domingo, 23 de outubro de 2011

IRMÃOS CORAGEM - Capítulo 101


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair 

CAPÍTULO 101
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
BRAZ
JOÃO
MÁRCIA / DIANA
NITA
BEATO VENÂNCIO

CENA 1  -  ALDEIA  -  CHOUPANA DE JOÃO  -  SALA DE JANTAR  -  INT.  -  NOITE.

A noite quedava-se na Serra da Lagoa Santa.

Nita detestava instintivamente a mulher de João. Fosse Márcia, Lara ou Diana. E era com um misto de desassossego e raiva que ela se via obrigada a servir à mesa. Pelo canto dos olhos  observava o sorriso que ressaltava a felicidade da rival. João acariciava a mão da esposa, embevecido. Braz entrou, como sempre, apressado.


BRAZ  -  Num vim atrapalhá...

JOÃO  -  Senta aí e come com a gente!  Nós tava falano agora mesmo do morto-vivo. Márcia teve lá em Belo Horizonte, na direção que meu irmão Duda deu.

MÁRCIA  -  Não tive sorte.  O casal já havia deixado o hospital.

JOÃO  -  Eu vou mandá alguém de confiança procurá por Dona Branca. Pra isso a gente tinha que sabê com Alberto a direção da mãe dele, na capital.

BRAZ  -  (comunicou, aborrecido)  Tá difícil se comunicá com Alberto. Gorica mesmo veio o Raimundo, de Coroado. Ele, que num é conhecido, tentô visitá o rapaz na cadeia. Falcão num deixô ele entrá.

JOÃO  -  Mas a gente tem que sabê notícia dele. Não se pode abandoná um companheiro.

Estendeu a caneca para que Nita a enchesse de vinho tinto.

BRAZ  -  Também acho.

JOÃO  -  Tou matutando as idéia... procurando um jeito de tirá ele de lá. Confesso que tou meio pobre de pensamento.

MÁRCIA  -  Acho que não convém você se arriscar, João.

BRAZ  -  Nem a gente deixa.

MÁRCIA  -  (pediu vinho a Nita)  Um pouco, por favor. (ergueu a taça. A mulher permaneceu de costas, ignorando a solicitação. Márcia tornou a pedir a bebida)  Nita, por favor, você quer me servir vinho?

JOÃO  -  (interferiu, com energia, ao constatar a má vontade da outra)  Nita! Minha mulhé tá falando. Serve ela de vinho!

NITA  -  (voltou-se, bruscamente, zangada)  Dela não sou criada!

Como se impelido por um jato, o rapaz ergueu-se da cadeira, jogando-a ao chão.


JOÃO  -  Nita!

MÁRCIA  -  Deixa, João!

NITA  -  (repetiu, com os dentes trincados)  Dela não sou criada! Já disse.

JOÃO  -  Ela é minha mulher, Nita!

O ódio enrubescia a face da jovem e com modos grosseiros encheu o copo de Márcia. Por um instante algo transtornou o pensamento da criada e, num lampejo de ira, ela atirou a bebida contra o corpo da mulher a quem odiava. Márcia nem teve tempo de esquivar-se. O  vinho tingiu de roxo suas vestes. Num átimo, Nita desapareceu pela porta dos fundos.

JOÃO  -  Você já viu disso, Braz? (e dirigindo-se à esposa)  Ela tem feito isso outras vezes, Márcia?

MÁRCIA  -  Não, João, não... apenas sinto que ela não gosta de mim. E... eu posso adivinhar qual a razão. Ela gosta de você!

JOÃO  -  A razão... a razão é lá da cabeça dela. Eu num tenho nenhuma culpa se ela cismou comigo. Deus é testemunha de que eu nunca dei a menor bola prela... Não por nada... que até podia ter me aproveitado. Mas, eu num sou disso... tá aí o Braz que pode dizê se eu tou mentindo!

O negro confirmou com um leve movimento de cabeça.

BRAZ  -  (coçou a cabeça e aduziu)  Nisso João num tem culpa. Justiça seja feita. Ela arrastô um bocado as asa pra ele e ele tava sempre com o pensamento nocê.

JOÃO  -  Mas eu vou lá e dou uma lição nela...

CORTA PARA:

CENA 2  -  ALDEIA  -  CHOUPANA DE JOÃO  -  QUARTO -  INT.  -  NOITE.

 
Era tempo de João Coragem encontrar-se com o grupo que chefiava. O relógio marcava 22 horas. O encontro fora programado para as 22,20. O garimpeiro curvou-se sobre a cama, beijou a testa da esposa e, com o paletó no ombro, abriu a porta do quarto e saiu.  Nita vinha entrando com o chá fumegante.


MÁRCIA  -  Obrigada por ter trazido o chá, Nita!

Sem dizer palavra a bela empregada entregou a xícara nas mãos da mulher. Márcia, com um gesto calmo, tirou um comprimido do vidro de remédio, jogou-o à boca e bebeu um gole do chá quente. Meio engasgada cuspiu fora a bebida, com expressão de nojo. Olhou o fundo do recipiente.

MÁRCIA  -  Terra!... Você pôs terra no chá!

Nita sorria irônica, enquanto Márcia lavava a boca na janela escancarada. Um vento frio adentrava o quarto.

MÁRCIA  -  O que é que você pretende com isso?

Aumentando o ritmo da gargalhada a estranha mulher encaminhou-se para os seus aposentos.

Tudo aconteceu repentinamente. Como a fusão da água para o vapor. Num instante era Márcia: no seguinte, Diana. A personagem agressiva lançou longe o vidrinho de comprimidos. Com movimentos rápidos, ajeitou os cabelos, as vestes e rodopiando no centro do quarto, jogou ao chão os restos do chá com terra.

CORTA PARA:

CENA 3  -  ALDEIA  -  CHOUPANA DE NITA  -  COZINHA  -  INT.  -  NOITE.

Nita acendia o fogo na cabana rústica. Ouviu a voz que a chamava.


DIANA  -  Ei, cara, você aí!!

A princípio não pôde compreender o porquê da presença da mulher de João em sua casa. Fixou os olhos na garrafa e no copo que a outra empunhava. Diana cruzou molemente o chão de terra e depositou a garrafa sobre a mesa simples, enfeitada com um vaso verde. Fora de si, atirou o conteúdo do copo no rosto da rival e com as mãos enegrecidas pelo pó esfregou um punhado de terra nos lábios da mulher. Empurrou-lhe o resto pela boca. Aas duas rolaram, derrubando cadeiras e móveis, numa luta de vida ou morte. Diana arranhava impiedosamente o rosto da outra, arrancando pedaços da pele com o gume afiado das unhas. Nita estrebuchava, com os olhos esbugalhados e uma expressão de desespero. As duas mulheres rolavam pelo chão, derrubando móveis, ferindo o silencio da noite alta.

O beato Venâncio, figura estranha que, misteriosamente, sem saber de onde, aparecera na pequena aldeia dos foragidos, entrou e estacou, levantando as mãos ao céu.


BEATO VENÂNCIO  -  Deus Nosso Sinhô Jesus Cristo!

Alguns se referiam à fama de milagreiro do místico sertanejo, de alpargatas de couro resistente e longa bata branca quase a tocar-lhe os pés. Do pescoço caía-lhe sobre o peito a cruz rústica de madeira. Dois pedaços cortados a canivete  e colados com goma castanha. Venâncio observou a cena, atraído pelo barulho da queda dos móveis.

BEATO VENÂNCIO  -  É o demônio que tomou conta do corpo das duas.

Deixou o local a passos largos, correndo para o centro do povoado.

BEATO VENÂNCIO  -  João! João!

Diana levantou-se, libertando a rival de suas mãos impiedosas. Estava agressiva, refletindo no brilho dos olhos a loucura de que fora possuída. Ouvia, ao longe, os gritos do beato.


BEATO VENÂNCIO  -  (off)  João! João!

Um súbito receio sustou de vez os movimentos da mulher. Preferiu fugir, ajudada pela escuridão, da pequenina aldeia de João Coragem.


CORTA PARA:

CENA 4  -  OUTEIRO  -  EXT.  -  NOITE.


Beato Venâncio conseguiu alcançar o topo do outeiro e vislumbrou a luz baça que clareava o grupo de homens, reunidos em torno do chefe. O beato bradou, como se fora um profeta, no alto da montanha. As vestes esvoaçando, batidas pelo vento.


BEATO VENÂNCIO  -  João! Vem cá! João!

A voz rouca chamou a atenção dos foras-da-lei. João atirou terra sobre a pequena fogueira. Os homens voltaram-se.


JOÃO  -  Diacho... que foi que deu no Venâncio?

BRAZ  -  Parece que houve alguma coisa!

JOÃO  -  (com um pressentimento desagradável, convocou a turma)  Vamos lá, gente!

CORTA PARA:

CENA  5  -  ALDEIA  -  CHOUPANA DE NITA   -  COZINHA  -  INT.  -  NOITE.

Nita continuava encolhida junto à parede de barro, as mãos tapando o rosto lanhado, de onde escorria um filete de sangue, riscando um traço vermelho na linha do maxilar. João Coragem correu os olhos à procura da esposa. Via apenas Nita, um monte de pano jogado ao canto da sala.


JOÃO  -  (voltando-se para o místico) Que foi que houve aqui, Venâncio?

BEATO VENÂNCIO  -  Entrei... (abrindo os braços num gesto de Messias)  Vinha fazê minha oração de toda noite, pra afastá os pecado do corpo de Nita. Ela anda cheia de maus pensamentos.

Enquanto o beato falava, Braz Canoeiro atendia a jovem apavorada, com as vestes e o corpo imundos. Nita evitava mostrar-lhe o rosto.

JOÃO  -  E daí?

BEATO VENÂNCIO  -  Cheguei aqui e vi ela, mais tua mulhé, querendo se matá, uma a outra...

JOÃO  -  Minha mulhé? Brigando com Nita?

BEATO VENÂNCIO  -  Foi. As duas rolando feito fera!

João aproximou-se da mulher, encolhida. Forçou-a a levantar-se.

JOÃO  -  Isto é verdade, Nita?

A jovem não respondeu de imediato. Com lentidão abriu o leque das mãos e mostrou o rosto ferido.


JOÃO  -  Me dá aí o lampião, Braz.

O beato aproximou a luz da face pálida da mulher. Os homens examinaram horrorizados os ferimentos que lembravam marcas de garras de pantera.

BRAZ  -  (se benzendo) Virge Mãe! Parece mesmo que andou lutando com fera!

JOÃO  -  Tu confirma que foi minha mulhé quem fez isso?

NITA  -  Foi.

JOÃO  -  Será possível, meu Deus?

BRAZ  -  (acercou-se do companheiro. Respirava forte)  Tá... tá pensando o que eu tou pensando, João?

JOÃO  -  (com rispidez)  Não! Não acredito! Deve de tê sido outra mulhé! A minha num pode sê!

BRAZ  -  (sugeriu, disfarçadamente)  Márcia, não... mas...

JOÃO  -  Num fala nisso, Braz! Eu me recuso a aceitá isso!

BEATO VENÂNCIO  -    (interveio, dramático)  Era ela. Eu vi com estes olhos que a terra há de comê. Era ela e parecia outra...

JOÃO  -  (gritou)  Cala a boca, Venâncio! Tu tá dizndo bobage! (virou-se para o negro, numa última busca de esperança)  Vai lá, Braz! Vai lá e vê se Márcia tá dormindo!

BEATO VENÂNCIO  -  Ela saiu, por aí. Passô perto de mim e trazia nos olhos o desespero.

Braz despachou-se, aflito, enquanto João Coragem segurava Nita pelos ombros e a sacudia com violencia.


JOÃO  -  Se alguma coisa aconteceu, tu foi culpada. E se tu tem culpa, não quero mais te vê na minha frente. Por tudo que fez, tu merece um castigo. (puxou do braço do beato) Venâncio, reza ela. Se ocê num tirá a maldade de dentro dela... num quero mais vê ela aqui.

Erguendo o corpanzil, o rapaz se afastou colérico. Venâncio vergou o corpo e ajoelhou-se diante da moça. Braços abertos com as mãos para o alto.


BEATO VENÂNCIO  -  “Espírito das treva... deixa de lado o corpo da pecadora... Padre Nosso, que estais no céu...”

FIM DO CAPÍTULO  101
Nita (Ana Maria Lage)
E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...
*** Após a briga com Nita, Diana desaparece da aldeia, deixando João desesperado!

*** Escondido numa casa em bairro afastado de Belo Horizonte, Lourenço se recupera do acidente, com a ajuda da mulher, Branca.


NÃO PERCA O CAPÍTULO 102 DE
 

IRMÃOS CORAGEM - Capítulo 100


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair 

CAPÍTULO 100
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
JOÃO
CEMA
BRAZ
POTIRA
RODRIGO
DELEGADO FALCÃO
DR. MACIEL
PEDRO BARROS
JERÔNIMO
LÍDIA
MÁRCIA

CENA 1  -  ALDEIA  -  EXT.  -  ANOITECER.

João olhou mais uma vez a estrada que se perdia no meio das árvores distantes. O sol começava a cair no poente, tingindo o céu de várias tonalidades. A mata principiava a dormir. Pássaros e aves maiores ganhavam o espaço à procura dos ninhos. E um friozinho agradável arrepiava a pele dos foragidos.


JOÃO  -  (sempre olhando o infinito, perguntou à mulher de Braz Canoeiro)  Minha mulher, nada?

CEMA  -  Não, João... ainda não. Mas tu espera que... ela num demora.

JOÃO  -  Espero sentado, que em pé eu canso. Ela te tapeou, Cema. Ela num volta nunca mais. Tu vai vê.

CEMA  -  Seja pessimista, não, Jão!

JOÃO  -  Ela tava preparano isso tanto tempo, gente! Pois taí. Num volta mais, não!

Braz interveio, à procura de uma palavra de conforto. Sentia a extensão da dor que consumia o amigo. As eternas escapadas de Lara... Diana... Márcia.

BRAZ  -  João... o que tu quer que a gente faça?

JOÃO  -  Deixa o Clemente voltá com a resposta do Jeromo. Se Jeromo qué, a gente toma conta do trabalho da água durante a noite. E eu duvido que algum cabra do Pedro Barros se atreva a se aproximá da gente!

CEMA  -  (lembrou)  E o Alberto?

JOÃO  -  Falcão deve de ta preparano algum plano pra gente ir tirá ele de lá. Agarrô mais o Alberto por isso. Pra servi de isca. Senão ele tinha se preocupado um pouco mais comigo...

BRAZ  -  A gente num vai fazê nada por Alberto?

JOÃO  -  A gente faz sim ... num é já. É preciso encontrá o jeito, uma solução... uma coisa que Falcão nem sonha.

CORTA PARA:

CENA 2  -  COROADO  -  CASA DO DR. MACIEL  -  INT.  -  NOITE.

Potira abriu a porta, atendendo às pancadas que vinham da parte externa. Seus olhos se abriram como nunca e uma alegria diferente a invadiu sem que pudesse conter-se. Rodrigo estava à sua frente. De terno branco, barba feita e o bigode bem aparado, como de hábito.


POTIRA  -  Rodrigo!

RODRIGO  -  (seco, sem dar demonstração de alegria)  O que é que você está fazendo aqui?

POTIRA  -  Ritinha... tá fazendo serão na prefeitura. Eu vim ficar com a menina. O doutô tá na cadeia.

RODRIGO  -  Eu sei que o doutor está na cadeia. Vim aqui justamente para avisar Ritinha que vou tirar o pai dela, agora, de lá.

POTIRA  -  Que bom! Ela vai ficar satisfeita.

RODRIGO  -  Se ela chegar, avise...

O promotor ameaçou retirar-se. A mulher chamou-o com humildade.

POTIRA  -  Rodrigo... (ele voltou instantâneamente)  Você nem perguntou se eu fiquei curada... (sem dar resposta, o jovem procurou a porta de saída)  Rodrigo... você nem me disse se já me perdoou...

Não havia o que dizer. Rodrigo abandonou a residência do médico sem atender aos propósitos de reconciliação da esposa.


CORTA PARA:

CENA  3  -  DELEGACIA  -  CELA DO DR. MACIEL  -  INT.  -  NOITE.

Falcão abriu a porta da cela. O ferro rangeu nas dobradiças enferrujadas e deu liberdade ao velho e viciado médico de Coroado. Rodrigo acompanhava atento os movimentos do delegado. Ao lado um preso negro e repelente , com vestes encardidas e os dentes roídos pelas cáries, cantava.


RODRIGO  -  Vamos embora?

Com a brutalidade peculiar aos policiais, Falcão empurrou o médico.


DELEGADO FALCÃO  -  Vai e não fala muito. Senão eu resolvo te deixar aí até quando eu quiser.

RODRIGO  -  Você sabe que não tem argumentos para isso, Falcão.

DELEGADO FALCÃO  -  É... ele até que teve sorte... a vítima não deu queixa... até já foi embora.

RODRIGO  -  É. A vítima era um santo em figura de gente. (mudando de tom)  Vamos deixar de conversa fiada. O senhor está livre, Dr. Maciel.

Pela primeira vez o médico se dirigiu de maneira superior ao delegado da cidade.

DR. MACIEL  -  Você se aproveitou da minha fraqueza. Bateu no meu rosto. No rosto de um homem de bem. Deus o castigará por isso.

Um sorriso irônico abria os lábios grosseiros do policial.

RODRIGO  -  E Alberto?

DELEGADO FALCÃO  -   Deixa ele comigo (falou, com os dentes cerrados de raiva)  Deixa ele que contra esse as provas são mais concretas. Ele vai ser julgado como João Coragem, se Deus quiser.

Diogo Falcão voltou-se para a imagem de Cristo, pregada no topo de uma pilastra e se benzeu teatralmente.

Rodrigo olhou a cena horrorizado. Maciel fechou a carranca.


CORTA PARA:

CENA  4  -  COROADO  -  PRAÇA  -  EXT.  -  DIA.


A luta estava declarada entre os homens do coronel e o grupo de abnegados, reunido pelo prefeito. Jerônimo se prometera construir nova canalização para a cidade. Coroado teria água potável dentro de pouco tempo. Os tiroteios se sucediam nas margens do rio, porém os trabalhos prosseguiam lentos, mas produtivos.

Nem sempre as hostilidades resultavam em fracasso para os jagunços do coronel. Muita vez eles destruíam o que os homens laboriosamente haviam construído durante o dia.

Pedro Barros planejara uma tirada a mais, na sua longa lista de tramas, em prejuízo do prefeito. Reunira-se no centro da pracinha, rodeado de curiosos e capangas assalariados. Ao lado um monstrengo pouco conhecido na cidadezinha: um carro-pipa. O coronel subiu a uma cadeira e, enquanto seus homens distribuíam água à população, ajudado por um amplificador, falava com gesticulação dramática:


PEDRO BARROS  -  “Gente boa da minha terra. Meu povo! Tou aqui e tou estendendo a minha mão pra todos vocês. Eu num podia faltar numa hora destas, em que falhou escandalosamente a proteção do sujeito que se diz prefeito desta cidade, desta pobre cidade abandonada! (aguardou os olhares de aprovação dos presentes)  A água taí! (abriu os braços mostrando o carro-pipa)  Num vai faltá água pra vocês. Tou aqui zelando por todos os residentes da minha cidade. Bem sabem que podem confiar em mim. Todos conhecem meu passado. E a minha luta para dar a todos vocês conforto e felicidade. Eu quis provar, também, é que aqui ninguém faz nada. Ninguém tem competência pra nada! Ai de Coroado se num fosse Pedro Barros!”

Da sede da prefeitura Jerônimo e vários de seus auxiliares observavam a atitude demagógica do velho.


JERÔNIMO  -  Eu vou lá... eu mato esse sujeito à-toa!

LÍDIA  -  É isso que ele quer (ponderou, com a mão segurando a do marido)  Quer te levar ao desespero. Tem calma, Jerônimo. Vamos embora daqui.

JERÔNIMO  -  Mas eu preciso... preciso fazer alguma coisa!

No meio da praça o clamor aumentara. Lázaro comandava os trabalhos dos aguadeiros. E o coronel sorria, retirando densas fumaçadas do charuto grosso e de boa qualidade.

Algumas pessoas mais entusiasmadas ensaiavam vivas ao “Seu Coronel Pedro Barros, o dono de Coroado!”

CORTA PARA:


CENA 5  -  ALDEIA  -  CHOUPANA  -  INT.  -  DIA.

As pequenas pedras acumulavam-se sobre a mesa rústica, enquanto João selecionava os vários tipos. Fruto de muitos meses de trabalho duro.


CEMA  -  (entrou alegre, quase aos pulos)  João, adivinha quem ta aí?

JOÃO  -  Sei lá, Cema! Sou adivinho?

CEMA  -  Mas fala! Uma pessoa que tu deseja muito!

JOÃO  -  Ah, deixa de brincadeira! Brincadeira tem hora, Cema. Num tou aqui pra servi de palhaço pra ninguém, não!

CEMA  -  (piscando um olho)  Arrisca um bom pensamento!

João Coragem parou o serviço e recolheu as pedras a uma bolsinha de couro cru.


JOÃO  -  Tu tá falano sério, mulher?

CEMA  -  Ia menti, João? Tu me conhece, num conhece?

Sem aguardar maiores detalhes, o grandalhão arremessou-se na direção do quarto.

CENA  6  -  CHOUPANA  -  QUARTO  -  INT.  -  DIA.

JOÃO  -  Márcia! Márcia!

Márcia retirava as roupas que trouxera de Coroado numa maleta de couro. Voltou-se ao ouvir os berros do marido. Não houve tempo para explicações. Os braços abriram e a mulher aninhou-se entre eles. Os lábios uniram-se mais uma vez, selando um amor que força nenhuma conseguia destruir.


Meio sufocada, Márcia separou seus lábios dos do marido.

JOÃO  -  Ia te buscá, malvada...

MÁRCIA  -  Pensou que eu não voltasse?

JOÃO  -  Pensei.

MÁRCIA  -  Pensou que eu não gostasse mais de você?

JOÃO  -  Pensei. Pensei o pior de você...

MÁRCIA  -  Já estou perdoada? (perguntou, passando a unha de leve pela linha dos lábios do marido).

JOÃO  -  Tá, com a condição de nunca mais falá em separação...

MÁRCIA  -  Não falo mais, amor (respondeu, mordiscando o queixo do rapaz).

JOÃO  -  Então jura...

MÁRCIA  -  Até o dia... em que tiver de ir para sempre.

JOÃO  -  Esse dia nunca vai chegá.

MÁRCIA  -  Vai, João... vai chegar, sim... e temos que estar preparados.

JOÃO  -  Você num larga mais de mim. Você quis fazê uma experiência e voltô. Tá amarrada em mim... pro resto da vida... confessa... eu quero ver você confessá.

Lara ou Márcia ou Diana, lá quem fosse, sorria ante as palavras simples e ingênuas de um homem tão forte e decidido.

CORTA PARA:

CENA  7  -  COROADO  -  CIDADE  -  EXT.  -  DIA.


O sol queimava. Os homens pareciam formar um só corpo. Suor, sangue, esforço. Uma semana de trabalhos terrìvelmente duros estava chegando ao fim. Jerônimo e João aguardavam o sinal de Braz, afastado no extremo da margem. De repente o negro levantou o braço e o prefeito acionou a alavanca, de ferro fundido, pintada de vermelho-vivo.  Em todas as torneiras da cidade a água começou a jorrar. A princípio escura, barrenta, com forte precipitação terrosa. A seguir a água mudou de cor, amarelou, embranqueceu. Tornou-se límpida, incolor. Coroado voltava a ter água potável, sem necessidade do dinheiro ou da interferência do Coronel Pedro Barros. Jorrava água no hotel do Gentil. Na sede da prefeitura. Nos lares. Nos bares e clubes. O ruído da água era como uma música maravilhosa.

CENA  8  -  COROADO  -  CASA DO DR. MACIEL  -  COZINHA -  INT.  -  DIA.


Na casa do Dr. Maciel, um grito levou o médico a derrubar uma pipeta no chão.

POTIRA  -  Indaiááá! Seu doutô! (berrava)  Tá chegando água. Coroado num tem mais seca. Jeromo venceu! Jeromo venceu!

A água que jorrava dos canos confundia-se com a água que corria dos olhos alegres da população.


FIM DO CAPÍTULO 100
Márcia (Glória Menezes)
E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

*** Na aldeia, Márcia descobre que tem uma rival, Nita, apaixonada por João e capaz de odiá-la com todas as forças por ciúmes do garimpeiro.


*** Nita serve um chá para Márcia, e substitui açúcar por terra! Márcia é equilibrada e tenta entender a mulher, mas Diana não, e retorna pronta para vingar-se, atacando Nita como uma fera!

NÃO PERCA O CAPÍTULO 101 DE

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

IRMÃOS CORAGEM - Capítulo 99


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair 

CAPÍTULO 99
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
JOÃO
CEMA
BRAZ
POTIRA
RODRIGO
DELEGADO FALCÃO
DR. MACIEL
PEDRO BARROS
JERÔNIMO
LÍDIA

CENA 1  -  ALDEIA  -  CHOUPANA -  INT.  -  DIA.

CEMA  -  Puxa! Que felicidade a senhora tê vindo hoje!

Cema abraçava a velha Sinhana. Depois de várias semanas sem ver o filho, a corpulenta e decidida mulher resolvera cruzar as léguas que a distanciavam de João e visitá-lo na choupana da aldeia dos foragidos.

SINHANA  -  Pois é... tive que vim, né? Pra vê meu Jão e dá um recado muito importante prêle.

CEMA  -  Ele já vem. Braz agorinha mesmo foi chamá ele pra tomá café.

SINHANA  -  Pensei que ele tivesse morando aqui. Me dissero que tu e Braz tomava conta dele.

CEMA  -  Que nada. A mulhé dele é que tá tomano conta dele...

SINHANA  -  Lara?

CEMA  -  Márcia.

SINHANA  -  Ele trocô de mulhé? Ah... mas Jão tá ficano muito sem-vergonha. Num gosto disso, não!  (fez um gesto de raiva, com a mão diante da cara).

Cema ria, ainda, quando Braz entrou, pressuroso.


CEMA  -  É nada (disse, ante a fisionomia contraída da velha)  É Dona Lara mesmo que mudô de nome. Ela é esperta. Faz isso pro marido num enjoá dela. Agora tão vivendo que é uma beleza! Os dois num amô que só vendo! Né, Braz?

BRAZ CANOEIRO  -  Puxa, se é! Agora, só tão de beijo e abraço, segredinho... benzim pra cá... benzim pra lá...

SINHANA  -  Graças a Deus! (bradou, com as mãos unidas e olhos fitando o teto)  Se o problema era só mudá de nome, então... que tudo quanto é mulhé mal casada mude também de nome, uai! (a lógica de Sinhana provocou risos no casal de amigos do filho) Cadê o João? (perguntou, voltando-se para Braz Canoeiro).

BRAZ CANOEIRO  -  Já vem. Trouxero notícia de Coroado. A falta d’água... e povo que tá culpando a briga do Jerônimo com o Pedro Barros...

SINHANA  -  Uai, num tou sabeno disso, não! (admirada)  Também, saí tão cedo... de madrugada. Tem légua pra burro de Coroado pra cá. Isto aqui é o fim do mundo!

CORTA PARA:

CENA 2  -  ALDEIA  -  CHOUPANA  -  INT.  -  DIA.

Sinhana mostrava a carta ao filho.


SINHANA  -  Que é que tu acha disso?

JOÃO  -  Duda confessa que Ernesto Bianchinni era outro homem.

SINHANA  -  Então, Duda se enganô?

JOÃO  -  Não... não, Duda num se enganô. Era sonho demais... pensá que Lourenço D’Ávila tava vivo.

Alberto ouvira as últimas palavras entre mãe e filho. Enrubesceu.

ALBERTO  -  Notícia... da visita ao hospital... onde tá minha mãe?

JOÃO  -  É. Era outro homem... mas meu irmão não se dá por vencido.

ALBERTO  -  Eu não digo mais nada (comentou, fingindo uma indiferença que estava longe de sentir).

JOÃO  -  Não precisa. Não quero acusar ninguém, não digo que alguém aqui tá me tapeando. Mas digo que acredito no meu irmão. (Alberto estremeceu imperceptìvelmente)  E vou tomá a frente desse caso. Diz pro Duda ficá sossegado, mãe. Ele que num pense mais nisso. Eu mesmo vou atrás desse home, seguindo todas as pista que ele me deu. Deus há de me ajudá. Eu vou encontrá. Essa tem que sê, de hoje em diante, a minha razão de vivê.

SINHANA  -  Que Deus te abençoe e ajude, meu filho!

CORTA PARA:

CENA 3  -  FAZENDA DE PEDRO BARROS  -  CASA-GRANDE  -  SALA  -  INT.  -  DIA.

Os jagunços da casa-grande correram de arma em punho, mas a autoridade do prefeito ainda valia alguma coisa num território pràticamente sem lei. Lídia agarrava-se ao braço do marido.


JERÔNIMO  -  Vim aqui... pra lhe dizer umas verdades...

PEDRO BARROS  -  Conheço de sobra as tuas verdades!

JERÔNIMO  -  Olha aqui... se o senhor é louco... ninguém tem que pagar pelas suas loucuras, não!

PEDRO BARROS  -  Louco, por quê? Porque vou tirar, uma a uma, as regalias que eu dava pro povo de Coroado? E por que eu tenho que ser o bacana, o bonzinho pra essa gente? Pra você fazer bonito, às minhas custas? Não. Agora eles vão ver quem é o verdadeiro dono dessa cidade...

Barros parecia mais insano do que nunca. Ele se julgava, de fato, dono de Coroado, como se todos que ali vivessem fossem obrigados a pagar dízimos ao verdadeiro criador da Terra.

JERÔNIMO  -  Se o senhor fosse um sujeito humano, eu tinha resposta pra lhe dar. Mas eu não posso convencer uma alma ruim como a sua a viver bem, a viver em paz, a viver como gente!

PEDRO BARROS  -  (impacientava-se com a ousadia do rapaz)  Não me interessa viver em paz com você. Não lucro nenhum tostão com isso. E lhe digo mais, isso que aconteceu com a água... vai continuar.

LÍDIA  -  Coronel, isso é perseguição da grossa!

JERÔNIMO  -  Deixa, Lídia.  Ele tá pensando que é o deus-todo-poderoso de Coroado. Pois eu vim... justamente pra lhe dizer... que vou enfrentar sua perseguição. E também não paro aqui. Vou continuar. Acima de mim há outras autoridades municipais, estaduais e federais. Lembre-se disso, coronel!

PEDRO BARROS  -  (riu, com cinismo, e bateu no bolso)  É besta quem pensá que pode competir comigo!

JERÔNIMO  -  Eu vou competir. E desafio o senhor, coronel!

PEDRO BARROS  -  (deu largas passadas pelo interior da sala, expelindo fumaça como uma locomotiva)  Pois muito bem, mocinho. A gente vai entrar numa luta feia. E lhe digo mais: não vou parar por aqui. Vou destriur tudo o que fiz, com meu sacrifício.

JERÔNIMO  -  (bateu com uma das mãos na outra, como num lance de caratê)  O senhor destrói... eu construo, coronel!

PEDRO BARROS  -  Só vou parar no dia em que você chegar, de novo, aqui, sem esta arrogância. Humilde e de cabeça baixa... e me disser: “Olha, coronel, eu entrego os pontos! Eu vou dar um tiro nos miolos”! Aí, depois do teu entêrro, quando o vice-prefeito te substituir, eu juro que as águas voltam nas torneiras de Coroado! A paz volta de novo a brilhar na nossa cidade.

A maldade do velho chefe de garimpo provocava náuseas no prefeito da cidade. Inopinadamente, ele tentou agredir o coronel. Lídia o conteve, arrastando-o para o extremo oposto da grande sala.


JERÔNIMO  -  A água vai voltar outra vez... nos terreiros... a paz há de voltar a Coroado... e a gente não há de necessitar da tua esmola!

LÍDIA  -  Vamos embora!

JERÔNIMO  -  (desejava expelir toda a raiva que lhe tornava a vida insuportável)  Eu tenho dinheiro, tá me ouvindo? A prefeitura tem dinheiro pra canalizar outro rio. Eu não preciso do senhor!

LÍDIA  -  Vamos!

JERÔNIMO  -  Eu volto aqui, sim... mas pra lhe matar a sêde. O senhor há de morrer sozinho. Morto de sêde e sozinho! Miserável! Velho ruim!

PEDRO BARROS  -  Patife! Diz que tem dinheiro na prefeitura! Você ouviu isso, Juca?

JUCA CIPÓ  -  Ouvi, patrãozinho. Mas lhe digo: num tem não, num tem não!

CORTA PARA:

CENA  4  -  BELO HORIZONTE  -  HOSPITAL  -  SALA DE ESPERA  -  INT.  -  DIA.


Àquela hora do dia o corredor do hospital retratava a verdadeira face de um pronto-socorro. Padiolas, doentes a gemer, um sem-número de casos dolorosos. No banco esmaltado de branco, Márcia observava com olhos de jornalista toda a azáfama incessante.


ENFERMEIRA  -  (enfermeira aproximou-se, cautelosa)  É a senhora que quer falar comigo?

MÁRCIA  -  (levantou-se)  Exato. Me mandaram procurar pela senhora.

ENFERMEIRA  -  Pois não. O que deseja? (olhou para ambos os lados receosa. Havia medo nos olhos, nos gestos, nas atitudes da mulher).

MÁRCIA  -  Me disseram que foi a senhora que cuidou do Sr. Ernesto Bianchinni. Um homem que se acidentou num carro na estrada de Belo Horizonte...

ENFERMEIRA  -  (fingiu buscar na memória o nome do paciente)  Foi... foi sim... agora me lembro.

MÁRCIA  -  De Dona Branca também, evidentemente.

ENFERMEIRA  -  Claro... de Dona Branca!

MÁRCIA  -  Pois... eu queria saber onde posso encontrar o casal.

ENFERMEIRA  -  Eles estavam naquele quarto (apontou para uma porta próxima)  Mas... já deixaram o hospital, recuperados.

Márcia deu alguns passos até a porta. Rodou a maçaneta e observou seu interior.


MÁRCIA  -  Eu sei. Já me disseram. Eu quero que a senhora me informe, justamente, para onde eles foram.

ENFERMEIRA  -  (gaguejou)  Eu... eu não sei. Não deixaram endereço.

MÁRCIA  -  Mas segundo eu soube... o Sr. Bianchinni não teve alta... estava ainda passando mal... foi transferido com certeza para outro hospital ou casa de saúde. É isto que eu quero que a senhora me informe.

Agora a enfermeira tinha certeza de que fôra apanhada na mentira. Eles sabiam que o casal não deixara o pronto-socorro recuperado. O homem, muito pelo contrário, deixara o quarto quase à morte.

ENFERMEIRA -  Não sei... se eles foram pra outro lugar. A mim não disseram nada. Já perguntou aos médicos?

MÁRCIA  -  Já. Fui á direção do hospital e ninguém sabe dizer para onde eles foram. (fechou a porta com delicadeza e ajeitou a bolsinha de couro marrom)  Bem... não tem importância. Obrigada.

CORTA PARA:

CENA  5  -  COROADO  -  DELEGACIA  -  CELA DO DR. MACIEL  -  INT.  -  DIA.

O Dr. Maciel estava na cadeia, acusado de tentativa de homicídio por ter querido partir a cabeça de Hernani. O rapaz tivera a ousadia de lhe propor entregar-lhe Ritinha em troca do perdão da dívida que o médico contraíra com ele, e o Dr. Maciel se indignara.


Ao tomar conhecimento do caso, Duda ficara furioso e tivera uma briga com a esposa, terrivelmente enciumado. Pagara afinal a dívida do sogro, mas ao voltar para São Paulo, a fim de fazer os exames de rotina na perna operada, ainda não voltara às boas com Ritinha.

Agora a moça estava diante do pai, na prisão.

DR. MACIEL  -  Oi... Ritinha... te esperei tanto...

O médico, com a barba por fazer e as mãos trêmulas, beijou a face da filha.

RITINHA  -  Como é que o senhor está?

DR. MACIEL  -  Cansado! Doente! Muito mal!  Quando é que vão me tirar daqui?

RITINHA  -  Doutor Rodrigo disse que não passa de hoje.

DR. MACIEL  -  Deus queira. Já não aguento mais. (virou-se para um vulto que estava meio oculto pelas sombras, sentado no colchão)  Conhece aqui... o Alberto... companheiro do João, teu cunhado?

Ritinha arregalou os olhos para fixar a figura esguia e de cabelos lisos, que escondia o rosto entre as mãos. O rapaz cumprimentou-a com um mover de cabeça.


ALBERTO  -  Olá!

RITINHA  -  Olá! Então te agarraram?

ALBERTO  -  Pra ver. Esse delegado sujo está se vingando em mim, do que não pode se vingar no João.

Ritinha ignorou a presença do rapazola. Abriu a bolsinha de longas correias e de lá tirou alguns documentos amarfanhados. Deu-os ao pai.

RITINHA  -  Toma isto.

DR. MACIEL -  Que é isto?

RITINHA  -  As promissórias que o senhor assinou pro Hernani.

DR. MACIEL   -   (surpreso)  Você... pagou?

RITINHA  -  Não interessa quem pagou... Alguém pagou... O senhor está livre da dívida. Eu estou livre daquele homem. Em compensação... Eduardo foi embora... e nunca mais... quer ouvir falar de mim. (Maciel emudeceu. A moça bateu na grade com o punho fechado) Pode abrir esta porta! Eu quero sair. Êh, seu guarda...

FIM DO CAPÍTULO  99
Jerônimo vai com a mulher, Lídia á Fazenda de Pedro Barros e o desafia!
e no próximo capítulo...

*** Rodrigo encontra Potira na casa do Dr. Maciel e a ignora, ainda muito magoado.

*** Márcia volta para a aldeia, deixando João muito feliz.

*** Jerônimo conseguiu que a água voltasse a jorrar nas torneiras de Coroado, trazendo de volta a alegria á população!
 
NÃO PERCA O CAPÍTULO 100 DE

IRMÃOS CORAGEM - Capítulo 98


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair 

CAPÍTULO 98
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
DELEGADO FALCÃO
RODRIGO
DUDA
ENFERMEIRA
BRANCA
GASTÃO
LÍDIA
JERÔNIMO

CENA 1  -  COROADO  -  DELEGACIA  -  INT.  -  DIA.

DELEGADO FALCÃO  -  (movendo o palito entre os dentes)  Não me custa nada fazer a sua vontade. Eu vou até Belo Horizonte!

RODRIGO  -  Duda insiste em afirmar que esse tal de Ernesto Bianchinni é Lourenço D’Ávila. Está convicto de que um e outro são a mesma pessoa.

Falcão bateu com a ponta do cigarro contra a madeira desbotada da mesa. Havia cinza em todos os cantos e manchas gordurosas de café e manteiga.


DELEGADO FALCÃO  -  Acho isso um absurdo.

RODRIGO  -  Já estive em São Paulo para me certificar.  A minha investigação foi completamente negativa. Mas agora, com essa nova coincidência, acho melhor irmos ver de perto.

DELEGADO FALCÃO  -  A gente vai.  Mas tem uma coisa. Posso até mostrar jornais da capital de São Paulo. Comentam muito o afastamento do grande jogador. Os jornais dizem que Duda foi vítimas de uma crise nervosa. Em consequencia desse atordoamento foi até contundido em campo...

RODRIGO  -  É, eu sei de tudo isso... Não quero dizer que acredito nele... mas também estou novamente em dúvida.

DELEGADO FALCÃO  -  (levantou-se, abotoando o jaquetão cinza, de corte antiquado)  Bem... não custa nada a gente ir ver esse tal de Bianchinni.

RODRIGO  -  (ajeitando as abotoaduras de couro)  Quando podemos ir?

DELEGADO FALCÃO  -  Hoje mesmo.  Agora, se você quiser.

O delegado estava pronto. Como policial não poderia deixar para mais tarde um assunto que envolvia vidas e destinos de muitas pessoas. Inclusive a dele próprio.  Falcão cruzou a sala e se dirigiu a um armário. Rodrigo observava os seus movimentos. Retirou uma arma de cano curto, algumas balas. Encheu o tambor. Rodou-o e olhou o interior do cano fino. Tudo em ordem.

RODRIGO  -  (fez o convite)  Vamos no meu carro.

Saíram juntos.

CORTA PARA:

CENA 2  -  BELO HORIZONTE  -  HOSPITAL  -  QUARTO DE LOURENÇO  -  INT.  -  DIA.


Duda aguardava. O tempo corria e a enfermeira não o convidava a entrar no quarto de Ernesto Bianchinni. Olhou o relógio: há 20 minutos esperava ordem para visitar o “amigo”. Entrou inopinadamente. E viu o homem estendido, com o rosto coberto de gaze avermelhada pela tintura. Branca não dizia palavra. Duda admirava a placidez, a respiração cadenciada do acidentado. Deixou o quarto com um misto de decepção e desconfiança.


BRANCA  -  (pôs a mão no seio, aflita)  Quando isto vai ter fim?

ENFERMEIRA  -  Estou com medo! Se os médicos desconfiam, estou perdida!

GASTÃO  -  Calem a boca! (ordenou, movendo os lábios por entre a gaze tinta)  Isto já vai terminar!

BRANCA  -  Talvez não! O jogador não está convencido.

ENFERMEIRA  -  Ele vai continuar fazendo perguntas (admitiu, com os lábios trêmulos e mais pálida do que o normal).

GASTÃO  -  Com certeza.  Mas as coisas foram muito bem feitas... Ninguém viu quando a gente levou o doente daqui!

BRANCA  -  (fitando o crucifixo pregado à parede)  Estou muito preocupada com ele!

GASTÃO  -  Ele está muito bem! Não se aflija! Foi levado com muito jeito... está em tratamento. A mocinha me ajudou bem.

ENFERMEIRA  -  Até agora não entendi por que estão fazendo isso...

GASTÃO  -  Não precisa entender, moça!  Você vai receber a sua grana pra ficar calada.

BRANCA  -  (esfregando as mãos com nervosismo) Quando vamos ao encontro do meu marido?

GASTÃO  -  Hoje mesmo. Vamos só dar tempo ao tempo... porque o cretino do jogador de futebol pode voltar aqui...

CORTA PARA:

CENA 3  -  COROADO  -  CASA DE JERÔNIMO  -  SALA  -  INT.  -  NOITE.


Positivamente as coisas não corriam bem no lar do prefeito e Lídia percebia que, a cada dia, mais se afastava do esposo. Mesmo morando juntos, dormindo juntos, viviam separados um do outro. Lídia esperou que o marido regressasse à casa. Era notinha. Coroado descansava depois de um dia de trabalho.


LÍDIA  -  Jerônimo!

JERÔNIMO  -  (virou o rosto, ao mesmo tempo em que jogava o paletó sobre o encôsto da cadeira)  Tá escondidinha aí?

LIDIA  -  Não vou continuar mais. Eu desisto.

JERÔNIMO  -  Não tou entendendo...

LÍDIA  -  Não dou pra isso, não, viu? Esse negócio de sofrimento, ciúmes, não é comigo. Eu vou renunciar a tudo, Jerônimo.

JERÔNIMO  -  (segurando as bochechas da esposa entre as mãos)  A tudo, o quê?

LÍDIA  -  Aos meus sonhos impossíveis.  Você não tem mais jeito, Jerônimo. Olha, quer um conselho? O melhor que tem a fazer é dar um chute nas convenções, nos preconceitos que te separam daquela moça. Manda tudo pro inferno e junta teus trapinhos com os dela. É a única coisa que te resta fazer...

Lídia se levantou, enquanto Jerônimo, boquiaberto, não encontrava resposta à argumentação da esposa.

JERÔNIMO  -  Espera aí, Lídia. Lídia!

A mulher desapareceu no interior do quarto, iluminado por uma luzinha vermelha que dava ao ambiente o aspecto de um laboratório de revelação fotográfica.


Depois de molhar o rosto e escovar os cabelos longos e negros, Jerônimo penetrou no quarto e olhou a cama onde a esposa se deitara com a cara escondida entre os travesseiros.


JERÔNIMO  -  Lidinha, espera aí! Vamos conversar... Eu tenho direito a uma explicação!

LÍDIA  -  (deixou aparecer a face)  Que explicação, Jerônimo? Se tudo está claro demais! Você não consegue reagir contra o sentimento que nutre por aquela moça. Pronto. O que não tem remédio, remediado está... E daí? Quem é que tem alguma coisa com isso? Nem eu tenho. Nesta história de amor... ninguém em o direito de dar palpite. Você não ama a mestiça?

JERÔNIMO  -  Lidinha...  Não é assim, bem! Você está pensando que eu sou um sujeito fraco, que não tenho coração, nem nada!

LÍDIA  -  Eu... não ia chegar a ponto de te ofender. Acho desnecessário, porque, afinal de contas, a ofensa não ia te fazer mudar os sentimentos.

JERÔNIMO  -  Escuta só um pouco, meu amor...

LÍDIA  -  Eu não posso arrancar esse sentimento de sua cabeça, do seu coração...

Jerônimo sentou-se á beira da cama, debruçando-se sobre o corpo moreno da mulher.

JERÔNIMO  -  Eu lhe pedi paciência, não pedi? Você prometeu compreender.

LÍDIA  -  Mais do que tenho feito? Mais paciência do que ternho tido? Já te disse. Cansei. Não tenho vocação nenhuma pra mártir!

JERÔNIMO  -  Você pode tá pensando que eu fui lá, na casa dela, porque não aguentei... Não é isso? Você soube que eu fui visitar Potira na casa de Maciel. Sabia que ela está muito doente? Talvez seja por isso que você tá criando todo esse drama...

LÍDIA  -  É verdade... eu pensei mesmo.

JERÔNIMO  -  É... em parte. Quero dizer... eu não ia se não tivesse o pretexto. Pretexto que você mesma me deu.

LÍDIA  -  (admirada)  Eu?

JERÔNIMO  -  Você se lembra... você me disse que as mulheres de Coroado iam desprezar Potira na missa de domingo.

LÍDIA  -  E daí?

JERÕNIMO  -  Daí... daí, Lidinha... me deu uma pena dela, que você nem imagina. Fui avisar... só isso... pra ela não vir na missa de domingo... pra não passar pela vergonha de ser humilhada. Eu não podia saber que ela ainda estava doente, sem poder se levantar... E não podia desejar que isso acontecesse. Me entenda, pelo amor de Deus! (começava a exasperar-se, ante o desenrolar da conversa)  Eu me sinto sempre culpado de tudo o que acontece de ruim na vida dela... A gente é feliz... a gente vive bem, apesar de tudo. Ela, não. Ela tá com o lar destruído... tá proibida até de sair de casa... o marido contra ela... a cidade contra ela... pensa bem. Eu era um sujeito muito ordinário se não me preocupasse um pouco com ela. Você se esquece de que somos criados como irmãos. Ela, desde pequenininha... (Lídia virou o rosto, atormentada pelas recordações do marido)  Você é humana, você, que tem demonstrado possuir uma bondade fora do comum... você acha direito que alguém sofra se a gente pode evitar o sofrimento?

Jerônimo abraçou-a, erguendo-lhe o busto e beijando-a nos lábios. Lídia fingiu esquivar-se do carinho.

LÍDIA  -  Não!

JERÔNIMO  -  Lídia, eu te juro diante de Deus. A gente não devia tá discutindo coisa nossa, particular, num lugar sagrado para o nosso amor... Eu quero viver bem com você. Eu te quero muito. E te peço uma última oportunidade. Fica comigo. E se eu fraquejar de novo, aí você tem o direito de fazer o que quiser, tá?

LÍDIA  -  Está bem.  A última oportunidade. Você prometeu.

Jerônimo premiu o interruptor e o quarto escureceu por completo. Não havia palavras, apenas movimentos e a linguagem do amor.

FIM DO CAPÍTULO  98
Enfermeira (Angela Leal) e Branca (Neuza Amaral)
e no próximo capítulo...
 
*** Jerônimio vai á Fazenda de Pedro Barros e o desafia, afirmando que tudo o que ele destruir em Coroado, vai reconstruir, deixando o velho coronel furioso!

*** Márcia / Lara vai a Belo Horizonte falar com a enfermeira, investigando a história de Branca e Lourenço.

NÃO PERCA O CAPÍTULO 99 DE

IRMÃOS CORAGEM - Capítulo 97


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair 

CAPÍTULO 97
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
BRANCA
ALBERTO
DUDA
JOÃO

 CENA 1  -  BELO HORIZONTE  -  HOSPITAL  -  QUARTO DE LOURENÇO  -  INT.  -  NOITE.

A noite caíra sobre Belo Horizonte depois de um dia de bruma intensa. Poucas pessoas eram vistas nos corredores silenciosos do hospital. A portaria tinha informado o número do quarto dos acidentados. Depois do primeiros socorros e de algumas horas na Unidade de Tratamento Intensivo, tinham sido removidos para um quarto particular. Alberto girou a maçaneta, lentamente, com o coração em sobressalto. O foco de luz iluminava o rosto macilento do homem que respirava com dificuldade. Braço estendido e amparado por um travesseiro pequeno. À altura do cotovelo duas tiras de esparadrapo prendiam a agulha ao braço. Pingo a pingo o sôro descia. Alberto fixou o quadro. Ao lado a mãe com o braço na tipóia e escoriações no rosto. As faixas que envolviam a cabeça do paciente não impediam seu reconhecimento imediato. Olhos, boca, nariz. Era ele. Alberto deu um passo no interior do quarto e cerrou a porta às suas costas. Fez força para não sucumbir à vergonha, à surpresa, ao descontrôle. Lourenço vivia. Branca ergueu os olhos ao perceber o leve movimento de pés. Não era a enfermeira. Na semi-obscuridade do ambiente custou-lhe a reconhecer o visitante.

BRANCA  -  (correu a abraçar o filho) Alberto!
   
ALBERTO  -  Que foi isso, mãe?

BRANCA  -  Uma coisa horrível, Alberto! Eu tive mais sorte do que... (parou, colocando a mão contra a boca, arrependendo-se do que ia falar).

ALBERTO  -  (completou o pensamento)  Do que meu pai!

BRANCA  -  É preciso que você esteja preparado...

ALBERTO  -  Estou arrasado...

BRANCA  -  Eu tenho toda a culpa, eu sei.

ALBERTO  -  Que é que a senhora acha, mãe? Até agora eu defendi a senhora, achando que não podia estar envolvida numa trama tão absurda!

BRANCA  -  (apelou para o sentimentalismo)  Alberto, meu filho! Eu prefiro morrer a ver você contra mim!

ALBERTO  -  Não posso estar a favor dessa sujeira, mãe!

A mulher apontou para o corpo inanimado sobre a cama. Ao alto o Cristo de ferro sobre a cruz de madeira.

BRANCA  -  Ele... só merece a nossa piedade. Olha só uma coisa. (acendeu a luz do teto e se aproximou da cama acompanhada do filho).

ALBERTO  -  É um absurdo! Mal posso acreditar que esse homem seja meu pai!

Debaixo do lençol, envolto por uma manta de gaze, o tórax de Lourenço subia e descia, avermelhado pelo mercúrio. Braços e pernas com marcas profundas do acidente. Alguns pontos aqui e ali, na face amarelada. Alberto suspirou fundo.

BRANCA  -  Eu compreendo sua revolta.  Pedi a Deus que você viesse. Me senti muito só desde que aquela coisa medonha aconteceu. Tenho rezado noite e dia para você compreender e me perdoar.

ALBERTO  -  Perdoar eu não perdôo. Só quero saber por que a senhora se envolveu nisso... e como teve coragem de deixar que essa farsa continuasse. Como não lhe doeu a consciencia ao ver a destruição de um homem, de sua vida, de seus sonhos, de suas ilusões? Não teve pena de João Coragem, mãe?

BRANCA  -  No começo, fui obrigada por seu pai. Me comprometi muito e tive medo de ser punida pelo que havia feito. Depois eu tentei me livrar dessa história, que passou a ser um pesadelo na minha vida. Principalmente depois que você se juntou ao bando de João Coragem. Muitas vezes pedi a seu pai para acabar com essa comédia estúpida. Mas ele estava obcecado... e vai continuar obcecado se conseguir escapar dos ferimentos. O diamante é a vida dele...

ALBERTO  -  E o desastre, como foi?

BRANCA  -  (suspirou fundo)  Naquele dia... ele veio me buscar... tinha tudo pronto para embarcar para a Europa. Quis me obrigar a ir com ele. Tinha passaporte falso e tudo o mais. Fiquei desesperada, pensando em você. No carro... tentei matar Lourenço. Estava fora de mim... Ia atirar quando, pra desviar a arma das minhas mãos... ele fez uma manobra infeliz. Daí... bem (correu a mão pela testa ferida do marido)  daí a gente quase morreu. Depois me arrependi. Nestes dias aqui, ao lado dele, pude pensar em toda a nossa vida e me arrependi.

ALBERTO  -  (fez a pergunta que há muito queria fazer)  E... o diamante do João?

BRANCA  -  Ninguém sabe. Só ele. Deixou guardado num lugar que só ele conhece.

ALBERTO  -  Já voltou a si alguma vez?

BRANCA  -  Já, mas está muito mal. Não pode falar direito, sente fortes dores em todo o corpo e está sempre sob efeito de sedativos. Se ele morrer sem revelar onde está o diamante, ninguém nunca mais vai encontrar. (segurou brandamente o braço do filho)  Seu pai precisa mais do seu perdão, do que da sua revolta.

ALBERTO  -  Acha que vou ficar de acôrdo? E ser cúmplice desse crime monstruoso que vocês cometeram?

BRANCA  -  Deixe seu pai melhorar pra gente ver o que vai fazer da nossa vida.

ALBERTO  -  (revoltado)  Se escapar, ele vai continuar com essa farsa imunda! E eu não posso estar de acordo com isso, não!

A força de persuasão de Branca chegara ao fim, restava-lhe a reação enérgica. A violencia. O que fosse, mas que permitisse deixar o marido em liberdade. Ele precisava viver para levar ao fim a missão a que se dedicara. Escapar com o diamante que era dele, dele só! Embora metade do mundo o culpasse. Mesmo o próprio filho. Um rebelde!


BRANCA  -  Pois delate! Destrua a farsa! Faça o que você quiser! Se não mereço que você me perdoe, não me interessa mais continuar vivendo.

Estava claro que a mãe não se entregaria e nem revelaria por vontade própria a trama diabólica engendrada pelo pai. Alberto desesperou-se ante a realidade e bateu furiosamente na parede clara do quarto.

ALBERTO  -  Diabo! Por que vocês se envolveram nisso?

CORTA PARA:

CENA 2  -  ALDEIA DE JOÃO  -  CHOUPANA -   INT.  -  DIA.
 
Duda não acreditava na fidelidade do filho de Lourenço. Para ele, era um homem como outro qualquer, envolvido numa emaranhada trama de maldade e traições. Chegara atrasado ao encontro e só lhe restava aguardar, com calma, o retorno do rapaz.

Alberto voltou estranho. Absorto. Respondendo com má vontade às perguntas dos companheiros.


ALBERTO  -  Antes de me agredir com tanta pergunta, me diga, quem foi que disse que eu fui ver minha mãe?

DUDA  -  (cerrou os dentes, controlando a raiva)  Foi um besourinho verde que me falou no ouvido.

ALBERTO  -  Eu podia não ter ido, não é? A gente ficou de se encontrar para ir juntos...

DUDA  -  Pois é. Mas eu não apareci porque a perna me doeu muito. E garanto que você não me esperou coisa nenhuma. Você foi correndo se encontrar com sua mãe no hospital de Belo Horizonte, mal eu virei as costas. Não venha com mentira pra cima de mim, não.

ALBERTO  -  (aparentava descontrole íntimo)  Claro... que fui ver minha mãe... eu estava muito curioso... e aflito, também.

DUDA  -  E então: Ernesto Bianchinni é ou não é seu pai?

A emoção emudeceu o jovem. João interveio em seu socorro.


JOÃO  -  Ele já andou me contando tudo sobre isso, Duda.

DUDA  -  O que foi que ele contou?

JOÃO  -  É uma situação muito chata pra ele, mano. Eu compreendo muito bem...

DUDA  -  (quase gritou, enervando o outro)  Mas que foi que ele te disse, pombas...

JOÃO  - (dirigiu-se ao rapaz, com amabilidade)  Me dá permissão, Alberto? Eu falo...

ALBERTO  -  Faça o que quiser, João.

JOÃO  -  O rapaz... tá desorientado... porque não quer aceitar a união da mãe dele com esse tal de Ernesto Bianchinni...

DUDA  -  (perdeu a paciencia diante da ingenuidade do irmão)  Até você? Até você vem com essa tapeação pra cima de mim?

JOÃO  -  (interveio, decidido, impedindo que os dois se atracassem ali mesmo)  Calma, Duda! Que é isso? O rapaz explicou tudo!

DUDA  -  Ele tá mentindo! (replicou, com convicção)  Tá te enganando. Entrou na panela!

JOÃO  -  Que é isso, irmão? Eu confio no rapaz. Até hoje só tem me dado prova de lealdade. É meu amigo! Cem por cento. Já passou o diabo por minha causa...

DUDA  -  Pode ter feito tudo isso.  Mas agora, ele tá mudado, João! Tá mudado e com certeza tá de olho no teu diamante que tá com o pai dele!

Na verdade o jovem sofria. Não mentira por amor ao dinheiro, às vantagens que poderia lhe trazer a venda do diamante, que nem sabia se um dia viria a ter em suas mãos. Sofria por ter de esconder a verdade da história, a participação da mãe na trama que levara um jovem á marginalidade.


ALBERTO  -  Isso, não, viu? (respondeu, quase chorando)  Isso não é verdade, eu juro! Eu juro por tudo quanto é santo, João! Não tenho interesse em nada!

DUDA  -  Jura, também, por tudo quanto é santo, que Ernesto Bianchinni não é teu pai? Jura, anda!

Não restava outra saída ao adolescente.


ALBERTO  -  Eu... eu juro, pronto!

DUDA  -  E vocês não acham muita coincidencia... que eu tenha visto esse homem... justamente ele... em São Paulo?

ALBERTO  -  Ele... eu acho que... ele se parece com meu pai... justamente por isso... minha mãe se uniu a ele.

Os homens se entreolharam.

DUDA  -  (irritado)  Que mentira esfarrapada! Essa, não, João!

JOÃO  -  Calma, Duda! (replicou, com a mansidão que caracterizava seus gestos nos momentos graves)  Pra fim de conversa a gente vai na capital de Belo Horizonte deslindar essa história. Se ele tá tão grave assim, como se diz, não deu tempo dele deixá o hospital. Deve de tá por lá, em tratamento, garanto que sim.

DUDA  -  Pois vou! (gritou)  Vou nesse momento! Tinha até mandado o Dr. Rodrigo levar o Delegado Falcão pra tomar conhecimento do caso... mas agora, eu acho que devo ir, de qualquer jeito!

JOÃO  -  Se o Falcão vai, não convém eu ir (ponderou, balançando a cabeça em sinal de negação)  Num adianta, não! Num fica bem a gente se encontrá.

DUDA  -  Pode deixar, meu irmão, eu mesmo cuido disso. Você sabe que em teu irmão você pode confiar...

Os olhos do jovem fitaram significativamente os do filho de Lourenço. Alberto baixou a cabeça, humilhado. João percebeu o gesto do adolescente.


JOÃO  -  Fica assim, não (disse-lhe, afagando-lhe a cabeça)  Eu ainda acredito na tua lealdade.

Alberto deixou o local da reunião inteiramente perturbado. A atitude amiga de João Coragem transtornara-o mais do que as investidas ferinas de Eduardo. Doía-lhe trair a confiança do amigo. Alberto correu para que ninguém surpreendesse as primeiras lágrimas que lhe escapavam, incontroláveis. Alguma coisa como uma bola dançava-lhe na garganta. Uma bola ou um diamante? Lembrou-se do pai.

FIM DO CAPÍTULO  97
Alberto (Michel Robin)
E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

*** Rodrigo e o Delegado Falcão combinam ir juntos a Belo Horizonte investigar a história de Lourenço /  Bianchinni

*** Lídia diz a Jerônimo que vai desistir dele, pois não pode competir com seu amor por Potira!

NÃO PERCA O CAPÍTULO 98 DE

terça-feira, 18 de outubro de 2011

IRMÃOS CORAGEM - Capítulo 96


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair 

CAPÍTULO 96
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
RITINHA
DUDA
DR. MACIEL
ALBERTO

CENA 1  -  COROADO  -  PREFEITURA  -  INT.  -  DIA.

Durante um jogo, Duda fôra atingido na perna, justamente no lugar anteriormente operado por causa da bala. Sofrera nova intervenção cirúrgica e afinal recebera autorização para descansar em casa por algum tempo. Um taxi-aéreo o levara, num vôo direto, de Congonhas a Coroado.


Na tarde daquele dia Eduardo Coragem ouvira do irmão a confissão do êrro e o desenrolar dos acontecimentos que mancharam a honra do promotor e abalaram  o prestígio popular que o levara à chefia administrativa  e política da pequena cidade do interior mineiro. A pressão moral de Pedro Barros e o domínio que vinha exercendo sobre o jovem haviam provocado a decisão definitiva. Ou tudo ou nada. E Jerônimo preferira optar pela liberdade. Mesmo sabendo de antemão que a vingança do velho seria impiedosa. Duda ouvira atento as explicações. Achava que, passado o período crítico, o promotor voltaria à razão, ao raciocínio lógico e, consequentemente, procuraria entender a realidade. Um homem da lei jamais poderia se deixar levar pelos sentimentos. Duda não acreditava que Rodrigo se entregasse ao descontrôle. “Amanhã ele estará normal”, disse.


Agora, lá estava ele na ante-sala do gabinete. Bateu à porta e entrou, sem autorização. Ritinha estremeceu.


RITINHA  -  Eduardo! Nossa Senhora! Já tava aflita. Já ia lá na casa da Sinhana pra saber notícias tuas...

DUDA  -  Pois é... cheguei hoje (anunciou, beijando a esposa)  Cheguei cedinho na casa da mãe e perguntei: Uai, mãe, cadê Ritinha? Ela me disse que você não quis ficar lá.

RITINHA  -  Não quis, não. Não pude. Ainda não ajeitei as coisas lá em casa.

DUDA  -  E eu, desde que cheguei, não vi minha filhinha.

RITINHA  -  Não seja por isso... Olha ela ali! (apontou com o dedo o pequeno carrinho, escondido por trás da mesa).

DUDA  -  (correu para o carrinho)  Uai, você tá trabalhando com ela?

RITINHA  -  Que remédio? Mingas me deixou. Não tem podido me ajudar. Eu trago a Gabi pra cá. Ela fica quietinha...

Duda levantou a menininha do carro, embriagado de contentamento. Ritinha observava as reações do marido. E sorria diante das sucessivas expressões de espanto que modificavam a cara do rapaz.


DUDA  -  Nossa mãe! Como tá grande! (voltou-se para a mulher)  Quero que tu volte para casa. Não sou mais jogador de futebol. Pronto. Vou lá e digo isso a eles. A gente vai viver junto e vai viver bem. Vem cá.

Tornou a deitar a criança no carrinho estofado. Obrigou a mulher a sentar-se em seu colo. Ritinha tentou reagir, encabulada.

RITINHA  -  Não, Eduardo, não faz isso, aqui não!

DUDA  -  Bobagem, que é que tem?

RITINHA  -  Tua perna!

DUDA  -  Você tá sentada em cima da outra, ora!

RITINHA  -  Mas... Eduardo, tem mais gente...

Os dedos dela perderam-se por entre os cabelos do marido, enquanto so lábios colavam-se num beijo demorado, ao qual Ritinha se entregou apaixonadamente. Nos olhos de Duda havia qualquer coisa de diferente, uma espécie de raiva incontida, ao terminar o beijo.

DUDA  -  Onde foi que você aprendeu a beijar assim?

RITINHA  -  Assim, como, Eduardo?

DUDA  -  Você nunca beijou desse jeito, Ritinha!

RITINHA  -  Benzinho, tava com saudade!

DUDA  -  Alguém andou beijando você na minha ausencia?

RITINHA  -  Você me ofende, Eduardo!  Eu lá ia beijar alguém?

DUDA  -  Não vem com essa de querer bancar outra mulher pra cima de mim (falou, mais por brincadeira).

RITINHA  -  Outra mulher?

DUDA  -  Que nem a mulher do João. Ela era Lara, foi Diana, agora é Márcia. Diabo de tanta mulher numa só! Se uma já é difícil... e João aguenta tudo. Eu não aguento, não!

RITINHA  -  (com ingenuidade)  Mas eu sou só Ritinha...

DUDA  -  Aquele beijo, Ritinha, que você deu há pouco... parecia que era de outra mulher!

Ritinha principiava a se zangar com a teimosia do marido. Ou tudo não passava de brincadeira?


RITINHA  -  Isso é porque você é que tá com vontade de beijar outra mulher!

DUDA  -  Me beija de novo! Eu só quero ver uma coisa, tirar uma cisma! Anda! (tornou a puxar a mulher e mais uma vez beijou-a longamente, as mãos percorrendo-lhe as formas roliças).

RITINHA  -  (com um trejeito)  Então?

DR. MACIEL  -  Minha filha, eu quero que... (estacou na porta, boquiaberto com a visão, e exclamou, aborrecido)  Que... que... que pouca vergonha!

Rita saltou do colo do marido, pegou a criança e encaminhou-se para a saída, por onde Maciel desaparecera, zangado.

RITINHA  -  Ai, meu Deus, que a bola agora é comigo! Vou ter que amansar meu pai.

Deixou correndo a sala da secretaria.

Duda coçava a cabeça, desconsolado. Pela janela assistia à corrida da mulher em busca do pai, zangado. 


DUDA  -  Se precisar, eu falo com ele. Ah, falo! Peço permissão pra beijar minha mulher! (sorria ao sair puxando a perna).

CORTA PARA:

CENA 2  -  ALDEIA DE JOÃO  -  EXT.  -  DIA.
  
Por um instante, Alberto D’Ávila teve um pressentimento. Mau pressentimento. Entregou o jornal a Duda que estava a seu lado, tomando banho de sol.


ALBERTO  -  Olha pra isto.

DUDA  -  Que é?

ALBERTO  -  Olha. Aqui... esta notícia... desastre de carro na estrada de Belo Horizonte.

Eduardo pegou da folha e leu por alto.

DUDA  -  Caramba! Um desastre e tanto! Mas... isso é coisa comum nas grandes estradas. Só tem louco correndo por aí.

O dedo comprido do rapazola parou em cima do registro do acidente.

ALBERTO  -  Você não leu direito. Um desastre... com minha mãe... tá escrito aí, não tá? Branca D’Ávila... e leia o resto.

Interessado, repentinamente, Duda ergueu o corpo a meio e leu a notícia do acontecimento.

DUDA  -  Branca D’Ávila e... e Ernesto Bianchinni! (de um salto explodiu numa exclamação)  Eu não disse? Ernesto Bianchinni! O homem existe mesmo! E é ele... de nome trocado.

ALBERTO  -  (de olhos arregalados)  Como?

DUDA  -  É o sujeito que eu vi em São Paulo! O mesmo que reconheci como sendo teu pai!

ALBERTO  -  Tem certeza de que o nome é esse?

DUDA  -  Absoluta! É muita coincidencia, você não acha? Ser justamente esse o homem que foi acidentado com sua mãe. (bateu com a mão no jornal)  Taí. Não tem mais dúvida. Esse cara é teu pai. Os dois estão muito feridos. Diz aí. Foram removidos pro Pronto-Socorro de Belo Horizonte.

Movido pela necessidade de tirar tudo a limpo, Alberto tomara a decisão.

ALBERTO  -  (com a voz ligeiramente entrecortada)  Eu vou ao Hospital de Belo Horizonte... pra ver se é verdade que esse homem é meu pai.

DUDA  -  (sério)  Eu vou com você!

ALBERTO  -  Você não pode .  Fez esforço demais com essa perna operada.

DUDA  -  (careteou, apertado a perna)  É... tá me incomodando um pouco... mas eu tenho que ir. É um caso muito importante.

ALBERTO  -  Não tem confiança em mim? (colocou a mão no ombro do companheiro, em atitude de amizade).

DUDA  -  Não se trata disso. É que eu preciso agarrar esse homem pra salvar meu irmão da cadeia. E eu tou certo de que você não vai fazer isso. Você é filho dele.

ALBERTO  -  (apertou os lábios, era óbvio que lutava interiormente)  Se é verdade que Ernesto Bianchinni é meu pai, eu não vou perdoar ele.

DUDA  -  O fato de não querer que eu vá, já me diz que você não está do nosso lado.

ALBERTO  -  Não admito que duvide da minha lealdade ao João!

DUDA  -  Quer saber de uma coisa? (estava furioso)  Eu não confio em ninguém. Vou a Belo Horizonte... (gemeu penosamente ao deslocar a perna de um para outro ponto da cadeira) Essa maldita tá me incomodando pra cachorro. Posso não ir hoje... mas vou amanhã, quando estiver descansado. A viagem é longa e eu sei que hoje não aguento mais nada...

ALBERTO  -  Pois eu também deixo pra ir amanhã.  A gente pode ir junto... quando você estiver mais descansado.

DUDA  -  (parou na porta. Voltou-se para o rapaz)  E se eles deixarem o hospital?

ALBERTO  -  No estado em que estão? Estão muito feridos. Ernesto Bianchinni... muito mais do que minha mãe, segundo diz o jornal.

DUDA  -  Volto aqui amanhã a esta hora... se estiver melhor.

ALBERTO  -  Espere um pouco... uma hora mais ou menos. Se você não aparecer... vou sozinho.

Duda fitou demoradamente, com desconfiança, o interlocutor. Olhos claros e uma expressão tranquila, de bom caráter. Sorriu ao despedir-se de Alberto.


FIM DO CAPÍTULO  96
Ritinha e Duda se reencontram
e no próximo capítulo...
     
*** Alberto encontra os pais internados num hospital em Belo Horizonte e descobre toda a farsa!

*** Branca faz chantagem emocional para que o filho guarde segredo e não conte a João que Lourenço está vivo!

NÃO PERCA O CAPÍTULO 97 DE

IRMÃOS CORAGEM - Capítulo 95


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair 

CAPÍTULO 95
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
LÁZARO
RODRIGO
PEDRO BARROS
INDAIÁ
LÍDIA
JERÔNIMO
PADRE BENTO

CENA 1  -  COROADO  -  CASA DE RODRIGO  -  EXT.  -  DIA.

Lázaro aguardou horas. Chegou ao centro da cidade ainda resguardado pelas sombras da madrugada. Agora o sol já banhava rios, montanhas e matas. O assassino postou-se diante da casa do promotor. Eram 8,15 quando Rodrigo abriu a porta. Pronto para o trabalho.


LÁZARO  -  (aproximou-se com cinismo)  Dia, Dr. Rodrigo!

RODRIGO  -  (voltou-se sobressaltado)  Bom dia! O que é?

LÁZARO  -  Correspondencia pro senhor!  (incontinenti entregou-lhe o envelope pardo).

RODRIGO  -  Da parte de quem?

LÁZARO  -  Do dono de Coroado!

RODRIGO  -  Não sabia que esta cidade tinha dono!

LÁZARO  -  É bão sabê, agora!

RODRIGO  -  E quem é esse dono?

LÁZARO  -  Pedro Barros. Ele faz questão que se fale assim, antes de pronunciá o nome dele.

RODRIGO  -  É, eu vejo que as coisas aqui não estão correndo bem...

LÁZARO  -  (retrucou, com ironia)  E vão ficá muito pió, daqui a pouco!

RODRIGO  -  Ele quer resposta?

LÁZARO  -  Depende. Pode ser que o doutô queira respondê. Se quisé pode encontrá ele no garimpo ou na casa dele.

RODRIGO  -  Está certo. Obrigado!

CORTA PARA:

CENA 2  -  COROADO  -  CASA DE RODRIGO  -  SALA  -  INT.  -  DIA.

À medida que lia a carta, Rodrigo empalidecia. Estava lívido e parecia ouvir perfeitamente a voz hedionda do coronel, por entre as linhas do papel:


PEDRO BARROS  -  (off)  “... e esse retrato, tirado pelo Falcão, no dia do casamento de Jerônimo, prova tudo que eu acabei de dizer. Agora, você, seu idiota, sabe por que Jerônimo me aguentou e não podia reagir contra mim. Eu dominei ele até quando pude. De repente, ele cismou de se livrar de mim. Sinal de que a honra da tua mulher não vale mais grande coisa para ele. Agora, você faça o que bem entender. Tudo o que eu disse é a mais pura verdade.”

Rodrigo amassou a carta. Estava perdido dentro de si mesmo. O mundo fugira-lhe dos pés. Apenas uma imensa, uma incontrolável angústia comprimia-lhe o peito e a garganta.

RODRIGO  -  (conseguiu berrar para o interior da casa)  Potira! Potira!

Indaiá apareceu, amedrontada.

RODRIGO  -  (mostrou a carta. Estava tenso como a corda de um violino)  Você... sabia disso?

INDAIÁ  -  Tudo pode ser infâmia. Havia uma ameaça...

RODRIGO  -  Sabia? E me escondeu? Ajudou ela?

INDAIÁ  -  Potira é inocente e pura de alma. Se existe alguma culpa, eu não sei. E não é dela. É da tentação do demônio, em forma de homem.

RODRIGO  -  Onde está ela? (berrou, alucinado)  Onde está ela?

Saiu desesperado, com as mãos crispadas e profundos sulcos na testa. Indaiá ficou a rezar, febrilmente.

CORTA PARA:

CENA 3  -  FAZENDA DE PEDRO BARROS  -  CASA-GRANDE  -  ESCRITÓRIO  -  INT.  - DIA.


Pedro Barros levantou-se com agilidade, já com a mão no gatilho. Deixou ficar a arma dissimulada entre os papéis da gaveta. Rodrigo parecia desvairado. Olhos em fogo. Lábios contraídos.


PEDRO BARROS  -  Já te esperava...

RODRIGO  -  Esta... esta... carta... que o senhor... escreveu (gaguejava)  é... uma... uma... infâmia.

PEDRO BARROS  -  Sustento tudo o que disse, rapaz! Larga mão de ser bobo... Você viu o retrato...

RODRIGO  -  Eu devia matá-lo! (ameaçou, dando alguns passos à frente, na tentativa de agressão. O cano do revólver deteve-o instantâneamente).

PEDRO BARROS  -  Cuidado comigo, moço! Te fiz um favor contando as coisas que estão acontecendo com tua mulher e teu melhor amigo! E é a mim que você quer matar? Ele é que merece sua revolta, não eu, estúpido! Não eu!

RODRIGO  -  O senhor se aproveitou da fraqueza dele e explorou. Aceitou a infâmia! Por vingança! É um porco miserável, imundo!

Esbravejando o promotor deixou a casa-grande, enquanto Pedro Barros, frio, o olhava irônico.

CORTA PARA:


CENA  3  -  COROADO  -  PRAÇA  -  EXT.  -  DIA.

O homem do realejo parou de tocar e a garotada recolheu a bola de borracha para dar passagem aos dois. De um lado Rodrigo. Do outro Jerônimo. Entre eles um destino. Lídia ainda procurou deter o marido.


LÌDIA  -  Jerônimo... vamos indo... você tem um compromisso.

JERÔNIMO  -  Não, Lídia, preciso falar com Rodrigo.

O promotor ouvira as derradeiras palavras do homem a quem dedicava sincera amizade.

RODRIGO  -  Precisa falar... precisa falar... seu... seu miserável!

Alguns curiosos se acercavam do local. Rodrigo não esperou resposta. Levantou o braço direito à altura do ombro e seu punho chocou-se violentamente contra o rosto do prefeito. Apanhado de surpresa, Jerônimo foi projetado a alguns metros de distancia, sobre a grama empoeirada. Levantou-se, tenso, massageando a face, arroxeada pelo impacto do murro. Um pequeno filête de sangue surgiu do canto de seus lábios.


JERÔNIMO  -  Rodrigo... esse não é o procedimento de um homem... a gente pode conversar... como gente! Eu tenho que defender Potira!

O promotor tornou a avançar enfurecido, fora de si. Jerônimo escorou-o estreitando a distancia entre os dois. A potência do sôco ficou contida pela proximidade dos corpos. E a robustez do garimpeiro forçou o recuo do homem da lei. Rodrigo tentou esquivar-se, mas mãos poderosas sustentaram-lhe as ações. Estava manietado.

RODRIGO  -  (esbravejou, colérico)  Não fale o nome dela! Não fale!

Dois garimpeiros da Pedra Alta seguraram o promotor pelas costas, enquanto Padre Bento agarrava o prefeito.


PADRE BENTO  -  Parem, pelo amor de Deus! Vão para suas casas! Esfriem suas cabeças, depois conversem! Rua não é lugar para estas coisas!

JERÔNIMO  -  Eu queria explicar a ele, padre! A gente tá sendo vítima de uma infâmia. Tamo dando chance e alegria pros nossos inimigos!

RODRIGO  -  Eu te ensino... eu te ensino, Jerônimo! Você sujou o meu nome e isso não fica assim! Não há explicação possível!

JERÔNIMO  -  Você tem que aceitar minha defesa!

RODRIGO  -   (com ódio)  Só se você morrer, agora! É a única coisa que eu aceito!

Os dois garimpeiros lutavam para conter os movimentos desordenados do promotor. Rodrigo lembrava uma fera acuada. Padre Bento interveio, procurando serenar os desafetos.


PADRE BENTO  -  Vamos embora! Pensem nos seus nomes, no escândalo. Um é prefeito, outro, promotor!

RODRIGO  -  Ele não pensou, padre! Ele não pensou!

Rodrigo afastou-se, mais controlado, ante as palavras sensatas do vigário. As janelas fechavam-se à medida que os grupos de curiosos se afastavam, seguindo os contendores. A praça fervilhava e os botecos assemelhavam-se a ninhos de marimbondos. A briga matutina era o grande tema para o resto do dia.

FIM DO CAPÍTULO  95
Rodrigo tira satisfações com Jerônimo em plena praça de Coroado!
     e no próximo capítulo...

*** Duda e Ritinha reencontram-se na prefeitura de Coroado.
*** Alberto lê no jornal a notícia de que seus pais, Lourenço e Branca, sofreram um acidente de carro e decide ir a Belo Horizonte para saber se seu pai está vivo!

NÃO PERCA O CAPÍTULO 96 DE