Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair
CAPÍTULO 101
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
BRAZ
JOÃO
MÁRCIA / DIANA
NITA
BEATO VENÂNCIO
CENA 1 - ALDEIA - CHOUPANA DE JOÃO - SALA DE JANTAR - INT. - NOITE.
A noite quedava-se na Serra da Lagoa Santa.
Nita detestava instintivamente a mulher de João. Fosse Márcia, Lara ou Diana. E era com um misto de desassossego e raiva que ela se via obrigada a servir à mesa. Pelo canto dos olhos observava o sorriso que ressaltava a felicidade da rival. João acariciava a mão da esposa, embevecido. Braz entrou, como sempre, apressado.
BRAZ - Num vim atrapalhá...
JOÃO - Senta aí e come com a gente! Nós tava falano agora mesmo do morto-vivo. Márcia teve lá em Belo Horizonte, na direção que meu irmão Duda deu.
MÁRCIA - Não tive sorte. O casal já havia deixado o hospital.
JOÃO - Eu vou mandá alguém de confiança procurá por Dona Branca. Pra isso a gente tinha que sabê com Alberto a direção da mãe dele, na capital.
BRAZ - (comunicou, aborrecido) Tá difícil se comunicá com Alberto. Gorica mesmo veio o Raimundo, de Coroado. Ele, que num é conhecido, tentô visitá o rapaz na cadeia. Falcão num deixô ele entrá.
JOÃO - Mas a gente tem que sabê notícia dele. Não se pode abandoná um companheiro.
Estendeu a caneca para que Nita a enchesse de vinho tinto.
BRAZ - Também acho.
JOÃO - Tou matutando as idéia... procurando um jeito de tirá ele de lá. Confesso que tou meio pobre de pensamento.
MÁRCIA - Acho que não convém você se arriscar, João.
BRAZ - Nem a gente deixa.
MÁRCIA - (pediu vinho a Nita) Um pouco, por favor. (ergueu a taça. A mulher permaneceu de costas, ignorando a solicitação. Márcia tornou a pedir a bebida) Nita, por favor, você quer me servir vinho?
JOÃO - (interferiu, com energia, ao constatar a má vontade da outra) Nita! Minha mulhé tá falando. Serve ela de vinho!
NITA - (voltou-se, bruscamente, zangada) Dela não sou criada!
Como se impelido por um jato, o rapaz ergueu-se da cadeira, jogando-a ao chão.
JOÃO - Nita!
MÁRCIA - Deixa, João!
NITA - (repetiu, com os dentes trincados) Dela não sou criada! Já disse.
JOÃO - Ela é minha mulher, Nita!
O ódio enrubescia a face da jovem e com modos grosseiros encheu o copo de Márcia. Por um instante algo transtornou o pensamento da criada e, num lampejo de ira, ela atirou a bebida contra o corpo da mulher a quem odiava. Márcia nem teve tempo de esquivar-se. O vinho tingiu de roxo suas vestes. Num átimo, Nita desapareceu pela porta dos fundos.
JOÃO - Você já viu disso, Braz? (e dirigindo-se à esposa) Ela tem feito isso outras vezes, Márcia?
MÁRCIA - Não, João, não... apenas sinto que ela não gosta de mim. E... eu posso adivinhar qual a razão. Ela gosta de você!
JOÃO - A razão... a razão é lá da cabeça dela. Eu num tenho nenhuma culpa se ela cismou comigo. Deus é testemunha de que eu nunca dei a menor bola prela... Não por nada... que até podia ter me aproveitado. Mas, eu num sou disso... tá aí o Braz que pode dizê se eu tou mentindo!
O negro confirmou com um leve movimento de cabeça.
BRAZ - (coçou a cabeça e aduziu) Nisso João num tem culpa. Justiça seja feita. Ela arrastô um bocado as asa pra ele e ele tava sempre com o pensamento nocê.
JOÃO - Mas eu vou lá e dou uma lição nela...
CORTA PARA:
CENA 2 - ALDEIA - CHOUPANA DE JOÃO - QUARTO - INT. - NOITE.
Era tempo de João Coragem encontrar-se com o grupo que chefiava. O relógio marcava 22 horas. O encontro fora programado para as 22,20. O garimpeiro curvou-se sobre a cama, beijou a testa da esposa e, com o paletó no ombro, abriu a porta do quarto e saiu. Nita vinha entrando com o chá fumegante.
MÁRCIA - Obrigada por ter trazido o chá, Nita!
Sem dizer palavra a bela empregada entregou a xícara nas mãos da mulher. Márcia, com um gesto calmo, tirou um comprimido do vidro de remédio, jogou-o à boca e bebeu um gole do chá quente. Meio engasgada cuspiu fora a bebida, com expressão de nojo. Olhou o fundo do recipiente.
MÁRCIA - Terra!... Você pôs terra no chá!
Nita sorria irônica, enquanto Márcia lavava a boca na janela escancarada. Um vento frio adentrava o quarto.
MÁRCIA - O que é que você pretende com isso?
Aumentando o ritmo da gargalhada a estranha mulher encaminhou-se para os seus aposentos.
Tudo aconteceu repentinamente. Como a fusão da água para o vapor. Num instante era Márcia: no seguinte, Diana. A personagem agressiva lançou longe o vidrinho de comprimidos. Com movimentos rápidos, ajeitou os cabelos, as vestes e rodopiando no centro do quarto, jogou ao chão os restos do chá com terra.
CORTA PARA:
CENA 3 - ALDEIA - CHOUPANA DE NITA - COZINHA - INT. - NOITE.
Nita acendia o fogo na cabana rústica. Ouviu a voz que a chamava.
DIANA - Ei, cara, você aí!!
A princípio não pôde compreender o porquê da presença da mulher de João em sua casa. Fixou os olhos na garrafa e no copo que a outra empunhava. Diana cruzou molemente o chão de terra e depositou a garrafa sobre a mesa simples, enfeitada com um vaso verde. Fora de si, atirou o conteúdo do copo no rosto da rival e com as mãos enegrecidas pelo pó esfregou um punhado de terra nos lábios da mulher. Empurrou-lhe o resto pela boca. Aas duas rolaram, derrubando cadeiras e móveis, numa luta de vida ou morte. Diana arranhava impiedosamente o rosto da outra, arrancando pedaços da pele com o gume afiado das unhas. Nita estrebuchava, com os olhos esbugalhados e uma expressão de desespero. As duas mulheres rolavam pelo chão, derrubando móveis, ferindo o silencio da noite alta.
O beato Venâncio, figura estranha que, misteriosamente, sem saber de onde, aparecera na pequena aldeia dos foragidos, entrou e estacou, levantando as mãos ao céu.
BEATO VENÂNCIO - Deus Nosso Sinhô Jesus Cristo!
Alguns se referiam à fama de milagreiro do místico sertanejo, de alpargatas de couro resistente e longa bata branca quase a tocar-lhe os pés. Do pescoço caía-lhe sobre o peito a cruz rústica de madeira. Dois pedaços cortados a canivete e colados com goma castanha. Venâncio observou a cena, atraído pelo barulho da queda dos móveis.
BEATO VENÂNCIO - É o demônio que tomou conta do corpo das duas.
Deixou o local a passos largos, correndo para o centro do povoado.
BEATO VENÂNCIO - João! João!
Diana levantou-se, libertando a rival de suas mãos impiedosas. Estava agressiva, refletindo no brilho dos olhos a loucura de que fora possuída. Ouvia, ao longe, os gritos do beato.
BEATO VENÂNCIO - (off) João! João!
Um súbito receio sustou de vez os movimentos da mulher. Preferiu fugir, ajudada pela escuridão, da pequenina aldeia de João Coragem.
CORTA PARA:
CENA 4 - OUTEIRO - EXT. - NOITE.
Beato Venâncio conseguiu alcançar o topo do outeiro e vislumbrou a luz baça que clareava o grupo de homens, reunidos em torno do chefe. O beato bradou, como se fora um profeta, no alto da montanha. As vestes esvoaçando, batidas pelo vento.
BEATO VENÂNCIO - João! Vem cá! João!
A voz rouca chamou a atenção dos foras-da-lei. João atirou terra sobre a pequena fogueira. Os homens voltaram-se.
JOÃO - Diacho... que foi que deu no Venâncio?
BRAZ - Parece que houve alguma coisa!
JOÃO - (com um pressentimento desagradável, convocou a turma) Vamos lá, gente!
CORTA PARA:
CENA 5 - ALDEIA - CHOUPANA DE NITA - COZINHA - INT. - NOITE.
Nita continuava encolhida junto à parede de barro, as mãos tapando o rosto lanhado, de onde escorria um filete de sangue, riscando um traço vermelho na linha do maxilar. João Coragem correu os olhos à procura da esposa. Via apenas Nita, um monte de pano jogado ao canto da sala.
JOÃO - (voltando-se para o místico) Que foi que houve aqui, Venâncio?
BEATO VENÂNCIO - Entrei... (abrindo os braços num gesto de Messias) Vinha fazê minha oração de toda noite, pra afastá os pecado do corpo de Nita. Ela anda cheia de maus pensamentos.
Enquanto o beato falava, Braz Canoeiro atendia a jovem apavorada, com as vestes e o corpo imundos. Nita evitava mostrar-lhe o rosto.
JOÃO - E daí?
BEATO VENÂNCIO - Cheguei aqui e vi ela, mais tua mulhé, querendo se matá, uma a outra...
JOÃO - Minha mulhé? Brigando com Nita?
BEATO VENÂNCIO - Foi. As duas rolando feito fera!
João aproximou-se da mulher, encolhida. Forçou-a a levantar-se.
JOÃO - Isto é verdade, Nita?
A jovem não respondeu de imediato. Com lentidão abriu o leque das mãos e mostrou o rosto ferido.
JOÃO - Me dá aí o lampião, Braz.
O beato aproximou a luz da face pálida da mulher. Os homens examinaram horrorizados os ferimentos que lembravam marcas de garras de pantera.
BRAZ - (se benzendo) Virge Mãe! Parece mesmo que andou lutando com fera!
JOÃO - Tu confirma que foi minha mulhé quem fez isso?
NITA - Foi.
JOÃO - Será possível, meu Deus?
BRAZ - (acercou-se do companheiro. Respirava forte) Tá... tá pensando o que eu tou pensando, João?
JOÃO - (com rispidez) Não! Não acredito! Deve de tê sido outra mulhé! A minha num pode sê!
BRAZ - (sugeriu, disfarçadamente) Márcia, não... mas...
JOÃO - Num fala nisso, Braz! Eu me recuso a aceitá isso!
BEATO VENÂNCIO - (interveio, dramático) Era ela. Eu vi com estes olhos que a terra há de comê. Era ela e parecia outra...
JOÃO - (gritou) Cala a boca, Venâncio! Tu tá dizndo bobage! (virou-se para o negro, numa última busca de esperança) Vai lá, Braz! Vai lá e vê se Márcia tá dormindo!
BEATO VENÂNCIO - Ela saiu, por aí. Passô perto de mim e trazia nos olhos o desespero.
Braz despachou-se, aflito, enquanto João Coragem segurava Nita pelos ombros e a sacudia com violencia.
JOÃO - Se alguma coisa aconteceu, tu foi culpada. E se tu tem culpa, não quero mais te vê na minha frente. Por tudo que fez, tu merece um castigo. (puxou do braço do beato) Venâncio, reza ela. Se ocê num tirá a maldade de dentro dela... num quero mais vê ela aqui.
Erguendo o corpanzil, o rapaz se afastou colérico. Venâncio vergou o corpo e ajoelhou-se diante da moça. Braços abertos com as mãos para o alto.
BEATO VENÂNCIO - “Espírito das treva... deixa de lado o corpo da pecadora... Padre Nosso, que estais no céu...”
A noite quedava-se na Serra da Lagoa Santa.
Nita detestava instintivamente a mulher de João. Fosse Márcia, Lara ou Diana. E era com um misto de desassossego e raiva que ela se via obrigada a servir à mesa. Pelo canto dos olhos observava o sorriso que ressaltava a felicidade da rival. João acariciava a mão da esposa, embevecido. Braz entrou, como sempre, apressado.
BRAZ - Num vim atrapalhá...
JOÃO - Senta aí e come com a gente! Nós tava falano agora mesmo do morto-vivo. Márcia teve lá em Belo Horizonte, na direção que meu irmão Duda deu.
MÁRCIA - Não tive sorte. O casal já havia deixado o hospital.
JOÃO - Eu vou mandá alguém de confiança procurá por Dona Branca. Pra isso a gente tinha que sabê com Alberto a direção da mãe dele, na capital.
BRAZ - (comunicou, aborrecido) Tá difícil se comunicá com Alberto. Gorica mesmo veio o Raimundo, de Coroado. Ele, que num é conhecido, tentô visitá o rapaz na cadeia. Falcão num deixô ele entrá.
JOÃO - Mas a gente tem que sabê notícia dele. Não se pode abandoná um companheiro.
Estendeu a caneca para que Nita a enchesse de vinho tinto.
BRAZ - Também acho.
JOÃO - Tou matutando as idéia... procurando um jeito de tirá ele de lá. Confesso que tou meio pobre de pensamento.
MÁRCIA - Acho que não convém você se arriscar, João.
BRAZ - Nem a gente deixa.
MÁRCIA - (pediu vinho a Nita) Um pouco, por favor. (ergueu a taça. A mulher permaneceu de costas, ignorando a solicitação. Márcia tornou a pedir a bebida) Nita, por favor, você quer me servir vinho?
JOÃO - (interferiu, com energia, ao constatar a má vontade da outra) Nita! Minha mulhé tá falando. Serve ela de vinho!
NITA - (voltou-se, bruscamente, zangada) Dela não sou criada!
Como se impelido por um jato, o rapaz ergueu-se da cadeira, jogando-a ao chão.
JOÃO - Nita!
MÁRCIA - Deixa, João!
NITA - (repetiu, com os dentes trincados) Dela não sou criada! Já disse.
JOÃO - Ela é minha mulher, Nita!
O ódio enrubescia a face da jovem e com modos grosseiros encheu o copo de Márcia. Por um instante algo transtornou o pensamento da criada e, num lampejo de ira, ela atirou a bebida contra o corpo da mulher a quem odiava. Márcia nem teve tempo de esquivar-se. O vinho tingiu de roxo suas vestes. Num átimo, Nita desapareceu pela porta dos fundos.
JOÃO - Você já viu disso, Braz? (e dirigindo-se à esposa) Ela tem feito isso outras vezes, Márcia?
MÁRCIA - Não, João, não... apenas sinto que ela não gosta de mim. E... eu posso adivinhar qual a razão. Ela gosta de você!
JOÃO - A razão... a razão é lá da cabeça dela. Eu num tenho nenhuma culpa se ela cismou comigo. Deus é testemunha de que eu nunca dei a menor bola prela... Não por nada... que até podia ter me aproveitado. Mas, eu num sou disso... tá aí o Braz que pode dizê se eu tou mentindo!
O negro confirmou com um leve movimento de cabeça.
BRAZ - (coçou a cabeça e aduziu) Nisso João num tem culpa. Justiça seja feita. Ela arrastô um bocado as asa pra ele e ele tava sempre com o pensamento nocê.
JOÃO - Mas eu vou lá e dou uma lição nela...
CORTA PARA:
CENA 2 - ALDEIA - CHOUPANA DE JOÃO - QUARTO - INT. - NOITE.
Era tempo de João Coragem encontrar-se com o grupo que chefiava. O relógio marcava 22 horas. O encontro fora programado para as 22,20. O garimpeiro curvou-se sobre a cama, beijou a testa da esposa e, com o paletó no ombro, abriu a porta do quarto e saiu. Nita vinha entrando com o chá fumegante.
MÁRCIA - Obrigada por ter trazido o chá, Nita!
Sem dizer palavra a bela empregada entregou a xícara nas mãos da mulher. Márcia, com um gesto calmo, tirou um comprimido do vidro de remédio, jogou-o à boca e bebeu um gole do chá quente. Meio engasgada cuspiu fora a bebida, com expressão de nojo. Olhou o fundo do recipiente.
MÁRCIA - Terra!... Você pôs terra no chá!
Nita sorria irônica, enquanto Márcia lavava a boca na janela escancarada. Um vento frio adentrava o quarto.
MÁRCIA - O que é que você pretende com isso?
Aumentando o ritmo da gargalhada a estranha mulher encaminhou-se para os seus aposentos.
Tudo aconteceu repentinamente. Como a fusão da água para o vapor. Num instante era Márcia: no seguinte, Diana. A personagem agressiva lançou longe o vidrinho de comprimidos. Com movimentos rápidos, ajeitou os cabelos, as vestes e rodopiando no centro do quarto, jogou ao chão os restos do chá com terra.
CORTA PARA:
CENA 3 - ALDEIA - CHOUPANA DE NITA - COZINHA - INT. - NOITE.
Nita acendia o fogo na cabana rústica. Ouviu a voz que a chamava.
DIANA - Ei, cara, você aí!!
A princípio não pôde compreender o porquê da presença da mulher de João em sua casa. Fixou os olhos na garrafa e no copo que a outra empunhava. Diana cruzou molemente o chão de terra e depositou a garrafa sobre a mesa simples, enfeitada com um vaso verde. Fora de si, atirou o conteúdo do copo no rosto da rival e com as mãos enegrecidas pelo pó esfregou um punhado de terra nos lábios da mulher. Empurrou-lhe o resto pela boca. Aas duas rolaram, derrubando cadeiras e móveis, numa luta de vida ou morte. Diana arranhava impiedosamente o rosto da outra, arrancando pedaços da pele com o gume afiado das unhas. Nita estrebuchava, com os olhos esbugalhados e uma expressão de desespero. As duas mulheres rolavam pelo chão, derrubando móveis, ferindo o silencio da noite alta.
O beato Venâncio, figura estranha que, misteriosamente, sem saber de onde, aparecera na pequena aldeia dos foragidos, entrou e estacou, levantando as mãos ao céu.
BEATO VENÂNCIO - Deus Nosso Sinhô Jesus Cristo!
Alguns se referiam à fama de milagreiro do místico sertanejo, de alpargatas de couro resistente e longa bata branca quase a tocar-lhe os pés. Do pescoço caía-lhe sobre o peito a cruz rústica de madeira. Dois pedaços cortados a canivete e colados com goma castanha. Venâncio observou a cena, atraído pelo barulho da queda dos móveis.
BEATO VENÂNCIO - É o demônio que tomou conta do corpo das duas.
Deixou o local a passos largos, correndo para o centro do povoado.
BEATO VENÂNCIO - João! João!
Diana levantou-se, libertando a rival de suas mãos impiedosas. Estava agressiva, refletindo no brilho dos olhos a loucura de que fora possuída. Ouvia, ao longe, os gritos do beato.
BEATO VENÂNCIO - (off) João! João!
Um súbito receio sustou de vez os movimentos da mulher. Preferiu fugir, ajudada pela escuridão, da pequenina aldeia de João Coragem.
CORTA PARA:
CENA 4 - OUTEIRO - EXT. - NOITE.
Beato Venâncio conseguiu alcançar o topo do outeiro e vislumbrou a luz baça que clareava o grupo de homens, reunidos em torno do chefe. O beato bradou, como se fora um profeta, no alto da montanha. As vestes esvoaçando, batidas pelo vento.
BEATO VENÂNCIO - João! Vem cá! João!
A voz rouca chamou a atenção dos foras-da-lei. João atirou terra sobre a pequena fogueira. Os homens voltaram-se.
JOÃO - Diacho... que foi que deu no Venâncio?
BRAZ - Parece que houve alguma coisa!
JOÃO - (com um pressentimento desagradável, convocou a turma) Vamos lá, gente!
CORTA PARA:
CENA 5 - ALDEIA - CHOUPANA DE NITA - COZINHA - INT. - NOITE.
Nita continuava encolhida junto à parede de barro, as mãos tapando o rosto lanhado, de onde escorria um filete de sangue, riscando um traço vermelho na linha do maxilar. João Coragem correu os olhos à procura da esposa. Via apenas Nita, um monte de pano jogado ao canto da sala.
JOÃO - (voltando-se para o místico) Que foi que houve aqui, Venâncio?
BEATO VENÂNCIO - Entrei... (abrindo os braços num gesto de Messias) Vinha fazê minha oração de toda noite, pra afastá os pecado do corpo de Nita. Ela anda cheia de maus pensamentos.
Enquanto o beato falava, Braz Canoeiro atendia a jovem apavorada, com as vestes e o corpo imundos. Nita evitava mostrar-lhe o rosto.
JOÃO - E daí?
BEATO VENÂNCIO - Cheguei aqui e vi ela, mais tua mulhé, querendo se matá, uma a outra...
JOÃO - Minha mulhé? Brigando com Nita?
BEATO VENÂNCIO - Foi. As duas rolando feito fera!
João aproximou-se da mulher, encolhida. Forçou-a a levantar-se.
JOÃO - Isto é verdade, Nita?
A jovem não respondeu de imediato. Com lentidão abriu o leque das mãos e mostrou o rosto ferido.
JOÃO - Me dá aí o lampião, Braz.
O beato aproximou a luz da face pálida da mulher. Os homens examinaram horrorizados os ferimentos que lembravam marcas de garras de pantera.
BRAZ - (se benzendo) Virge Mãe! Parece mesmo que andou lutando com fera!
JOÃO - Tu confirma que foi minha mulhé quem fez isso?
NITA - Foi.
JOÃO - Será possível, meu Deus?
BRAZ - (acercou-se do companheiro. Respirava forte) Tá... tá pensando o que eu tou pensando, João?
JOÃO - (com rispidez) Não! Não acredito! Deve de tê sido outra mulhé! A minha num pode sê!
BRAZ - (sugeriu, disfarçadamente) Márcia, não... mas...
JOÃO - Num fala nisso, Braz! Eu me recuso a aceitá isso!
BEATO VENÂNCIO - (interveio, dramático) Era ela. Eu vi com estes olhos que a terra há de comê. Era ela e parecia outra...
JOÃO - (gritou) Cala a boca, Venâncio! Tu tá dizndo bobage! (virou-se para o negro, numa última busca de esperança) Vai lá, Braz! Vai lá e vê se Márcia tá dormindo!
BEATO VENÂNCIO - Ela saiu, por aí. Passô perto de mim e trazia nos olhos o desespero.
Braz despachou-se, aflito, enquanto João Coragem segurava Nita pelos ombros e a sacudia com violencia.
JOÃO - Se alguma coisa aconteceu, tu foi culpada. E se tu tem culpa, não quero mais te vê na minha frente. Por tudo que fez, tu merece um castigo. (puxou do braço do beato) Venâncio, reza ela. Se ocê num tirá a maldade de dentro dela... num quero mais vê ela aqui.
Erguendo o corpanzil, o rapaz se afastou colérico. Venâncio vergou o corpo e ajoelhou-se diante da moça. Braços abertos com as mãos para o alto.
BEATO VENÂNCIO - “Espírito das treva... deixa de lado o corpo da pecadora... Padre Nosso, que estais no céu...”
FIM DO CAPÍTULO 101
Nita (Ana Maria Lage) |
E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...
*** Após a briga com Nita, Diana desaparece da aldeia, deixando João desesperado!
*** Escondido numa casa em bairro afastado de Belo Horizonte, Lourenço se recupera do acidente, com a ajuda da mulher, Branca.
NÃO PERCA O CAPÍTULO 102 DE