Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 109
Participam deste
capítulo
Cyro -
Tarcisio Meira
Cesário -
Carlos Eduardo Dolabella
Vanda - Dina
Sfat
Mestre Jonas -
Gilberto Martinho
Martins
Tavares
Naná - Mary
Daniel
Lia -
Arlete Salles
Otto -
Jardel Filho
Von Muller -
Jorge Cherques
CENA 1 -
CAJAZEIRAS - CASA DE CYRO
- SALA -
INTERIOR - DIA
POR ENTRE A NEBLINA QUE FLUÍA E BANHAVA A REGIÃO MONTANHOSA,
CYRO SENTIU A PASSADA FIRME DE ALGUÉM QUE SE APROXIMAVA. PULOU DA REDE DE MALHA
E ATIROU NO CHÃO A GUIMBA DE CIGARRO, APAGANDO-A COM O PÉ. SEGUROU O COLT COM A
MÃO DIREITA. ESGUEIROU-SE ATÉ A PORTA LATERAL.
OUVIU A VOZ DO HOMEM QUE O CHAMAVA COM INSISTENCIA. ERA-LHE
FAMILIAR.
CESÁRIO - Dr. Cyro! Dr. Cyro! Me deixa entrá, Dr. Cyro!
CYRO - (desconfiado) O que você veio fazer aqui?
CESÁRIO - Não me senti bem...preciso do seu cuidado...
do seu tratamento...
CYRO CONVIDOU-O A SENTAR-SE.
CYRO - Como sabia onde eu estava?
CESÁRIO - Dei uma bruta caminhada... Eu sabia... tinha
ouvido os home falar... mas pode ficar descansado... não disse a ninguém que o
senhor tava aqui. Cadê os outro?
CYRO - Dormindo. Você veio a pé?
CESÁRIO - Vim. Subi essa montanha... não foi mole. Tou
fraco pra burro!
CYRO - Agora... você vai descansar um pouco e vai
descê-la de volta.
CESÁRIO - Me deixa ficá aqui... eu quero lhe seguir...
lhe ajudá...
CYRO FITOU PROFUNDAMENTE O INIMIGO NOS OLHOS. ALGO LHE
PALPITAVA QUE A PRESENÇA DE CESÁRIO LHE TRARIA FUTUROS ABORRECIMENTOS.
EXAMINOU-O DEMORADAMENTE.
CYRO - Eu não confio em você.
CESÁRIO - Por quê? O senhor me salvou a vida! Tou dando
prova do meu reconhecimento. Senão teria dito aos soldados onde podiam encontrá
o senhor...
CYRO - Simplesmente... você não está dizendo a
verdade.
CESÁRIO - Como sabe?
CYRO - Eu conheço tudo... pelos seus olhos!
CESÁRIO - O que vê nos meus olhos?
CYRO - Vejo que você está mentindo. Está escondendo
o verdadeiro motivo que o trouxe aqui...
CESÁRIO ACUSOU A PERTURBAÇÃO QUE AS PALAVRAS DO MÉDICO LHE
HAVIAM CAUSADO. TEVE UM ATAQUE SÚBITO DE CHORO.
CYRO - Fale... e se sentirá mais calmo.
CESÁRIO - Foi o Dr. Paulus! Ele esteve lá na casa do
Zeca... hoje de tarde. Tavam lhe procurando... tinha home à beça, do
delegado...
CYRO - E você prometeu me entregar...
CESÁRIO - Não! Eu tapeei eles! Disse que ia lhe
enregá... mas não pretendo fazê isso! Falei assim só pra ele lhe deixá em paz!
Ele tá querendo lhe agarrá a qualquer preço!
CYRO PERCEBEU A PRESENÇA POR TRÁS DO BANDIDO DE MESTRE JONAS,
VANDA, MARTINS E PEDRÃO.
CESÁRIO - (continuou) ... aí eu vi que eles iam lhe
encontrá aqui. Se vasculhasse este local, de casa em casa, iam lhe encontrá. Eu
então despistei ele! E enganei que ia dizê depois onde o senhor tá! Eu lhe
juro... lhe juro que não é o que pretendo fazê!
AGARROU-SE ÀS MÃOS DE CYRO, BEIJANDO-AS FRENÈTICAMENTE.
MESTRE JONAS - Cyro? O que é isso?
VANDA - Ele veio atrás da gente!
MARTINS - Esse home é perigoso!
MESTRE JONAS - Também acho Cyro!
CYRO - Esperem... saiam e me deixem com ele.
MESTRE JONAS - Não aceita ele e vamo dá o fora daqui. Vão
nos encontrá!
CESÁRIO - (vendo os três afastarem-se do local) Acredita
em mim? Vai me deixá continuá?
CYRO - Vou... Mas vejo ainda nos seus olhos... que
você tem muita coisa que o atormenta...
CESÁRIO BAIXOU OS OLHOS, FITANDO UM PONTO NO CHÃO. TINHA DE
ESCAPAR À FORÇA MAGNÉTICA DOS OLHOS DO HOMEM A QUEM ODIAVA DE MORTE.
CYRO - (falou pausadamente) Você fica... até se
sentir preparado... pra se livrar disso... que estou vendo... muito dentro de
você.
CORTA PARA:
CENA 2 -
MANSÃO DE OTTO MULLER - ESCRITÓRIO DE OTTO -
INTERIOR - DIA
WERNER VON MULLER TINHA ACERTADO O DESTINO DE NANÁ. NÃO HAVIA
ALTERNATIVA, DIZIA ELE AO FILHO. A MÃE DE BABY JAMAIS PODERIA VOLTAR A BOTAR OS
PÉS EM PORTO AZUL.
VON MULLER - Não podemos correr esse risco...
OTTO - (piscou os olhos nervosamente) Papi, isso
quer dizer que...
VON MULLER - Iá.
OTTO - Mas papi... nós
já combinamos que não iria correr mais sangue. Você sabe que eu sou muito
delicado. Não suporto essa espécie de violência. Meus nervos... meu coração é
capaz de não aguentar.
À MENTE DO ALEMÃO VIERAM LEMBRANÇAS DOS DIAS DE VIOLENCIA NA
ALEMANHA. ELE E SEUS ASSECLAS A TORTURAR E ASSASSINAR MILHARES DE JUDEUS E
PRISIONEIROS DE GUERRA. WERNER VON MULLER SUSPIROU, SAUDOSISTA. UMA MORTE A MAIS NÃO SIGNIFICAVA GRANDE COISA PARA O EX-CORONEL NAZISTA,
ACOSTUMADO A MATAR.
VON MULLER - Já estamos muito comprometidos com Naná, meu
filho. Ela não serr capaz de entenderr nossos nobres razões.
OTTO - Papi...
VON MULLER - Ser duro parra mim também... mas não haverr
outra alternativa. Espero você compreender...
OTTO - Compreendo papi... compreendo perfeitamente.
Quando vai ser?
VON MULLER - Esta noite!
OTTO - Quem vai fazer o serviço?
VON MULLER - Tavares.
CORTA PARA:
CENA 3 - CASA
NA MATA - QUARTO
- INTERIOR - NOITE
FORÇAR AS JANELAS NÃO ADIANTAVA. E A PORTA ESTAVA FECHADA A
CADEADO PELO LADO DE FORA. NANÁ VIA A INUTILIDADE DE QUALQUER TENTATIVA DE
ESCAPAR DA PRISÃO. NEM MESMO SABIA EM QUE LUGAR SE ACHAVA. DURANTE UNS 30
MINUTOS OS HOMENS A TINHAM CONDUZIDO CONDUZIDO NO CARRO NEGRO. SABIA APENAS
QUE, DE UM LADO E OUTRO, PELAS JANELAS, DIVISAVA MATA VIRGEM. ÁRVORES FRONDOSAS
E UM RUÍDO ESQUISITO, DE ÁGUA A CORRER, COMO DE UMA CACHOEIRA POSSANTE.
PARADA NO CENTRO DO QUARTO, ELA SENTIU QUE A PORTA SE MOVIA,
AOS POUCOS. TREMEU, PREVENDO O PIOR. NÃO CONSEGUIA DESTINGUIR, NA ESCURIDÃO, O
VULTO QUE SE ESCONDIA NUMA CAPA NEGRA. VIU SOMENTE O CANO COMPRIDO DO REVÓLVER
E O FOGO QUE ESCAPOU CO CANO DA ARMA, LOGO APÓS A DETONAÇÃO. UM TIRO SÓ. O
SILENCIO TORNOU A DOMINAR O AMBIENTE.
TAVARES BAIXOU O CANO E ENTROU TRANQUILO NA CABANA
ABANDONADA. ACENDEU UM LAMPIÃO E ILUMINOU A CAMA ONDE O CORPO HAVIA CAÍDO. UMA
ENORME MANCHA DE SANGUE TOMAVA CONTA DO LENÇOL. TAVARES PREPARAVA-SE PARA O
GOLPE FINAL. APONTOU E...
LIA - Tavares! O que é isso?
TAVARES - (aterrorizado) A senhora?
LIA - O que foi que você fez? (abaixou-se e examinou
o corpo da velha) O que foi, hem? Naná! Naná! Oh, meu Deus... será que ela está
morta? (voltou-se acusadora, para o pistoleiro) Sabe por que eu vim aqui? Sabe?
Porque pensei que você fosse humano. Porque pensei que quisesse me ajudar a
salvar Cyro! Eu sei que você conhece o assassino de sua mulher! E não foi o Dr.
Cyro! E é isso... isso que você tem a me oferecer! (Tavares recuou, assustado) Você
não é humano! É um monstro... uma fera! Um assassino frio e covarde... igual a
meu marido, ao Dr. Paulus e ao velho alemão! São todos iguais! Animais!
TAVARES ABRIU A PORTA COM UM PONTAPÉ E DESAPARECEU NA
ESCURIDÃO. LIA VOLTOU A EXAMINAR O CORPO
ENSANGUENTADO DA VELHA. A HEMORRAGIA TINHA DE SER CONTIDA.
ELA GEMIA DEBILMENTE. QUASE SEM FORÇAS.
CORTA PARA:
CENA 4 - MANSÃO
DE OTTO MULLER - SALA
- INTERIOR -
NOITE
EM POUCOS MINUTOS O BANDIDO ALCANÇOU A RESIDENCIA DE WERNER
VON MULLER. CONTOU-LHE EM RÁPIDAS PALAVRAS O QUE TINHA HAVIDO NA CABANA, E A
PARTICIPAÇÃO DA MULHER DO PATRÃO. VON MULLER ANDAVA NERVOSAMENTE DE UM LADO
PARA O OUTRO, COM AS MÃOS CRUZADAS NAS COSTAS.
VON MULLER - Você serr muito incompetente. Muito. Como
pode errarr um tiro a curta distancia?
TAVARES - Eu já expliquei... Eu não errei. Foi ela que
me impediu de dar o segundo tiro.
VON MULLER - Mas o primeiro você errarr. Aí está seu
falha.
TAVARES - Estava muito escuro... e eu pensei que ela
estivesse deitada. Quando abri a porta... vi que ela tava de pé, no meio do
quarto. Cheguei a levar um bruto susto!
VON MULLER - Aí estarr outro falha. Você ficarr assustado.
Os pessoas devem ter nervos de aço. Fortes. Assim como os meus... os de meu
raça.
TAVARES - Mas... se Dona Lia não tivesse chegado...
VON MULLER - Não ter o menor importância Dona Lia ter chegado.
Por que você não terminou seu tarefa? Por que você não deu segundo tiro? Mesmo
em presença de Dona Lia? Quais erram seus ordens? A gente nunca deve deixarr de cumprir ordens
dos comandos!
TAVARES - Mas...
VON MULLER - Parra cumprir seu ordem... você podia ter
atirado até em Dona Lia!
TAVARES ESPANTOU-SE COM A DECLARAÇÃO DO VELHO. VIU QUANDO
OTTO, DE ROUPÃO, DESCIA AS ESCADAS, ARFANTE.
OTTO - Que está havendo, papi? Já é a segunda vez
que me acordam esta noite...
VON MULLER FEZ UM SINAL AUTORITÁRIO E O PISTOLEIRO ABANDONOU
A SALA.
VON MULLER - Acontecerr coisa muito grave.
OTTO - o que foi, papi?
VON MULLER - Seu mulher interferir outra vez nossos
planos.
OTTO - Lia? Ela está lá em cima dormindo, sossegadinha!
VON MULLER - Ela devia estarr lá em cima dormindo
sossegadinho... mas não estarr...
OTTO - Não?!
VON MULLER - Não.
VON MULLER BALANÇOU A CABEÇA LENTA E SIGNIFICATIVAMENTE.
OTTO AGITOU-SE E CORREU ATÉ AO PÉ DA ESCADA.
OTTO - (gritou para cima) Lia! Lia!
VON MULLER - Ela estarr com Naná...
OTTO - Como?
VON MULLER - Ela acaba de impedirr Tavares de matar o
Naná!
OTTO ABRIU A BOCA ADMIRADO COM A REVELAÇÃO.
OTTO - Como? Como? Então ela teve coragem?
VON MULLER - Ela botou o Tavares pra correrr...
COM A MÃO PRESSIONANDO O PEITO ARFANTE, OTTO ESTATELOU-SE NO
SOFÁ, CHORANDO.
FIM DO CAPÍTULO 109
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