBROU A ESCURIDÃO. TULA SAIU A PASSOS APRESSADOS DO AMBULATÓRIO E DIRIGIU-SE À BIROSCA DA PRACINHA. AVISTOU O HOMEM A QUEM PROCURAVA. CESÁRIO DESVIOU O OLHAR, INDIFERENTE, FINGINDO NÃO TER RECONHECIDO A MOÇA. A FILHA DO ENGENHEIRO DEFRONTOU-SE COM O CAPATAZ. HAVIA QUALQUER COISA DE AMEAÇADOR EM SEUS OLHOS NEGROS. ÓDIO OU DESESPERO, TALVEZ.

TULA  -  (com as mãos nas cadeiras) É preciso pedir audiência para falar com o grande capataz?

CESÁRIO  -  Olha aqui, ilustre e grande é a sua avó (bebeu um gole de cerveja) Me deixa em paz!

TULA  -   (tocou-lhe o braço forte) Venha comigo de carro. Preciso muito falar com você.

CESÁRIO  -  (voltou-se para o carro-esporte parado na extremidade oposta da praça dos mineiros) Não quero entrar na geringonça do teu pai. Se tem alguma coisa a me dizer, diga aqui mesmo. (voltou-lhe as costas, enchendo o copo de cerveja) E rápido que eu estou com pressa.

ERA DEMAIS PARA A JOVEM AUDACIOSA E ALTIVA.

TULA  -  (falou com a voz embargada pelo ódio e pelo amor que a consumia) Olha, seu... convencido de uma figa! O que você está pensando? Que é alguma coisa na vida só porque conseguiu a porcaria de um posto de capataz? Pois fique sabendo que eu te detesto! Eu quero te ver no fundo de um poço! Quero que você morra!

CESÁRIO PERMANECIA INDIFERENTE, DISTANTE.

CESÁRIO  -  Terminou?

TULA  -  Não. Não terminei. Quero te dizer ainda que se eu quiser... eu te domino como um cachorrinho. Você está fingindo... e muito mal... que me odeia! No fundo... está louco pra se amarrar em mim! (mudou o tom e se aproximou ainda mais) Vem comigo! A gente vai falar com meu pai. Eu estou disposta a me casar com você.

CESÁRIO  -  (ironizou) Ah... você tá querendo casar comigo, não é?

TULA  -  Estou! (confessou, apaixonada, olhos semicerrados) Eu faço tudo o que você quiser... tudo! Me caso até amanhã, se você está disposto!

CESÁRIO  -  Acontece, Dona Gertrudes... que agora eu não te quero. Nem pintada. (recordava das atitudes hostis do pai da mulher que se oferecia) Nem coberta de ouro em pó. Nem... nem rastejando... nem se humilhando... Quero... é que você me esqueça, tá?

AFASTOU-SE PARA UM CANTO DISTANTE, ENQUANTO TULA FERVIA DE ÓDIO E DE DESESPÊRO. SAIU CORRENDO DO INTERIOR DA BIROSCA.

O AUTOMÓVEL DERRAPOU AO FAZER A CURVA PARA ENTRAR NA ESTRADA DE ACESSO À CIDADE. AS LÁGRIMAS CAÍAM-LHE INCONTIDAS.

APENAS OS RAIOS LUMINOSOS DOS FARÓIS ROMPIAM O NEGRUME DA ESTRADA. O CARRO DESENVOLVIA UMA VELOCIDADE ALUCINANTE. E TULA MAL PÔDE PRESSENTIR QUE O VULTO NEGRO NÃO TERIA TEMPO DE SE AFASTAR DA PISTA. O CARRO PEGOU-O, LEVANTANDO-O COMO UM SACO DE PAPEL. E O CORPO, PASSANDO SOBRE A CAPOTA ESCORREGADIA, ESPARRAMOU-SE NA ESTRADA ASFALTADA. ERA UM MONTE DE OSSOS PARTIDOS E CARNES ENSANGUENTADAS, MAS RESPIRAVA AINDA; NOS ESTERTORES DA MORTE.

CORTA PARA:

CENA 2  -  VILA DOS MINEIROS  -  ESTRADA  -  EXTERIOR  -  NOITE

O GRUPO OLHAVA CURIOSO O HOMEM ATROPELADO. UM DOS MINEIROS RECONHECEU-O.

MINEIRO  -  Virge mãe! É o Vicentão! Ele é detonador na Panorama, essa mina que tão abrindo, agora, perto daqui. Um negro e tanto. Amigo, trabalhador!

CESÁRIO  -  (ordenou, percebendo que o acidentado ainda respirava) Corre, vai avisar à família dele! Eu vou correndo buscar socorro!

CORTA PARA:

CENA 3  -  FLORIANÓPOLIS  -  HOSPITAL  -  SALA DE CIRURGIA  -  INTERIOR  -  DIA

DR. CYRO VALDEZ OLHAVA O TRAÇADO DO ELETROCARDIOGRAMA. AO LADO DA EQUIPE DE CIRURGIÕES QUE CHEFIAVA. ESTENDIDO SOBRE A MESA O CORPO DO NEGRO ERA UMA MASSA DISFORME. O MÉDICO EMITIU O PARECER DEFINITIVO.

CYRO  -  Ausência de qualquer onde de estímulo cerebral.

DR. AVELAR  -  E a imunologia diz que o coração é de tipo semelhante ao de Otto Muller.

OS CIRURGIÕES ENTREOLHARAM-SE.

CYRO  -  A mãe dele foi chamada?

CORTA PARA:
Tula e Cesário

CENA 4  -  HOSPITAL  -  SALA DE ESPERA  -  INTERIOR  -  DIA

EM POUCOS MINUTOS A VELHA CONCEIÇÃO, NEGRA JÁ IDOSA, COM O ANDAR CANSADO E CORPO BALOFO, ENTRAVA NO HOSPITAL. NA SALA DE ESPERA, CYRO FOI AO SEU ENCONTRO.

CONCEIÇÃO  -  Qué dizê, douto... que ele tá morto? Meu filho tá morto?

CYRO  -  Eu quero que a senhora entenda bem, o coração dele ainda bate, ele era um homem forte... mas o cérebro não possui mais nenhum estímulo... isto é... está morto. Clìnicamente morto, minha senhora (segurava carinhosamente as mãos da pobre negra) Ele está cerebralmente morto. A senhora entende?

CONCEIÇÃO  -  (entre soluços) E isso num tem jeito?

CYRO  -  Infelizmente, não. Se houvesse a mais remota possibilidade de salvação, eu não lhe pediria o que estou pedindo.

CONCEIÇÃO  -  Eu não tou entendendo o que o sinhô qué de mim... o sinhô podia me dizê mais claro, doutô?

CYRO  -  É o seguinte, Dona Conceição. Há um homem, cuja vida pode ser salva, graças ao coração de seu filho. Se a senhora der permissão, neste momento, nós faremos um transplante do coração dele para o peito daquele homem (apontou para Otto Muller deitado na cama de ferro) e a senhora terá salvo uma vida.

CONCEIÇÃO  -  o sinhô qué tirá o coração do meu filho?

CYRO  -  Isso mesmo.

CONCEIÇÃO  -  Mas isso é maldade, doutô!

CYRO  -  pelo contrário, Dona Conceição. Será um gesto magnífico de sua parte. A senhora vai salvar a vida de um homem e o coração de seu filho vai continuar pulsando no peito de Otto Muller.

CONCEIÇÃO  -  E se eu não consenti?

CYRO  -  Bem... se a senhora se opuser... este homem vai morrer. E o seu filho também. Então, Dona Conceição, que é que a senhora resolve?

ALGUM TEMPO DEPOIS, FINALMENTE, CYRO VALDEZ CONSEGUIRA CONVENCER A MULHER. DONA CONCEIÇÃO COMPREENDERA A INUTULIDADE DE SE MANTER NUMA NEGATIVA IRREVOGÁVEL. SEU FILHO ESTAVA MESMO MORTO E NADA MAIS RESTAVA DELE A NÃO SER A SAUDADE DE SUA PRESENÇA NA TERRA.

NO CONSULTÓRIO, CYRO COLOCOU O DOCUMENTO, EM PAPEL TIMBRADO SOBRE A MESA DE AÇO.

CYRO  -  (apontou com o dedo) Basta que a senhora assine aqui embaixo.

CORTA PARA:

CENA 5  -  HOSPITAL  -  SALA DE CIRURGIA  -  INTERIOR  -  DIA

A SALA DE CIRURGIA, ILUMINADA, AINDA SE ACHAVA VAZIA. AGORA OS ENFERMEIROS CHEGAVAM E COMEÇAVAM OS PREPARATIVOS PARA A GRANDE INTERVENÇÃO. OS INSTRUMENTOS ESTERILIZADOS, PANOS, ALGODÃO, AMPOLAS DE INJEÇÃO. TUDO EM ORDEM. AO LADO, O APARELHAMENTO DE CONTROLE.

O CORPO DE OTTO MULLER ENTROU NUM CARRINHO, ENVOLTO NUMA BATA BRANCA, ENQUANTO O DO NEGRO APARECIA SEGUNDOS DEPOIS. FICARAM LADO A LADO. DE UMA MACA PENDENDO A MÃO BRANCA DE OTTO MULLER. DA OUTRA, A MÃO NEGRA, COM FUNDOS TALHOS SUTURADOS.

CYRO VALDEZ OLHOU PARA O ANESTESISTA E AGUARDOU A ORDEM. OTTO DORMIA PROFUNDAMENTE. MAS PODERIA ACORDAR PARA A VIDA. VICENTÃO DEIXARA DE EXISTIR HÁ VÁRIAS HORAS. E NÃO ACORDARIA PARA NADA.

CORTA PARA:

CENA 6  -  FLORIANÓPOLIS  -  CASA DE RICARDO  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA 

RICARDO ATIROU A CHAVE DO CARRO SOBRE A MESA E DEPAROU COM O OLHAR AFLITO DA FILHA.

TULA  -  Viu o seu carro?

O ENGENHEIRO FRANZIU A TESTA, PREOCUPADO. SABIA QUE TULA NÃO TINHA DORMIDO DURANTE A NOITE PASSADA. OUVIRA SEUS PASSOS INCESSANTES, DENTRO DO QUARTO, DESDE AS PRIMEIRAS HORAS DA MADRUGADA.

RICARDO  -  Que foi que houve?

TULA  -  (falou baixo, com a voz arrancada sofridamente do fundo do peito) Eu matei um homem! Apenas isso. Eu matei um homem! Está me ouvindo, pai? Eu matei um homem!

A JOVEM CRISPAVA AS MÃOS, ARRANHANDO COM AS UNHAS A FACE MACIA. RICARDO CORREU ATÉ ELA, ABRAÇANDO-A, COMOVIDO.

RICARDO  -  Calma, Tula! Não fique assim, escute!

TULA  -  Matei! Matei! (gritou, desesperada) Ficou lá, estendido na estrada, e eu fugi!

RICARDO  -  Ele ficou lá... onde?

TULA  -  Na estrada que leva á vila dos mineiros.

O ENGENHEIRO LEMBROU-SE DA CONVERSA OUVIDA DURANTE O EXPEDIENTE MATINAL, SOBRE O ATROPELAMENTO E MORTE DE UM DOS MINEIROS. UM NEGRO.

RICARDO  -  (nervoso) Alguém a viu?

TULA  -  Não. A estrada estava deserta. Mas, o homem morreu, eu vi! A cabeça dele... daquele jeito... horrível... espatifada! Não podia ter escapado! Ele morreu!

PROCURANDO CONTROLAR OS PRÓPRIOS NERVOS ABALADOS, O ENGENHEIRO SENTOU-SE COM A FILHA NO SOFÁ.

RICARDO  -  Calma, Tula! Calma! Você não devia ter fugido... mas pra tudo há um jeito. Eu assumo a responsabilidade. Não diga nada a ninguém... não fale sobre o acidente com pessoa alguma, a não ser comigo e com sua mãe. (levantou-se, com as mãos trêmulas; sentia as pernas dançarem dentro das calças) Eu vou até a cidade verificar como andam as coisas. Eu não vou deixar que nada lhe aconteça.

FIM DO CAPÍTULO 52




sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 51


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 51

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Dr. Avelar  
Dr. Roberto  - Paulo Cesar Pereio
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Inês  -  Betty Faria
Zoraida  -  Jurema Penna
Vera  -  Louise Macedo
Orjana  -  Neusa Amaral


CENA 1  - PORTO AZUL  -  CASA DE BÁRBARA  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

O TELEFONE SOOU E ORJANA LEVANTOU-SE PARA ATENDÊ-LO. OLHOU O RELOGIO: DUAS E MEIA DA MADRUGADA. PERCEBEU QUE SE TRATAVA DE UMA CHAMADA DE URGÊNCIA PARA O FILHO. E REALMENTE A INFORMAÇÃO ERA GRAVÍSSIMA. DOUTOR AVELAR COMUNICAVA O AGRAVAMENTO DO ESTADO GERAL DE OTTO MULLER, MAS O QUE ERA MAIS IMPORTANTE: A ENTRADA DE UM ACIDENTADO SEM CONDIÇÕES DE SOBREVIVENCIA, COM PERMISSÃO DA FAMILIA PARA DOAÇÃO DO MÚSCULO CARDÍACO. AVELAR PEDIA O COMPARECIMENTO DE CYRO COM A MÁXIMA BREVIDADE.

CORTA PARA:

CENA 2  -  FLORIANÓPOLIS  -  HOSPITAL  -  SALA DOS MÉDICOS  -  INTERIOR  -  NOITE

CYRO ACABARA DE DAR TODAS AS ORDENS E RECOMENDAÇÕES NECESSÁRIAS. O ACIDENTADO ESTAVA SENDO ASSISTIDO PELO DR. ROBERTO, MAS NÃO HAVIA NENHUMA POSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO. FRATURA DA BASE DO CRÂNIO, COM AFUNDAMENTO E DIVERSAS RUPTURAS INTERNAS. ATROPELADO POR UM ÔNIBUS INTERESTADUAL.

CYRO  -  E como está o boletim clínico do provável doador?

DR. AVELAR  -  Acabo de dar ordem ao Departamento de Imunologia para nos darem um resultado urgente. Temos de saber se o coração do doador é do tipo semelhante ao do paciente.

CYRO  -  A família não colocou obstáculos?

DR. AVELAR -  Não. Estão conformados. E isto eu considero a etapa mais difícil que conseguimos transpor. Já esteve com Otto Muller?

CYRO  -  Vou vê-lo agora.

DR. AVELAR  -  O coração dele está batendo muito mal. Tem fibrilado sucessivamente e esta noite cheguei a pensar que fosse o fim.

CORTA PARA:

CENA 3  -  HOSPITAL  -  QUARTO DE OTTO -  INTERIOR  -  DIA

ENQUANTO O CIRURGIÃO PREPARAVA SEUS APARELHOS E O EQUIPAMENTO PESSOAL PARA O ATO CIRÚRGICO, O DOUTOR ROBERTO APARECEU NO QUARTO. VINHA AGITADO.

CYRO  -  Tudo em ordem? Podemos pensar em termos de operação?

O MÉDICO BAIXOU OS OLHOS. TINHA AS FEIÇÕES TRANCADAS. DE QUEM SE ABORRECERA DEMASIADAMENTE.

DR. ROBERTO  -  Tudo fracassou, Cyro!

CYRO  -  Como?

DR. ROBERTO  -  O doador... acaba de falecer. O coração parou. Fizemos tudo o que foi possível.

CYRO  -  Eu sei. Isto não é matemático. Deseja-se e nem sempre consegue-se um coração em condições favoráveis para salvar uma vida. Não! É muito difícil. Suspenda as providencias para a cirurgia até segunda ordem.

CORTA PARA:

CENA 4  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

ERA MANHÃ QUANDO O COMENDADOR AUGUSTO LIBERATO, SONOLENTO, COM FUNDAS OLHEIRAS ARROXEADAS, RETORNOU À MANSÃO.

VERA, A CRIADA, ATENDEU-O, JÁ QUE A GOVERNANTA AINDA DORMIA.

COMENDADOR LIBERATO  -  (jogando-se no sofá da sala) Tudo bem por aqui?

VERA  -  (com incerteza) Mais ou menos, patrão.

COMENDADOR LIBERATO  -  Meu filho... foi viajar?

VERA  -  Bem... não, senhor. Ele voltou ontem, mas não veio dormir em casa.

COMENDADOR LIBERATO  -  (descalçou as botas ali mesmo, na sala, atirando-as sobre o tapete) Olha, estou pregado. Vou descansar e não me chame  para  coisa  alguma,  a  não  ser  que seja  do  hospital,  onde meu sobrinho está internado. Vou ficar no quarto dos hóspedes, que é mais isolado.

A EMPREGADA LEMBROU-SE DA REFERENCIA. O QUARTO DE HÓSPEDES. FÔRA LÁ QUE ZORAIDA ENFIARA A ESPOSA DE BABY. TREMEU ANTE A HIPÓTESE DE O COMENDADOR DAR DE CARA COM A NORA A QUEM NEM CONHECIA.

VERA  -  (berrou, quase) Comendador! Naquele quarto, não!

O VELHO LIBERATO NÃO LHE DEU A MENOR ATENÇÃO E SUBIU AS ESCADAS, DESCALÇO, ARREGAÇANDO A CALÇA DE CASEMIRA ESTRANGEIRA.

VERA CORREU PARA O INTERIOR DA MANSÃO.

CORTA PARA:

CENA 5  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO DE ZORAIDA  -  INTERIOR  -  DIA

VERA ENTROU NO QUARTO DA GOVERNANTA, OFEGANTE, MAL PODENDO RESPIRAR.

VERA  -  O comendador subiu e foi descansar... no quarto de hóspedes!

A GOVERNANTA FEZ O SINAL DA CRUZ COM EXPRESSÃO DE PAVOR E VESTIU APRESSADAMENTE A ROUPA. ANTES MESMO DE CALÇAR OS SAPATOS, JÁ A VOZ DO PATRÃO ENCHIA A MANSÃO SILENCIOSA.

COMENDADOR LIBERATO  -  (off) Zoraida! Zoraida! O que é isso?

CORTA PARA:
Baby (Claudio Cavalcanti)

CENA 6  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO DE HÓSPEDES  -  INTERIOR  -  DIA

A VELHA CHEGOU SEGUNDOS DEPOIS, COM OS CABELOS AINDA DESGRENHADOS E OS OLHOS VERMELHOS E IRRITADOS.

ZORAIDA  -  Eu vim correndo lhe avisar!

COMENDADOR LIBERATO  -  Quem é essa moça?

INÊS DORMIA PLÀCIDAMENTE, ESTICADA NA CAMA, DE CALCINHA E SUTIÃ. O VELHO NÃO CABIA EM SI DE ESPANTO.

ZORAIDA  -  (cobrindo a jovem com o lençol) Não reconhece?

COMENDADOR LIBERATO  -  A filha do pescador?

ZORAIDA FECHOU A PORTA, GIRANDO A MAÇANETA E CONDUZIU O SURPRESO COMENDADOR PARA O SEU QUARTO.

CORTA PARA:

CENA 7  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO DO COMENDADOR  -  INTERIOR  -  DIA

O VELHO INSISTIU NA PERGUNTA, SABENDO DE ANTEMÃO A RESPOSTA. ZORAIDA NÃO PODIA MAIS ESCONDER A VERDADE.

COMENDADOR LIBERATO  -  É ela... a filha do pescador?

ZORAIDA  -  Diga antes... sua nora. Agora... ela é a esposa de Baby!

AUGUSTO LIBERATO SENTOU-SE NA BEIRA DA CAMA PARA SUPORTAR A REVELAÇÃO.

COMENDADOR LIBERATO  -  Você enlouqueceu?

ZORAIDA  -  Acho que quem enlouqueceu foi seu filho!

COMENDADOR LIBERATO  -  Mas... como... como essa moça é a esposa do Baby?

ZORAIDA  -  De papel passado e tudo. Baby se casou com ela, patrão. No dia de ontem. Domingo.

COMENDADOR LIBERATO  -  Isso é um disparate! Um absurdo! Baby não pode abusar assim da minha tolerância! Ele casa, descasa, traz qualquer uma para cá e nós temos que nos sujeitar?

DITO ISTO, O COMENDADOR CORREU PARA O QUARTO DA MOÇA.

CORTA PARA:

CENA 8  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO DE HÓSPEDES  -  INTERIOR  -  DIA

LIBERATO ACORDOU INÊS AOS TRANCOS. A JOVEM ABRIU OS OLHOS, ADMIRADA.   NÃO   RECONHECERA   DE   IMEDIATO   A   CASA   ONDE  SE ENCONTRAVA. JULGAVA-SE AINDA, NA SONOLENCIA, EM SUA CHOUPANA DE PORTO AZUL.

COMENDADOR LIBERATO  -  Escute, moça! (disse, com Zoraida a seu lado, contendo um sorriso indiscreto) Baby não pode ter se casado consciente!

A SITUAÇÃO TENDIA PARA A COMICIDADE.

INÊS PERCEBEU O QUE SE PASSAVA. A CASA. A VELHA GOVERNANTA. O COMENDADOR. SIM. ERA MULHER DE BABY, QUISESSEM OU NÃO.

INÊS  -  Ele se casou consciente.

COMENDADOR LIBERATO  -  Mas como é possível, senhorita? Não fui avisado, não me participaram nada! Chego em casa e encontro a senhorita aqui e tenho um choque destes! E onde está seu marido, agora?

INÊS  -  (deu de ombros) Sei não senhor. Ele num durmiu aqui...

COMENDADOR LIBERATO  -  Pois fique sabendo que fez muito mal em casar com ele!

INÊS  -  Tou sabendo agora, sim senhor! (cobriu-se mais) Me desculpa... não fiz por mal, juro! Eu gosto dele pra burro, Seu comendador. Pensei que tudo fosse mais fácil. Mas fica descansado. Eu pego minha trouxa e vou pra casa de meu pai, de novo. Pode ficá certo!

COMENDADOR LIBERATO  -  Agora não! Agora é mulher dele!

CORTA PARA:

CENA 9  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

COMENDADOR LIBERATO  -  (desceu as escadas correndo e berrando para a criadagem) Procurem Baby! Onde ele estiver! Achem aquele maluco! Achem ele!

A MANSÃO SE TRANSFORMARA NUMA CASA DE LOUCOS.

FIM DO CAPÍTULO 51

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 50



Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 50

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Otto  -  Jardel Filho
Lia  -  Arlete Sales
Catarina  -  Lidia Mattos
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Dr. Avelar  -  Álvaro Aguiar
Dr. Roberto  -  Paulo Cesar Pereio
  

CENA 1  -  PORTO AZUL  -  IGREJA  -  INTERIOR  -  DIA

INÊS APARECEU NA ENTRADA DA IGREJINHA CONDUZIDA PELO VELHO PESCADOR. O VESTIDO DE NOIVA, SIMPLES, MAS DE BOM GOSTO, REALÇAVA-LHE OS TRAÇOS BELOS, CONTRASTANDO COM A PELE QUEIMADA DE SOL. TODOS OS OLHOS SE VOLTARAM PARA O PAR. OS MINEIROS ENCHIAM O PEQUENO TEMPLO, AO LADO DO GRANDE NÚMERO DE PESCADORES DA REGIÃO, ONDE MESTRE JONAS ERA RESPEITADO E QUERIDO.

O PADRE RECEBEU-OS DIANTE DO ALTAR.

PADRE MIGUEL  -  Deus a abençoe, minha filha!

MESTRE JONAS  -  (intrigado, olhando os arredores) Cadê o noivo, padre?

PADRE MIGUEL  -  Ainda não veio, mas não deve demorar.

DANIEL  -  (se aproximou) Pai, ele vem. A gente chegamos lá e ele já tinha vindo pra cá.

INÊS  -  (não escondia o nervosismo) E se ele não aparece? Que é que eu faço da minha vida?

PADRE MIGUEL  -  O trânsito por essas estradas está péssimo. Hoje é domingo e todo mundo procura as praias mais distantes. Vamos aguardar um pouco. Vamos aguardar!

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  IGREJA  -  INTERIOR  -  DIA

OS RELÓGIOS MARCAVAM 4 HORAS. UM POUCO MAIS. E BABY LIBERATO NÃO APARECIA. HÁ DUAS HORAS TODA A IGREJA AGUARDAVA ANSIOSA A PRESENÇA DO PRESIDENTE DAS MINAS. QUERIA VER SUA UNIÃO COM A MOÇA SIMPLES E POBRE DAS PRAIAS. MAS AGORA A INQUIETAÇÃO ERA FLAGRANTE. ALGUMAS VELHAS COMEÇAVAM A COCHICHAR, ENQUANTO OS  CONVIDADOS  -  MUITOS DELES  - PRINCIPIAVAM  A  ABANDONAR  O INTERIOR E OUTROS SE POSTAVAM NAS ESCADARIAS, OLHOS NA ESTRADA, À ESPERA DO NOIVO.

INÊS CHORAVA, DISCRETAMENTE.

MESTRE JONAS  -  (desfigurado, dizia baixinho) Eu vou sair. Vou procurá esse miserável desse ricaço e trago ele, nem que seja amarrado!

INÊS  -  (explodiu num soluço alto e incontrolável) Gente... me leva daqui! Eu quero ir embora! Vou enfiá minha cara num buraco! (deitou a cabeça no ombro da mãe, em choro convulsivo) Nunca mais quero ver ninguém!

INESPERADAMENTE, A VOZ DE BABY LIBERATO OUVIU-SE CLARA EM MEIO AO REPENTINO SILENCIO, NO INTERIOR DO TEMPLO.

BABY  -  Desculpe, gente... o atraso!

TODOS OS OLHARES CONCENTRAVAM-SE NO RAPAZ, DESCABELADO, SUJO DE GRAXA, COM AS MÃOS NEGRAS, COMO SE HOUVESSE SOBREVIVIDO À EXPLOSÃO DE UM POÇO DE PETRÓLEO.

BABY  -  (caminhou até o altar) Boa tarde... boa tarde para todos. Olha aí, padre, me perdoe. Foi um pneu bandido que me deixou na estrada (beliscou o queixo da noiva, paralisada) Oi, Inês! Oi, Dona Rosa! Olá, velho! (deu um tapa nas costas de Mestre Jonas, atônito. – Virou-se para os mineiros, felizes, sorridentes, confiantes) Daniel! Pé-na-Cova! Pedrão! Ei, rapaziada, tamos aí! (bateu palmas, saudado ruidosamente pelos mineiros da Companhia de Valongo) Alegria! Alegria!

PADRE MIGUEL  -  As alianças, meus filhos...

BABY  -  Hem?

INÊS  -  (cutucando o noivo) As alianças, Leandro!

BABY  -  (sem saída, procurou uma desculpa) Poxa! Me esqueci! (mentiu) Ficou lá em casa!

MESTRE JONAS ADIANTOU-SE E ENTREGOU DUAS ALIANÇAS AO VIGÁRIO DE PORTO AZUL.

MESTRE JONAS  -  Eu fiz uma vaquinha... e comprei.

O CASAMENTO TINHA SIDO UM SUCESSO. INFORMAL DIANTE DO JEITÃO-QUALQUER-MANEIRA DE BABY LIBERATO. BÁRBARA E O PROFESSOR VALDEZ, PADRINHOS DO NOIVO, VEZ POR OUTRA PUXAVAM-NO PARA A REALIDADE. ERA COMO SE O MILIONÁRIO ESTIVESSE A MIL QUILÔMETROS DALI.

PADRE MIGUEL CHEGAVA AO FIM DA CERIMÔNIA RELIGIOSA: BENZEU AS ALIANÇAS E ENTREGOU-AS AOS NUBENTES. INÊS SEGUROU AS MÃOS SUJAS DO RAPAZ E ENFIOU-LHE A JÓIA PELO ANULAR ESQUERDO. O SACERDOTE FEZ SINAL PARA QUE SE LEVANTASSEM.

PADRE MIGUEL  -  Estão casados, meus filhos! São marido e mulher!

BABY  -  (explodiu, muito à vontade) Já? Legal às pampas! E agora que é que a gente faz?

MESTRE JONAS  -  (alegre) Vamos pra minha casa. Comprei fiado um barril de chope. A gente vai dá uma festinha. Se o Seu Baby não repara...

BABY  -  Estamos aí! (fez um gesto largo com o braço) Vamos lá, minha gente! Vamos lá!

A CHUVA DE ARROZ COBRIU DE BRANCO O CASAL. PORTO AZUL VIBRAVA. CORRERIA DAS MOCINHAS DE VESTIDOS COLORIDOS, DE CHITA E SEDA ORDINÁRIA, QUERENDO VER O NOIVO. PADRE MIGUEL MANDOU O SACRISTÃO BADALAR O SINO. TUDO ERA FESTA NO VILAREJO.

E O MAIS IMPORTANTE: BABY RENOVAVA A CONFIANÇA PERANTE OS HOMENS SIMPLES DAS MINAS DE CARVÃO. AGORA, ERA UM DELES.

CORTA PARA:
Inês (Betty Faria)

CENA 3  -  FLORIANÓPOLIS  -  HOSPITAL  -  CONSULTÓRIO DE CYRO  -  INTERIOR  -  DIA

DOUTOR AVELAR ENTROU AGITADO NO CONSULTÓRIO DE CYRO. MAL FECHOU A PORTA.

DR. AVELAR  -  Vim avisá-lo: entrou há poucos minutos um acidentado. Caso perdido. Fratura de crânio, com perda de substância. Em coma. Avisei a família e mencionei a possibilidade de ser um possível doador.

CYRO  -  (ergue-se, abruptamente) E então?

DR. AVELAR  -  Houve uma reação negativa, a princípio. Ficaram chocados com a possibilidade de aproveitarmos o coração do rapaz.

CYRO  -  Então, nada feito?

DR. AVELAR  -  Uma irmã do acidentado fez ponderações, tentando convencer o pai. Dona Lia está lá, conversando com ele.

A PORTA SE ABRIU E A MULHER ENTROU, ESBAFORIDA.

LIA  -  Dr. Cyro. Dr. Avelar. A família do rapaz está disposta a conversar com os senhores. Esperam na sala 215. Onde o moço está morrendo.

CYRO SAIU, PRESSUROSO, ACOMPANHADO PELO COLEGA.

CORTA PARA:

CENA 4  -  HOSPITAL  -  SALA 215  -  INTERIOR  -  DIA

UMA JOVEM ROBUSTA, DE PERNAS GROSSAS E FARTOS SEIOS, ATENDEU AOS MÉDICOS.

MULHER  -  Desculpem meu pai. Está fora de si.

CYRO  -  Perfeitamente compreensível. Nós entendemos o seu drama.

A UM CANTO, ATIRADO SOBRE UMA POLTRONA, O HOMEM, AINDA NOVO, BEIRANDO OS 50 ANOS, ERA A IMAGEM DA DESOLAÇÃO. OLHOS FITOS NO TETO. ALHEIO AO MUNDO. CYRO APROXIMOU-SE DELE E SENTOU-SE NA CADEIRA DE FERRO. TOCOU-LHE O BRAÇO, DE LEVE.

CYRO  -  É muito difícil para nós, médicos, fazermos um pedido destes. Me chamo Cyro Valdez, meu amigo. Cirurgião deste hospital. É mais do que difícil. É terrível. Eu me coloco no seu lugar e entendo perfeitamente a sua dor.

O HOMEM MOVEU A CABEÇA E FIXOU O MÉDICO. HAVIA DESESPÊRO EM SEUS OLHOS.

HOMEM  -  O senhor...  não vai me pedir permissão para que meu filho, que está morrendo... seja o doador de coração... para outro que também está morrendo?

CYRO  -  (confirmou) Eu vim lhe pedir. Já não tenho coragem. Ninguém pode fazer um pedido destes. Digo-lhe apenas que uma das duas vidas deve ser salva. Que mais posso lhe dizer? A de seu filho está perdida. Podemos salvar a outra. Seu filho pode salvá-la...

A JOVEM ROBUSTA ABRAÇOU O HOMEM.

MULHER  -  Pai, o coração de meu irmão vai ficar batendo no peito de outro homem! Pense nisso! A gente não vai perder de todo o nosso Dadinho!

HOMEM  -  (a voz sofrida, abafada) Eu não quero! Não posso aceitar isso! Compreendo o propósito de vocês, mas não aceito!

CYRO  -  (apertou com força a mão do homem) Nós compreendemos. Ninguém pode forçá-lo a aceitar. Por favor, esqueça o pedido que lhe fizemos.

QUALQUER COISA HAVIA TOCADO FUNDO O SENTIMENTO DO PAI DESESPERADO. OLHOU FUNDO NOS OLHOS DO CIRURGIÃO, APERTANDO A MÃO QUE COMPRIMIA A SUA.

HOMEM  -  Doutor... o que é que eu faço? O que é que eu faço?

O MÉDICO LEVOU-O PARA A JANELA QUE DESCORTINAVA UM PANORAMA BUCÓLICO. ÁRVORES FRONDOSAS, AGORA TOMADAS PELAS SOMBRAS DA NOITE QUE SE INSINUAVA.

CYRO  -  Só existe um remédio capaz de amenizar a sua dor. Procure encontrar sementes de qualquer planta, colhidas pela mão de alguém que nunca  passou  por  nenhuma  dor... por  alguém que tenha vivos todos os seus parentes. Quando encontrar... me traga aqui... e eu prometo preparar uma poção que há de curá-lo do seu sofrimento.

O HOMEM ENTENDEU. NADA MAIS HAVIA A FALAR. A DOR NÃO ATINGIA APENAS UMA PESSOA NO MUNDO. ERA DA HUMANIDADE. PODIA SER RICO, BRANCO OU NEGRO – A TODOS ELA ALCANÇA, EM QUALQUER ETAPA DA VIDA. CYRO DEIXOU O QUARTO, NO MOMENTO EM QUE O MÉDICO E OS ENFERMEIROS REMOVIAM O CORPO IMÓVEL DO JOVEM. A CABEÇA ESTAVA ENVOLVIDA EM GAZE E O ROSTO COMPLETAMENTE TOMADO PELOS TALHOS QUE SE CRUZAVAM DE LADO A LADO.

CORTA PARA:

CENA 5  -  PORTO AZUL  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  INTERIOR  -  NOITE

BABY LEVANTOU OS DOIS BRAÇOS E GRITOU, NO MEIO DA PEQUENA SALA, ENTUPIDA DE GENTE.

BABY  -  Bem... meus caros. Meus amigos. Eu e minha querida esposa vamos nos mandar. Temos que ir mais cedo porque ainda temos muita coisa a fazer (beijou-a na testa) Não é, Inês?

A MOÇA ENCOLHEU-SE, ENVERGONHADA. MESTRE JONAS SORRIU, MEIO EMBRIAGADO. ROSA CHORAVA DE SATISFAÇÃO.

PEDRÃO  -  (com malícia) É. Muita coisa mesmo! Danou-se!

BABY TORNOU A GRITAR, COM EXPRESSÃO DE ALEGRIA.

ERA O CENTRO DAS ATENÇÕES.

BABY  -  Quem quiser dançar com a noiva... pela última vez, que aproveite! Depois não dá mais!

CESÁRIO TIROU INÊS, ADIANTANDO-SE AOS DEMAIS. ERA O NOVO CAPATAZ DAS MINAS, ESCOLHIDO PELO PRESIDENTE, POR INDICAÇÃO DOS MINEIROS.

BABY  -  (ao chefe da bandinha) Música, maestro!

UMA MOÇA DESDENTADA, ESQUELÉTICA, PELE ACINZENTADA, ADIANTOU-SE.

MOÇA  -  (berrou, esperançosa) Joga o véu!

INÊS ATIROU VÉU E BUQUÊ PARA O GRUPO.

BABY PUXOU-A PELO BRAÇO.

BABY  -  Agora chega! A noiva vai embora com o noivo! Mas a festa continua! (virou-se para Mestre Jonas e Daniel) Taqui mais dinheiro! Manda buscar mais comida e bebida pra esta gente dançar a noite toda, sem fome! E sem sede!

DESAPARECERAM PORTA A FORA E POUCO DEPOIS O CARRO VERMELHO VOAVA PELA ESTRADA LITORÂNEA DE PORTO AZUL.

CORTA PARA:

CENA 6  -  FLORIANÓPOLIS  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  PORTÃO -  EXTERIOR  -   NOITE.

MINUTOS APÓS, COM ESTARDALHAÇO, BABY FREOU O AUTOMÓVEL DIANTE DA PORTA DO PALACETE. SALTOU, ABRIU O PORTÃO DE ENTRADA DOS VEÍCULOS E EMBICOU NA DIREÇÃO DA MANSÃO.

CORTA PARA:

CENA 7  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

POR UNS SEGUNDOS, ZORAIDA FIXOU A MOÇA. PROCURANDO RECONHECÊ-LA. POR FIM A GOVERNANTA CERTIFICOU-SE DE JAMAIS A TER VISTO NAQUELA CASA. NEM NAS FESTAS QUE BABY COSTUMAVA DAR NOS JARDINS DA RESIDENCIA LUXUOSA.

INÊS OLHAVA O AMBIENTE COMO NUM CONTO DE FADAS.

BABY  -  (cortou a estupefação das duas) Quero te apresentar Inês!

ZORAIDA ESTENDEU A MÃO PARA A JOVEM VESTIDA DE NOIVA.

BABY  -  Vai ficar morando aqui.

ZORAIDA  -  É que... não estamos precisando de criada, meu filho. O quadro está completo!

BABY  -  (amuado) Quem disse que vai ficar como criada?

ZORAIDA  -  Pensei...

BABY  -  (cortou) De pensar morreu um burro! Inês é minha mulher!

A GOVERNANTA SEGUROU-SE AO PORTAL PARA NÃO CAIR. A SURPRESA FÔRA DEMAIS.

ZORAIDA  -  Como?!

BABY  -  Mulher! Esposa! (completou, forçando entrada na residência) Será que estou falando grego? Veja o quarto dela. Ela precisa tomar banho, mudar esta roupa, para jantar comigo.

ZORAIDA  -  (sem acreditar) Baby, espera aí... brincadeira tem hora!

INÊS  -  (com voz macia, mostrando a certidão) A gente tá casado, mesmo. De papel e tudo. Padre Miguel juntou a gente. Agora, casamento no religioso tem validade pra tudo. Num precisa juiz. Leandro, diz a ela...

ZORAIDA  -  (colocou as mãos sobre a testa, os olhos esbugalhados) Que loucura foi essa, meu filho? Seu pai sabe disso?

BABY  -  Não, mas vai saber. Cadê ele?

ZORAIDA  -  O comendador foi para o hospital, a chamado da irmã. Dona Catarina pediu que ele fosse ao seu encontro. Trata-se da doença do Senhor Otto.

BABY  -  (virou-se para a esposa) Olha... você fica bonitinha aí, que eu vou dar um giro.

INÊS  -  Onde?

BABY  -  Vou por aí. Não durmo cedo. São só onze horas. Lá pelas duas eu estou em casa.

INÊS  -  Deixa eu ir com você. A gente agora é marido e mulher. Pai disse que mulher tem sempre que acompanhar o marido, em todo canto.

BABY FOI ATÉ O BAR E COMPLETOU UMA DOSE DE UÍSQUE.

BABY  -  Sabe o que é? O negócio é o seguinte. Eu vou ao clube... lá só tem barbado... a  gente  joga,  bebe,  fala  de  negócios...  sabe como  é? Não é ambiente pra você. Agora, quando eu for num lugar onde tenha senhoras, damas da alta... eu te levo. Aí você vai se esbaldar.

INÊS  -  E eu vou ter... de frequentar essa tal de alta?

BABY  -  É. Alta roda. Onde as mulheres se vestem bem, falam mal da vida alheia e fofocam, como qualquer mulher do povo.

INÊS  -  Hoje... nossa noite de núpcias... você não podia deixar de ir nesse clube? Hoje, a gente se casou, Leandro! (abraçou-o pelas costas, enquanto ele bebia um gole de uísque) Puxa vida, tou contente pra burro! E você?

BABY  -  (com clara ironia) Estou felicíssimo... por estar amarrado numa boboca como você.

INÊS O SOLTOU, MAGOADA.

BABY  -  (sorriu, pegando-lhe o queixo) E não é boboca? Chorona, manteiga derretida?

INÊS  -  Leandro... (olhou-o com um brilho estranho nos olhos) Você gosta de mim?

BABY  -  (rodopiou na sala, abrindo os braços, teatralmente) Caramba! Não gosto dela! Estou casado com ela e vem com essa novidade!

INÊS  -  Por que você se casou comigo?

BABY  -  Por que, por quê? Tudo tem de ter um porquê! Porque quis, ora! Se não quisesse, nem teu pai, nem teu irmão, iam me obrigar! Achei que ia ficar bem pra mim, diante dos meus empregados! Achei que ia agradá-los com esse gesto. É gente muito boa, que já brigou por minha causa. Não ia lhes dar uma decepção, fugindo ao compromisso.

INÊS  -  (chocada) Então... você casou... pra agradar seus empregados? Só por isso?

BABY  -  É uma justificativa justa, ou você não acha? Vou precisar deles, amanhã, depois, sei lá! Nunca se sabe o que vai acontecer. É gente honesta, leal. Eu tinha de ser também honesto, também leal.

INÊS  -  Por que precisa deles?

BABY  -  Porque gosto deles, pombas! O que que é isso? Um inquérito? (fez   um   gesto   teatral,  como  se  estivesse  declamando)  Vil  pecador! (ajoelhou-se) Por que se casou com esta mulher? Responda! Nem vem, Inês! Chega, tá? Olha, eu volto daqui a pouco. Tchau!

SAIU APRESSADO SEM TOMAR CONHECIMENTO DAS REAÇÕES DA MOÇA. INÊS OLHOU O CASARÃO VAZIO. OUVIU A VOZ DA GOVERNANTA QUE VOLTAVA À SALA.

ZORAIDA  -  A senhora quer fazer o favor? O seu quarto está pronto.

A GOVERNANTA SEGUROU A MALETA DA JOVEM E DIRIGIU-SE PARA A ESCADA. INÊS ACOMPANHOU-A.

FIM DO CAPÍTULO 50