sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 110


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 110

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcisio Meira
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabella
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Martins
Lia  - Arlete Salles
 Dr. Max  -  Álvaro Aguiar
Otto -  Jardel Filho
Von Muller  -  Jorge Cherques
Delegado Moreira  -  Vinicius Salvatori

  

CENA 1  -  HOSPITAL DE PORTO AZUL  -  QUARTO  -  INTERIOR  -  NOITE

TUDO TINHA OCORRIDO COMO NUM FILME DE CINEMA. NUM INSTANTE, NANÁ ESTAVA NO CASEBRE, NO OUTRO, LIA JÁ HAVIA CONSEGUIDO SOCORRO MÉDICO. E A MULHER CONTINUAVA INCONSCIENTE NUM LEITO DO HOSPITAL DE PORTO AZUL. O SORO CORRIA GOTA A GOTA, DO VASO PLÁSTICO PARA AS VEIAS DA ESPOSA DO COMENDADOR LIBERATO.

LIA  -  (dirigiu-se ao diretor do hospital) Doutor... ela vai morrer?

DR. MAX  -  É muito cedo para se dizer alguma coisa. Mas a lesão foi muito grave. A bala quase atingiu o coração. Se ela não reagir nas próximas horas não poderemos operar. E se não pudermos extrair a bala...

LIA  -  Ela não pode ser operada imediatamente?

DR MAX  -  Não. Ela está muito enfraquecida. Perdeu muito sangue. Estamos aplicando soro e fazendo transfusões. Antes de sabermos como ela reage a isso... não podemos pensar em operar...

LIA  -  Entendo, doutor... quero apenas lhe pedir um favor.

DR. MAX  -  Pode falar, Dona Lia.

LIA  -  Gostaria que, além de mim, o senhor não deixasse mais ninguém entrar nesse quarto... principalmente se for alguém mandado pelo meu marido ou por Von Muller. O senhor promete que me fará esse favor? É caso de morte, doutor! Nada mais lhe posso dizer!

DR. MAX  -  Tudo certo... mas a senhora terá de me fazer outro favor.

LIA  -  Sim...

DR. MAX  -  Deve saber que em todo hospital existe um registro policial para certas espécies de ferimentos... os ferimentos a bala, por exemplo.

LIA  -  Entendo...

DR. MAX  -  O que eu quero dizer é que a esta hora o delegado já deve saber que Naná está aqui...

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  DELEGACIA  -  GABINETE DO DELEGADO  -  INTERIOR  -  NOITE

E, NA VERDADE, DR, MOREIRA ACABAVA DE COLAR O TELEFONE AO OUVIDO. O DETETIVE DE PLANTÃO, NO HOSPITAL LHE COMUNICAVA A OCORRÊNCIA.

DELEGADO  -  Naná?! Ferida a bala? Hum... sei... está aguardando para ser operada! Quem? Dona Lia? Não. Não faça nada. Eu trato do assunto, pessoalmente. Chego já aí.

CORTA PARA:

CENA 3  -  HOSPITAL  -  QUARTO DE NANÁ  - INTERIOR  -  NOITE

LIA   -  Pode deixar, Dr. Max... eu me entendo com o delegado. Assumo toda a responsabilidade. Agora... preciso ir... Só quero que o senhor me avise o que acontecer a ela...

DR. MAX  -  Não se intranquilize, Dona Lia. Telefono para sua casa.

LIA  -  A qualquer hora. Estarei acordada.

DR. MAX  -  está bem. A qualquer hora.

CORTA PARA:

CENA 4  -  PORTO AZUL  -  PREFEITURA  -  GABINETE DO PREFEITO  -  INTERIOR  -  DIA

SENTADO EM SUA MESA DE TRABALHO, OTTO MULLER DESPACHAVA. VÁLTER CARPINELLI VIGIAVA DE PÉ NO FUNDO DA SALA DA PREFEITURA DE PORTO AZUL. OTTO ASSINAVA VÁRIOS PAPÉIS E RECORDAVA A DISCUSSÃO QUE TIVERA COM A ESPOSA, LOGO APÓS SEU RETORNO DO HOSPITAL. LIA NÃO NEGARA O QUE VIRA E ADMITIRA NÃO DENUNCIÁ-LOS AO DELEGADO, POR UMA RAZÃO: A FILHA. OTTO E VON MULLER AMEAÇARAM DESAPARECER COM A MENINA. IMPUSERA APENAS UMA CONDIÇÃO A MAIS. TRATAR PESSOALMENTE DE NANÁ, CASO A VELHA CONSEGUISSE REAGIR À MORTE. O QUE ERA IMPROVÁVEL.

O PREFEITO SORRIU, CHAMOU A SECRETÁRIA.

OTTO  -  Cida... diga ao delegado que preciso falar com ele e mande um homem nosso, de confiança, dar um pulo ao hospital. Quero que ele saiba, discretamente, notícias de Naná.

CORTA PARA:


CENA 5  -  CAJAZEIRAS  -  CASA DE CYRO  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

NO ESCONDERIJO DA SERRA, CYRO ACABARA DE CHAMAR CESÁRIO.

CYRO  -  Venha até aqui. Estávamos falando de você.

O HOMEM SE DESLOCOU INSEGURO, DESCONFIADO, SEGUIDO PELOS OLHOS NADA AMISTOSOS DOS COMPANHEIROS DE CYRO VALDEZ.

CESÁRIO  -  Estavam falando de mim?

CYRO  -  Exato.

CESÁRIO TENTAVA DAR UM AR DE BRINCADEIRA ÀS SUAS PALAVRAS E GESTOS. PRETENDIA QUEBRAR A SERIEDADE DESAGRADÁVEL DO AMBIENTE.

CESÁRIO  -  Se não é segredo, eu posso saber?

CYRO  -  Pode, Cesário. Claro que pode! Martins e Jonas não confiam em você. Estavam tentando me convencer a partir esta noite. E a deixá-lo aqui, sozinho.

CESÁRIO  -  É?

CYRO  -  É.

CESÁRIO  -  E o senhor?

CYRO  -  Eu resolvi que... vamos continuar aqui... e com você.

MESTRE JONAS  -  (em tom repreensivo) Cyro!

CYRO  -  E vou continuar aqui, principalmente porque confio em você, Cesário. Eu sei que posso confiar em você!

CESÁRIO  -  É.

CYRO  -  Aliás, você me ensinou a confiar em você, não foi?

CESÁRIO  -  Foi... sim.

CYRO  -  Então, por que você não faz agora o mesmo com Jonas e Martins?

CORTA PARA:

CENA 6  -  PORTO AZUL  -  PREFEITURA  -  GABINETE DO PREFEITO  -  INTERIOR  -  DIA

O DELEGADO EXPLODIU, AVERMELHADO PELA RAIVA.

DELEGADO  -  Me desculpe, Seu Otto, mas acho que o senhor não entendeu bem o significado do que está me pedindo.

OTTO  -  (em voz alta) Entendi muito bem. Estou lhe pedindo para engavetar o processo que Júlia move contra Cesário.

DELEGADO  -  Mas... Seu Otto!

OTTO  -  Não me chame de Seu Otto. Sou o senhor prefeito!

DELEGADO  -  Senhor prefeito... eu não posso de forma alguma sustar um processo.

OTTO  -  Como não pode? Não pode por quê?

DELEGADO  -  Porque se trata, no mínimo, de contrariar os princípios básicos da justiça... da garantia da ordem e do bem-estar social.

OTTO ASSUMIU UM AR DESAFIADOR. CRUZOU OS BRAÇOS Á FRENTE DO PEITO.

OTTO  -  E no máximo?

DELEGADO  -  No máximo, se trata de uma desonestidade... se trata de cometer outro crime ainda mais grave.

OTTO  -  (berrou) O senhor tem a coragem de me chamar de desonesto? Tem?

VON MULLER  -  (decidiu intervir) Um momento, senhorr delegada. Eu achar que estarr havendo um pequeno mal entendido. Quem sabe eu poderr explicar melhor? Otto não estarr muito bem de saúde. Senhor não deve levar em consideração o que ele dizer... Ele non querr ofenderr nobre delegada... quererr apenas pedir um favor. Uma pequena favor. (o delegado encarou os olhos pequeninos do alemão e percebeu que o homem era muito mais perigoso que o brutamontes que tinha à sua frente. Von Muller prosseguiu) Em que fase está a processo da Senhorra Júlia contra Senhorr Cesário?

DELEGADO  -  Está na fase de inquérito policial. Ainda preciso fazer algumas investigações para depois encaminhá-lo à promotoria.

VON MULLER  -  Em suma, isso quererr dizerr que o senhorr ser ainda a autoridade máxima no processo? Que tudo dependerr ainda do senhorr?

DELEGADO  -  De certa maneira...

VON MULLER  -  Pois então o senhorr não podia transformar o inquérita em simples diligência parra averiguação e depois mandarr arquivarr ele por falta absoluta de provas?

DELEGADO  -  O senhor me... me perdoe, mas isso ainda é pior do que o que o senhor prefeito queria...

VON MULLER  -  Por quê?

DELEGADO  -  Porque é mais desonesto. O senhor quer que eu me utilize de um recurso legal, legítimo, para encobrir uma falsidade.

VON MULLER  -  O senhorr parece gostarr muito desta palavra desonesto!

DELEGADO  -  Quando lido com gente desonesta, não conheço melhor palavra para usar.

O ALEMÃO RETESOU-SE, CONTENDO A FÚRIA. OTTO ESMURROU A MESA, ENCOLERIZADO.

OTTO  -  Cale-se! Eu não admito que o senhor diga uma coisa destas!

DELEGADO  -  E eu não admito que o senhor queira me forçar a proceder ilegalmente. Vou levar isso ao conhecimento das autoridades superiores.

VON MULLER PRESSENTIU QUE ERA NECESSÁRIO VOLTAR À TÁTICA DO ENVOLVIMENTO. O JOGO SE TORNARA EXTREMAMENTE PERIGOSO. A CARTADA DEVIA SER ALTÍSSIMA PARA IMPEDIR CONTRA-ATAQUE SEM DEFESA.

VON MULLER  -  É que o senhorr é meia durra de entenderr. Nós temos certas interesses em paralisar esta processo, pelo menos temporariamente...

DELEGADO  -  Então atravesse uma petição nos autos... junte provas, fatos, argumentos... eu os analisarei... e se eles forem justos, o senhor poderá conseguir o que pretende... através da lei... de uma forma...

VON MULLER  -  (completou) ... honesta!

DELEGADO  -  Isso mesmo! Honesta!

VEIO À MENTE DO DELEGADO O ESTRANHO CASO DO FERIMENTO DA DONA DO CABARÉ. PODERIA SER UMA FISGADA DECISIVA NO PREFEITO.

DELEGADO  -  Dona Lia está? Eu precisava conversar com ela.

OTTO  -  Conversar com minha esposa para quê?

DELEGADO  -  Ontem Naná, a dona do cabaré, deu entrada no hospital, ferida a bala. Dona Lia estava com ela e eu preciso fazer-lhe algumas perguntas. Foi ela quem chamou o médico e conduziu a paciente ao hospital...

OTTO  -  Fazer perguntas a minha esposa? Nunca!

DELEGADO  -  O detetive de plantão no hospital fez o registro policial do caso Sua esposa foi indiciada como testemunha, e precisa ser ouvida. É a lei.

OTTO  -  Ouça aqui! (disse, fora de si) Eu ainda sou o prefeito desta cidade. Se o senhor insistir com essas ideias... eu vou conseguir sua remoção para outro lugar. Ouviu bem? Eu lhe dou um prazo de 24 horas para o senhor esquecer o processo de Cesário e de Naná... 24 horas, está ouvindo? Agora saia!

COMO UM CORDEIRO CONDENADO À MORTE, O DR. MOREIRA, CABISBAIXO E ROSNANDO AMEAÇAS, DEIXOU A SALA DE DESPACHOS.

O DELEGADO MOREIRA ERA, SEM DÚVIDA, UM FRACO.

FIM DO CAPÍTULO 110






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